Celebridades estão assumindo cargos em empresas: a influência é o que mais importa?
Claudia Leitte se associou a Tarek Farahat, ex-P&G, na empresa de bens de consumo Vênus; Iza apresentará sua primeira coleção como nova diretora criativa da Olympikus
Daniel Salles
Publicado em 19 de fevereiro de 2021 às 10h04.
Última atualização em 19 de fevereiro de 2021 às 14h22.
Esqueça a ideia de que a métrica perfeita das redes sociais é a quantidade de postagens e o conceito de garoto(a) propaganda. De acordo com algumas das mentes pulsantes do marketing nacional, eles estão com os dias contados.
Este ano consolida, no Brasil, uma tendência mundial de contratar celebridades com poder de influência digital para ou gerir a imagem e as plataformas de comunicação das marcas ou torná-las sócias com ganhos vinculados às vendas.
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Neste semestre, sairá do forno a primeira linha vegana de cuidados pessoais da marca Yourself, primeiro passo da união societária da cantora Claudia Leitte com o ex-P&G, Tarek Farahat, na empresa de bens de consumo Vênus. Ela é sua nova Chief Communications Office.
Já no próximo mês, a cantora Iza apresentará sua primeira coleção como nova diretora criativa da Olympikus, de propriedade da Vulcabras Azaleia. E, a EXAME adianta com exclusividade, a cantora, atriz e ex-BBB, Manu Gavassi, acaba de fechar contrato para ser a nova “head de conteúdo” no país da marca de gin Tanqueray, da fabricante inglesa de bebidas Diageo.
Não é possível precisar quando esse movimento virou espinha do planejamento estratégico das empresas, mas dois exemplos cimentaram o entendimento.
A associação entre a apresentadora Xuxa Meneghel com o empresário José Carlos Semenzato na franquia de depilação Espaço Laser, em 2015, provou-se um sucesso retumbante no IPO do último 29 de janeiro. Os investidores desembolsaram 2,64 bilhões por uma lasca do império.
Continuidade também define a associação da Ambev com a cantora Anitta. Desde que assumiu, em outubro de 2019, como “head de criatividade” e inovação da marca Skol Beats, o número de seguidores do perfil da cerveja no Instagram cresceu 47%.
Entre outubro e novembro de 2020, segundo levantamento feito a pedido da EXAME pela consultoria líder mundial de métricas, a checa Socialbakers, o lançamento de Skol Beats Zodiac amealhou quase 40 mil potenciais clientes.
A média mensal de interações orgânicas com o conteúdo do perfil até outubro de 2020 era de 27 mil. Em novembro, durante a campanha capitaneada por Anitta, foram mais de 425 mil interações.
À frente da contratação esteve o ex-CMO da empresa Ricardo Dias, que hoje é sócio do publicitário Rapha Avellar na agência Adventures Inc.
Segundo Dias, o novo formato se deve ao fato de que, no longo prazo, celebridades e influenciadores perceberam que é melhor ser sócio da empresa do que ter um contrato de patrocínio. E, para a empresa, o formato significaria uma forma inteligente de atrair atenção constante sem que, para isso, precise interromper as pessoas com a publicidade tradicional.
“O segredo é ir testando a verdade com essa pessoa. Tem de buscar um protagonista que defenda suas cores, trazer a pessoa para dentro, para dar esporro, ideias e novidades. Ela precisa se sentir dona do produto”, explica.
Com ônus e bônus, claro. O empresário Pedro Tourinho, sócio da agência MAP Brasil e um dos estrategistas da cantora, explica que esse tipo de contrato funciona com um piso relativamente baixo se comparado aos contratos por postagem, mas com variáveis estratosféricas, que no caso de Anitta “é medido por hectolitros de cerveja para fazer sentido.”
“Não dá mais para transformar ‘timeline’ em plano de mídia. Não funciona porque quem influencia tem desejos, humores e histórias diferentes. Não considerar isso significa que você tem um plano irregular, e a mídia tradicional virou paisagem”, diz Tourinho.
