As redes sociais feitas para trair
Serviços estrangeiros que oferecem recursos propícios a quem busca uma relação extraconjugal aportam no Brasil. E atraem até solteiros
Da Redação
Publicado em 22 de agosto de 2011 às 10h53.
Nos últimos três meses, aportaram no Brasil três redes sociais com uma proposta inusitada: facilitar a traição conjugal. Juntas, a canadense Ashley Madison, a americana Ohhtel e a holandesa Second Love contam com cerca de 12 milhões de usuários ao redor do mundo. No Brasil, já reuniram mais de 500.000 pessoas – 70% são homens –, interessadas em aventuras facilitadas pelos mecanismos próprios desses sites. Por exemplo: os serviços garantem que os movimentos de seus usuários jamais deixam rastros. "A internet potencializa fantasias de relações fugazes. A esse ambiente, esses novos serviços adicionam uma blindagem, que esconde interessados e os encoraja a buscar aventuras", afirma a psicóloga Margareth Volpi, fundadora do instituto Volpi & Pasini, explicando a rápida disseminação dos serviços no país.
O paulistano Paulo*, de 33 anos, casado há cinco, está cadastrado no Ohhtel há dois meses. Nesse período, fez contato virtual com 25 mulheres – segundo dados do Ashley Madison, em média, um homem se comunica com 20 mulheres por mês, enquanto elas interagem com 11 homens no mesmo período. A partir de uma das investidas virtuais, encontrou uma mulher que lhe chamou a atenção. "Logo descobrimos gostos parecidos", diz. Até agora, a afinidade propiciou três encontros às escondidas. "Busco uma história passageira. Não pretendo me separar, pois tenho um carinho enorme por minha mulher e nosso filho." Faz ecoar uma máxima do jornalista e dramaturgo Nelson Rodrigues, sempre provocador: "Entre o desquite e a traição, é preferível a traição, mil vezes a traição."
Sigilo é o pilar dos serviços de relacionamento extraconjugais. Nome, fotos e dados de contato são, por padrão, considerados ultrassecretos e só se tornam visíveis a outro cadastrado com consentimento do proprietário do perfil. É o inverso do mecanismo vigente no Facebook, por exemplo, onde (quase) todos os dados da conta são públicos, até que o usuário decida o contrário. O Ashley Madison oferece ainda um último recurso, a ser usado em situações emergenciais, ou seja, quando o usuário comprometido está prestes a ser apanhado pela mulher (ou pelo marido, no caso delas): o botão do pânico. O recurso apaga, de forma definitiva, os registros relativos a uma conta que possam comprovar a passagem de uma pessoa pela rede. Mais: faz uma varredura nas caixas de mensagens de pessoas que foram alvo do assédio eletrônico do usuário acossado, apagando textos, fotos e vídeos enviados por esse cadastrado. Em tese, é o fim da marca de batom no colarinho.
A privacidade é também o que diferencia esses serviços das tradicionais redes de dating, criadas para propiciar encontros amorosos entre pessoas (supostamente) solteiras. Nos sites de dating, é normal que homens e mulheres exponham logo seus principais atributos. Um close de rosto, por exemplo, é obrigatório – imagens do corpo, é claro, também podem ser decisivas para o sucesso da paquera –, além de outras informações de identificação pessoal. Supõe-se que ninguém ali tem algo a esconder.
A aproximação em sites como Ashley Madison, Ohhtel e Second Love, por outro lado, segue o caminho tortuoso das relações proibidas. Usuários têm acesso a informações gerais sobre os demais participantes – idade, sexo, cidade de resiência e dimensões físicas. Nomes e imagens dificimente estão disponíveis – a menos, é claro, que alguém queira tornar público o caso, mas lhe falte coragem... Só quando demonstra interesse por um perfil específico é que o usuário demanda informações, passando a recebê-las de acordo com a vontade da contraparte. Galerias de fotos privativas estão entre atrações favoritas. "Nesses serviços, você se expõe com menos medo, já que, ao menos nos primeiros contatos, vive num mundo à parte, uma fantasia virtual. O usuário pode se definir como quiser: duvido que ele teria coragem de reproduzir na vida real algumas das ações feitas ali", afirma Isabel Cristina Gomes, professora do Instituto de Psicologia da Universide de São Paulo (USP).
