Coleção da Louis Vuitton em parceria com League of Legends: peças a partir de 935 reais (Louis Vuitton/Divulgação)
Ivan Padilla
Publicado em 20 de fevereiro de 2021 às 06h30.
Grifes de alta moda como Louis Vuitton, Prada e Gucci, em que simples camisetas de malha não custam menos de quatro dígitos, estão extrapolando as anteriormente elitistas passarelas e marcando presença em plataformas cuja maior audiência é formada por jovens recém-saídos da adolescência, que sequer têm cartão de crédito.
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A presença das marcas em contas do Instagram, videogames e vídeos do TikTok está ficando mais comum do que os carões dos convidados nas disputadas filas dos desfiles das semanas de moda – a atual temporada de moda feminina, aliás, teve início na semana passada em Nova York, está atualmente em Londres e se encerra no dia 9 de março em Paris.
A maior parte dos desfiles das temporadas do ano passado e deste agora têm acontecido sem presença do público, apenas com transmissão online. Enquanto as apresentações ao vivo estão esvaziadas, as roupas das grandes grifes surgem com força nos pixels e algoritmos das plataformas digitais – em grande parte para um novo público, vale reforçar.
Qual é a estratégia dessas marcas? Tentaremos explicar a seguir.
Desafios no TikTok
O debate entre marcas e público sempre aconteceu por meio dos desfiles nas semanas de moda, com a cobertura dos veículos especializados. As coisas mudaram com a chegada das redes sociais. Os aplicativos nos celulares ampliaram o canal de comunicação com o público mais jovem.
“É importante termos uma presença forte nas redes sociais porque cada vez mais os jovens são ouvidos dentro de casa na hora da decisão da compra. Os pais querem ouvir dos filhos o que é bacana hoje”, afirma a executiva brasileira de uma grife italiana, que não tem autorização da matriz para dar entrevistas.
O Instagram foi o principal canal para as marcas saírem das passarelas instaladas na nave do Grand Palais de Paris ou das páginas da Vogue. Todas as grandes grifes criaram suas contas por lá. Uma exceção foi a Bottega Veneta, que deletou no começo do ano suas contas no Instagram, Facebook e Twitter.
A marca não se pronunciou e não se sabe se a estratégia é tentar resgatar a aura de exclusividade que sempre guiou esse mercado. Mas o fato é que sua presença nas redes sociais continuou por meio de seus influenciadores, como Kylie Jenner. Somente um post da celebridade com um vestido da marca no Natal rendeu mais de 9 milhões de curtidas.
Fora do Instagram, uma outra rede social, mais jovem e mais dinâmica, tem atraído os olhares dos fashionistas: o TikTok. A plataforma criou o #TikTokFashionMonth, uma espécie de semana da moda própria, com transmissões de desfiles e apresentações ao vivo, que já teve mais de 3,4 bilhões de visualizações – bem mais que os cerca de 30 convidados que costumavam disputar as melhores filas de uma fashion week tradicional, convenhamos.
As grifes estão todas por lá. No desafio #GucciModelChallenge, com quase 200 milhões de visualizações, os seguidores postam looks com as roupas da marca, ou simplesmente inspirados pela grife, com a estética de brechó do estilista Alesandro Michelle.
O modelo de challenge costuma ter bastante aderência. No #Burberrychallenge, com 5 milhões de visualizações, fãs da marca aparecem fãs da marca fazendo dancinhas vestidos com o icônico trench coat. No #Pradachallenge, com quase 20 milhões de visualizações, jovens ensinam como se vestir como uma modelo da grife italiana. A Dolce&Gabbana teve até a participação da brasileira Maísa em seus desafios.
Há também presenças mais sóbrias no TikTok. A Balmain passou ao vivo o desfile Balmain Sur Seine, filmado no Rio Sena, na França, para a primeira edição totalmente digital da semana de moda de Paris Fashion. A tradicional Dior também apresentou uma live na rede com a nova coleção feminina primavera-verão 2021.
Pokémon fashion
A pandemia acelerou a fuga da moda em direção às plataformas digitais. Os desfiles têm acontecido, mas sem público, transmitido online. Muito mais gente assiste, e o filtro dos críticos de moda perde importância. E já que é para ir para o universo virtual, que seja o planeta com mais jovens, mais ávidos por conteúdos leves e coreografados.