Não que paisagens naturais não deem likes. Um exemplo da potência desse tipo de associação deve começar a ser exibido a partir da Quarta-Feira de Cinzas (17), quando está prevista a estreia do reality show Ilhados Com Beats no perfil da cerveja, o @beatsoficial. Nove influenciadores, amigos de Anitta, foram convidados para passar as próximas semanas isolados com ela.
Entre os participantes anunciados estão o ator e modelo Felipe Roque, o ex-participante do reality show da MTV ”De Férias com o Ex”, Lipe Ribeiro, e a modelo Nicole Bahls.
As gravações começaram neste último fim de semana. No domingo (14) de Carnaval, a cantora apareceu ao vivo para transmitir o seu Bloco da Anitta.
Ideias como essa estão vinculadas à busca incessante por diferenciação em um ambiente bombardeado de informações como é a internet e, quando se trata de celebridades com poder de fogo para gerar conteúdo, a corrida acontece numa escala ainda maior.
CRESCENDO JUNTO
O apelo da contratação da cantora Iza para o cargo de diretora criativa da Olympikus, por exemplo, tem a ver com um desejo de infância dela de ter a própria linha de moda. O diretor de marketing da Vulcabras Azaleia, Márcio Callage, conta que as roupas seguem uma ideia da artista de repensar a produção de moda tendo como base o corpo da mulher brasileira.
“Estamos revendo toda a grade e a modelagem, do PP ao GGG, porque entendemos que somos um país diverso, com estruturas e tamanhos diferentes”, explica.
Diferentemente dos modelos de associação com celebridades, escolhidas como garotos-propaganda a partir de análises baseadas em sua popularidade no momento e seu público-alvo, a entrada de Iza, Callage afirma, é uma aposta de “crer, para ver”.
“Não faz mais diferença para uma marca ser conhecida, mas sim ser escolhida. No momento que eu preciso ser escolhido, não posso simplesmente aparecer, preciso entregar uma nova visão”, diz ele.
E isso leva tempo. Para construir “a marca do corre”, como foi batizado o novo momento da Olympikus, o contrato de Iza foi formulado em ciclos. O próximo será revisado só em maio de 2022, após a estratégia atual ter gerado os primeiros frutos. “Vamos construir a imagem juntos.”
Foi por meio desse mesmo mantra que a gigante das bebidas Diageo conseguiu que a parceria com Manu Gavassi fosse um sucesso tão importante que conseguiu posicionar sua marca de gin Tanqueray no top 5 dos rótulos mais comercializados pela empresa no país.
À EXAME, a vice-presidente de marketing da empresa, Paula Costa, afirma que ela “teve papel fundamental porque, assim como Manu, a Tanqueray é uma marca que segue um signo de lifestyle”.
A aposta ocorreu antes da explosão do nome da artista no Big Brother Brasil 20, no início do ano passado. Ainda em 2019, quando o país ainda não conhecia a predileção da artista pelo Gim, ela criou as peças exibidas em suas mídias sociais para o lançamento da versão “ready to drink” da bebida.
Era a primeira vez que uma grife lhe dava carta branca criativa e, de acordo com a executiva, toda as vezes que ela aparecia nas redes citando a bebida havia picos de procura pelo nome da marca.
“Foram números muito superiores a conteúdos tradicionais da marca, e ela criou sem script algum”, relembra Costa.
A partir de agora, com o lançamento definitivo do Tanqueray & Tonic nas gôndolas dos supermercados, Gavassi assumirá a gerência de conteúdo da bebida, tanto nos meios off-line quanto on-line, trabalhando ao lado da equipe do gerente de marca Felipe de la Rosa.
É a primeira vez que a Diageo aplica no país um modelo de criação colaborativa similar ao já realizado no exterior. O whisky Haig Club, por exemplo, já tem como único embaixador e co criador o ex-jogador de futebol David Beckham, e, em agosto do ano passado, quando o grupo adquiriu por 610 milhões de dólares a marca Aviation American Gin, do ator Ryan Reynolds, o astro de “Deadpool” se manteve como sócio e rosto da marca.