A ideia de criar ambientes virtuais dessa natureza é mais antiga do que a mais popular rede social do planeta, o Facebook. Ela surgiu há exatos dez anos, na cabeça do canadense Noel Biderman, até então empresário esportivo, que percebeu que casos extraconjugais na era da internet obedeciam a um padrão: sempre vinham à tona devido a escorregões digitais – mensagens de texto esquecidas em celulares ou em sites de relacionamento. Nascia o Ashley Madison, que deve faturar 60 milhões de dólares neste ano. Nos Estados Unidos, Biderman é uma celebridade mal vista. Já tentou até veicular uma propaganda de seu negócio durante a transmissão do Super Bowl, a final do campeonato de futebol americano, evento mais visto na história da TV. Ouviu um "não" como resposta dos organizadores, que alegaram que o produto promove a promiscuidade. Recentemente, ajudou a ventilar o boato de que pretendia contratar como garoto-propaganda o ator e ex-governador da Califórnia Arnold Schwarzenegger, que há cerca de quatro meses revelou que tivera um filho com a empregada e agora enfrenta um bilionário processo de divórcio. "Ele já faz um grande trabalho para aumentar a popularidade do tema adultério", desconversou Biderman, em entrevista ao site de VEJA, durante passagem pelo Brasil.
A migração dos serviços para o mercado brasileiro é fruto de uma pesquisa sobre sexualidade na América Latina que excitou os executivos estrangeiros. De acordo com o levantamento realizado pelo Instituto Tendências Digitales, o Brasil registra os maiores índices de infidelidade do subcontinente. Cerca de 60% das mulheres revelaram ter sido infiéis a namorados ou maridos. Entre os homens, o valor é ainda maior: 70%.
A paulistana Roberta*, de 30 anos, casada há quatro, tenta alimentar a estatística. Cadastrou-se há três semanas em dois serviços: Ashley Madison e Ohhtel. Até o momento, foi abordada por vinte homens casados. Ela diz que decidiu ingressar no serviço após descobrir que era traída pelo marido. "De repente, me descobri ao lado de um companheiro infiel e com uma criança no colo. É claro que recebi o tradicional pedido de perdão, mas, desde então, decidi buscar aventuras. Espero ter em breve meu primeiro encontro", afirma.
Casados como Roberta e Paulo estão nas redes de traição conjugal. Mas, como quase tudo na internet, são as ondas de usuários que dão forma aos serviços, e não exatamente a intenção de seus criadores. Exemplo disso é que já é fácil encontrar solteiros flanando pelas páginas dos novos sites. Retratos em close, dados pessoais à vista, depoimentos... bingo! Eis um solteiro em busca também de uma aventura. "Acredito que esse grupo percebeu que há uma facilidade ali para se relacionar com outras pessoas. Na verdade, esses sites são compatíveis com o jogo descompromissado de alguns solteiros", afirma Isabel Cristina, da USP.
(*) Todos os nomes são fictícios.
Nos últimos três meses, aportaram no Brasil três redes sociais com uma proposta inusitada: facilitar a traição conjugal. Juntas, a canadense Ashley Madison, a americana Ohhtel e a holandesa Second Love contam com cerca de 12 milhões de usuários ao redor do mundo. No Brasil, já reuniram mais de 500.000 pessoas – 70% são homens –, interessadas em aventuras facilitadas pelos mecanismos próprios desses sites. Por exemplo: os serviços garantem que os movimentos de seus usuários jamais deixam rastros. "A internet potencializa fantasias de relações fugazes. A esse ambiente, esses novos serviços adicionam uma blindagem, que esconde interessados e os encoraja a buscar aventuras", afirma a psicóloga Margareth Volpi, fundadora do instituto Volpi & Pasini, explicando a rápida disseminação dos serviços no país.
O paulistano Paulo*, de 33 anos, casado há cinco, está cadastrado no Ohhtel há dois meses. Nesse período, fez contato virtual com 25 mulheres – segundo dados do Ashley Madison, em média, um homem se comunica com 20 mulheres por mês, enquanto elas interagem com 11 homens no mesmo período. A partir de uma das investidas virtuais, encontrou uma mulher que lhe chamou a atenção. "Logo descobrimos gostos parecidos", diz. Até agora, a afinidade propiciou três encontros às escondidas. "Busco uma história passageira. Não pretendo me separar, pois tenho um carinho enorme por minha mulher e nosso filho." Faz ecoar uma máxima do jornalista e dramaturgo Nelson Rodrigues, sempre provocador: "Entre o desquite e a traição, é preferível a traição, mil vezes a traição."
Sigilo é o pilar dos serviços de relacionamento extraconjugais. Nome, fotos e dados de contato são, por padrão, considerados ultrassecretos e só se tornam visíveis a outro cadastrado com consentimento do proprietário do perfil. É o inverso do mecanismo vigente no Facebook, por exemplo, onde (quase) todos os dados da conta são públicos, até que o usuário decida o contrário. O Ashley Madison oferece ainda um último recurso, a ser usado em situações emergenciais, ou seja, quando o usuário comprometido está prestes a ser apanhado pela mulher (ou pelo marido, no caso delas): o botão do pânico. O recurso apaga, de forma definitiva, os registros relativos a uma conta que possam comprovar a passagem de uma pessoa pela rede. Mais: faz uma varredura nas caixas de mensagens de pessoas que foram alvo do assédio eletrônico do usuário acossado, apagando textos, fotos e vídeos enviados por esse cadastrado. Em tese, é o fim da marca de batom no colarinho.