E em termos de juventude, é difícil competir com o videogame. Jogos virtuais estão cada vez mais em alta, devido à pandemia também, mas muito pelas possibilidades cada vez maiores de interação. A indústria da música foi a primeira a perceber esse movimento. Mas o mundinho fashion não ficou para trás. A presença pode ser sentida tanto em jogos tradicionais como em games especialmente desenvolvidos pelas grifes.
No League of Legends, considerado o game mais jogado do mundo, o monograma da Louis Vuitton, epítome do alto luxo, está nas chamadas skins, ou roupas dos personagens. Nicolas Ghesquière, diretor criativo das linhas femininas da maison, desenvolveu uma versão especial do skin Prestígio para as personagens Qiyana e Sienna.
A parceria vale para o mundo real. A marca firmou uma parceria com a Riot Games para criar uma linha especial de roupas do game. A coleção-cápsuladesenhada por Ghesquière inclui artigos de couro, peças de ready-to-wear, sapatos e acessórios. São 30 peças, que vão de 935 a 24.600 reais.
A Gucci, marca badalada do momento, também veste os jogadores virtuais de Tennis Clash. As letras G estilizadas estão nas raquetes, nos agasalhos, nos shorts e ate nas testeiras, acessório em alta nos anos 1970 mas em desuso hoje – um recurso condizente com o posicionamento da grife, que aposta numa estética retrô.
A mesma Gucci, cabe dizer, fez uma parceria que está sendo muito comentada com a marca de outwear The North Face, aquela dos agasalhos de nylon que se convencionou chamar de puff. Pois essa associação do mundo real aparece também no Pokémon Go, jogo permitido para usuários a partir de 9 anos.
No mesmo Pokémon Go os personagens podem ser vistos com mochilas da Longchamp. O jogo de realidade aumentada também exibe presença de peças, bolsas e perfumes de grifes do porte de Chanel, Prada, Dolce&Gabbana, Balmain, Alexander Wang.
A contradição da moda
A indústria da moda se alimenta de um paradoxo. Seu combustível é a juventude. Movimentos culturais são forjados pela inquietação das novas gerações. Da androginia ao punk, dos yuppies aos hipsters, as manifestações acabam espelhadas nas passarelas e terminam nas araras das lojas – porém, na forma de peças de tecidos caros, cortes sofisticados e assinaturas de peso.
Os consumidores dessa alta moda não são os jovens que lideram as transformações sociais e que também emprestam seu corpo nos desfiles das semanas de moda. São profissionais estabelecidos, com bom poder aquisitivo. Afinal, quem pode pagar por um vestido da Chanel ou um sapato Prada? Certamente não é o clubber, nem o ativista.
Mas esse frescor é o apelo para o consumidor mais velho, com acesso a produtos caros. É do comportamento humano querer se sentir mais jovem, aparentar menos idade, sentir-se mais distante da finitude da vida. A juventude está sintonizada com as vozes da rua. É essa a ponte do público da moda com as discussões do momento.
Recentemente, o que temos visto nesse mercado, antes bastante exclusivista, é uma bem-vinda aceitação de corpos e peles. Desfiles contemplam cada vez mais modelos pretos e LGBTQI+. O motivo é bastante pragmático: trata-se de uma resposta do mercado ao coro da sociedade.
Da mesma forma não há mais hoje marca refratária aos modelos sustentáveis. Grifes como a Burberry chegavam no passado a queimar peças encalhadas para não ver seu valor derreter. No ano passado, a marca britânica lançou o selo ReBurberry, com peças feitas de tecidos reciclados. Paletós e vestidos confeccionados com lã orgânica vestem melhor? Podem até cair bem no corpo, mas a razão da escolha é outra.
Diversidade e sustentabilidade estão em alta. São mensagens e valores difundidos em todos os meios, principalmente digitais. Marcas no geral estão praticando e se apropriando desse discurso e marcando presença nas redes sociais. Com a moda não é diferente.
A verdade é que, se o consumidor quer ter acesso a sua marca preferida, a loja física deixou faz tempo de ser a única opção.