Cachaça se mira no exemplo da tequila para conquistar o mundo
Mundialmente são consumidos US$ 1 bi em bebidas destiladas de cana-de-açúcar, mas apenas US$ 15 mi desse total correspondem à brasileira
EFE
Publicado em 24 de janeiro de 2020 às 21h50.
Última atualização em 24 de janeiro de 2020 às 22h50.
Miami - Enquanto a tequila mexicana conquistou o mundo e agora tem 120 países como clientes, a brasileiríssima cachaça é uma "Cinderela" fora de seu imenso mercado natural e, para chegar ao mesmo escalão, precisa de suporte governamental.
"Parte do nosso trabalho é fazer com que o governo brasileiro vista a camisa da cachaça, assim como o governo mexicano vestiu a camisa da tequila, e do Reino Unido vestiu a camisa do uísque escocês", disse o diretor executivo do Instituto Brasileiro da Cachaça (IBRAC), Carlos Lima, em entrevista à Agência Efe.
O mundo consome anualmente cerca de US$ 1 bilhão em bebidas destiladas de cana-de-açúcar, como a cachaça, mas apenas US$ 15 milhões desse total correspondem à bebida brasileira, cuja história está ligada à chegada dos portugueses, no século XVI, ao território que é hoje o do Brasil.
Longe de se desestimular com tão pouco peso da cachaça no mercado internacional, Lima ressalta que o atual percentual "mostra o potencial de crescimento das nossas exportações". Ele reconhece que "a organização setorial do México com a criação do Conselho Regulador da Tequila é um modelo que a IBRAC há muito tempo vem buscando no Brasil".
Ramón González Figueroa, diretor do Conselho Regulador da Tequila, não quer dar a esse órgão privado todos os méritos da internacionalização da bebida obtida do agave - "é toda a cadeia produtiva dentro do conselho", disse -, mas exala orgulho quando relata o resultado de 2019.
"Acredito que tenha sido o melhor da história da tequila", destacou.
A produção passou de 312 milhões de litros em 2018 a 351,7 milhões em 2019, 12% a mais, e em dois anos, segundo antecipou, deve duplicar, já que estão sendo plantados milhões de agaves, planta que cresce em climas semiáridos no México.
As exportações subiram 10%, de 222,7 milhões de litros a 245,8 milhões no ano passado. "Em 2019, exportamos a razão de 467 litros por minuto", ressaltou.
Também foi estabelecido um consumo recorde de agave: 1.343.000 toneladas em 2019, 18% a mais do que em 2018.
O diretor do Conselho Regulador também aponta que 51 países já reconhecem todos os direitos de propriedade intelectual à tequila, depois que os 28 países da União Europeia, Hong Kong e o próprio Brasil o fizeram em 2019.
Lima, da IBRAC, está esperando para saber os dados de fechamento de 2019, mas aponta alguns números.
"Há cerca de mil produtores, e estimamos que a produção será da ordem de 700 milhões de litros por ano", estimou.
As exportações beiram os 8 milhões de litros, o que significa um faturamento de US$ 14 milhões a US$ 15 milhões para o Brasil, acrescentou.
Quando perguntado por que a cachaça não decolou internacionalmente, Lima apontou "a falta de recursos para exportação".
"Falta uma ação conjunta e alinhada para promover as exportações", enfatizou.
O início da produção, em 1516, faz desta bebida a primeira destilada da América Latina, antes de pisco, tequila ou rum, e tem estado presente no dia a dia dos brasileiros desde aqueles tempos remotos. A cachaça não é a bebida alcoólica mais consumida no país, posto dominado pela cerveja, mas é a número 1 entre as destiladas, com 72% do mercado.
Algo semelhante acontece com o México. A tequila é a bebida alcoólica de alto teor alcoólico mais consumida no país, representando 35% do total, mas não é a líder geral.
A elevada carga fiscal sobre ambas as bebidas não ajuda a melhorar os resultados internos.
"A cachaça é a bebida mais tributada do país. Na verdade, é o produto mais tributado no geral, e temos muito medo que, com a reforma tributária (...), a tributação dos destilados, incluindo a cachaça, aumente", disse Lima.
Sobre este ponto, o próprio ministro da Economia, Paulo Guedes, disse no Fórum Econômico Mundial de Davos, na Suíça, que o governo de Jair Bolsonaro está considerando aumentar o imposto sobre bebidas como a cachaça.
O receio do Conselho Regulador da Tequila são os impostos que alguns estados mexicanos querem introduzir, que se somariam aos 53% tributados sobre produção e serviços e aos 16% de imposto sobre o valor agregado já em vigor.
Mais de 70% do preço pago pelo consumidor mexicano é de impostos, segundo González Figueroa, que responde "até agora, não" quando perguntado se isso não vai impedir os mexicanos de beber tequila.
Tanto a cachaça quanto a tequila são as primeiras denominações de origem a serem criadas em seus respectivos países.
Para a cachaça, Lima sente falta de políticas de proteção da propriedade intelectual na arena internacional, como o México conseguiu para a tequila.
"A cachaça é protegida apenas em Estados Unidos, México, Colômbia e Chile, e recentemente conseguimos incluí-la no âmbito do acordo UE-Mercosul e esperamos que possa finalmente ser protegida na União Europeia como indicação geográfica", frisou.
Lima destacou ainda que exportar cachaça, "um produto exclusivo do Brasil", significa levar a imagem do país ao redor do mundo e que pode impulsionar a entrada de outros produtos brasileiros no mercado internacional.