Não é que Manu Gavassi vá ganhar porcentagem sobre os R$ 19,90 que a marca cobrará pela garrafa de 275ml do drinque pronto para consumo, e nem está no radar da empresa no país ter sócios famosos com esse modelo de contrato apoiado em vendas –“no futuro, talvez”, diz.
Mas segundo Costa, já há um entendimento de que “cada vez menos o público quer propaganda, e sim autenticidade, algo que, aliás, determina o próprio sucesso dos influenciadores”.
E o sucesso não tem a ver necessariamente com o número de seguidores. Considerada uma das principais influenciadoras do país, a fluminense Silvia Braz contabiliza 855 mil pessoas atentas à sua conta no Instagram, número bem longe dos milhões das mega-celebridades, mas tem parcerias que vão de marcas de café a grifes de moda. Hoje, aos 40 anos, é figura carimbada das semanas de moda internacionais.
Segundo Braz, as empresas começaram agora a perceber que “atingir um grande número de pessoas não significa conversão em vendas, porque isso depende do posicionamento do influenciador em relação à marca que está contratando”.
“Fujo de todas as formas dessa ideia de post pago ou do publi post. A curadoria de marcas envolve você conhecê-la a fundo, participar do dia dela e contar histórias consistentes com minha vida, coisas que façam parte do cotidiano”, explica.
ESCUDO ANTI-POLÊMICA
Segundo a gerente para o Brasil da consultoria Socialbakers, Alexandra Avellar, todo o mercado brasileiro vinculado ao marketing de influência passa por esse período de testes. Dados da empresa que tem origem na República Checa dão conta de que 90% dos influenciadores daqui têm até 100 mil seguidores e, assim, formam um grande campo de pesquisa para testar produtos localmente.
“Mas a grande sacada agora será tirar mais da vida do influenciador e aproveitar o conhecimento deles com o público”, revela a executiva.
Isso explicaria também o investimento das empresas com grandes celebridades, "porque elas atingem um público muito amplo e têm uma responsabilidade com a própria imagem que, às vezes, um micro ou nano influenciador ainda não desenvolveu".
Esse seria o lado ruim “de quando se tem muitos influenciadores atuando pelo produto”, porque, explica Avellar, ainda que sejam relevantes em seus microcosmos e influenciem a compra, “é difícil controlar as narrativas e cair em polêmicas que prejudicam a imagem da marca”.
Para não cair em ciladas, uma das maiores varejistas do país criou sua própria celebridade e colhe hoje os ganhos de tê-la como “sócia”. Lu, da Magazine Luiza, talvez seja a maior prova de que o novo marketing de influência funciona mesmo que o personagem não seja de carne e osso.
O gerente de marca e redes sociais da empresa – e espécie de “pai” da Lu– Pedro Alvim lidera as decisões criadas por um exército de “ghost writers”, desenvolvedores 3D e produtoras de vídeo.
Ele fez dela a primeira influenciadora virtual a estrelar a colaboração da grife Farm com a alemã Adidas, tornar-se a única “celebridade” não-atleta do Brasil ilustrada numa campanha da Red Bull e, ao longo deste ano, adianta, dará vida ao estilo de vida esportivo da influenciadora.
“Toda a narrativa leva em consideração o posicionamento e os objetivos de negócio. Nos últimos dois anos, ela vem sendo procurada por marcas fora do ecossistema da Magalu. Negamos a maioria, mas abrimos janelas de oportunidades para novos 'cross brandings'" conta Alvim.
Para ele, o mundo está à beira de uma mudança radical na forma de tratar a influência, porque pessoas deixarão de ser vistas como veículos anunciantes e a passar, com as novas ferramentas de compra em gestação pelas big techs das redes, “a atuar 360 graus pelo produto”. Ou seja, vender.