A privacidade é também o que diferencia esses serviços das tradicionais redes de dating, criadas para propiciar encontros amorosos entre pessoas (supostamente) solteiras. Nos sites de dating, é normal que homens e mulheres exponham logo seus principais atributos. Um close de rosto, por exemplo, é obrigatório – imagens do corpo, é claro, também podem ser decisivas para o sucesso da paquera –, além de outras informações de identificação pessoal. Supõe-se que ninguém ali tem algo a esconder.
A aproximação em sites como Ashley Madison, Ohhtel e Second Love, por outro lado, segue o caminho tortuoso das relações proibidas. Usuários têm acesso a informações gerais sobre os demais participantes – idade, sexo, cidade de resiência e dimensões físicas. Nomes e imagens dificimente estão disponíveis – a menos, é claro, que alguém queira tornar público o caso, mas lhe falte coragem... Só quando demonstra interesse por um perfil específico é que o usuário demanda informações, passando a recebê-las de acordo com a vontade da contraparte. Galerias de fotos privativas estão entre atrações favoritas. "Nesses serviços, você se expõe com menos medo, já que, ao menos nos primeiros contatos, vive num mundo à parte, uma fantasia virtual. O usuário pode se definir como quiser: duvido que ele teria coragem de reproduzir na vida real algumas das ações feitas ali", afirma Isabel Cristina Gomes, professora do Instituto de Psicologia da Universide de São Paulo (USP).
A ideia de criar ambientes virtuais dessa natureza é mais antiga do que a mais popular rede social do planeta, o Facebook. Ela surgiu há exatos dez anos, na cabeça do canadense Noel Biderman, até então empresário esportivo, que percebeu que casos extraconjugais na era da internet obedeciam a um padrão: sempre vinham à tona devido a escorregões digitais – mensagens de texto esquecidas em celulares ou em sites de relacionamento. Nascia o Ashley Madison, que deve faturar 60 milhões de dólares neste ano. Nos Estados Unidos, Biderman é uma celebridade mal vista. Já tentou até veicular uma propaganda de seu negócio durante a transmissão do Super Bowl, a final do campeonato de futebol americano, evento mais visto na história da TV. Ouviu um "não" como resposta dos organizadores, que alegaram que o produto promove a promiscuidade. Recentemente, ajudou a ventilar o boato de que pretendia contratar como garoto-propaganda o ator e ex-governador da Califórnia Arnold Schwarzenegger, que há cerca de quatro meses revelou que tivera um filho com a empregada e agora enfrenta um bilionário processo de divórcio. "Ele já faz um grande trabalho para aumentar a popularidade do tema adultério", desconversou Biderman, em entrevista ao site de VEJA, durante passagem pelo Brasil.
A migração dos serviços para o mercado brasileiro é fruto de uma pesquisa sobre sexualidade na América Latina que excitou os executivos estrangeiros. De acordo com o levantamento realizado pelo Instituto Tendências Digitales, o Brasil registra os maiores índices de infidelidade do subcontinente. Cerca de 60% das mulheres revelaram ter sido infiéis a namorados ou maridos. Entre os homens, o valor é ainda maior: 70%.
A paulistana Roberta*, de 30 anos, casada há quatro, tenta alimentar a estatística. Cadastrou-se há três semanas em dois serviços: Ashley Madison e Ohhtel. Até o momento, foi abordada por vinte homens casados. Ela diz que decidiu ingressar no serviço após descobrir que era traída pelo marido. "De repente, me descobri ao lado de um companheiro infiel e com uma criança no colo. É claro que recebi o tradicional pedido de perdão, mas, desde então, decidi buscar aventuras. Espero ter em breve meu primeiro encontro", afirma.
Casados como Roberta e Paulo estão nas redes de traição conjugal. Mas, como quase tudo na internet, são as ondas de usuários que dão forma aos serviços, e não exatamente a intenção de seus criadores. Exemplo disso é que já é fácil encontrar solteiros flanando pelas páginas dos novos sites. Retratos em close, dados pessoais à vista, depoimentos... bingo! Eis um solteiro em busca também de uma aventura. "Acredito que esse grupo percebeu que há uma facilidade ali para se relacionar com outras pessoas. Na verdade, esses sites são compatíveis com o jogo descompromissado de alguns solteiros", afirma Isabel Cristina, da USP.
(*) Todos os nomes são fictícios.