Médicos dizem que riscos devem ser considerados, mas pais mais velhos têm direito de ter filhos (Stock.xchng)
Da Redação
Publicado em 26 de agosto de 2012 às 09h48.
São Paulo - A revista Nature publicou esta semana uma pesquisa mostrando que quanto maior for a idade em que um homem se tornar pai, maiores são as chances de ele transmitir mutações genéticas para seus filhos. Na maioria das vezes, essas mutações passam despercebidas, mas em alguns casos podem ser responsáveis por desencadear casos de autismo e esquizofrenia.
O estudo mostra que a cada 16,5 anos de vida, o número de mutações passadas de pai para filho dobram. Um homem de 36 anos vai passar duas vezes mais mutações ao filho do que um homem de 20. Já um pai de 70 anos pode passar até oito vezes mais. Segundo os pesquisadores, a cada ano de vida o pai vai transmitir, na média, duas novas mutações para seu descendente. Uma das hipóteses levantadas pelo estudo é que isso explique o número cada vez maior de casos de autismo diagnosticados nos Estados Unidos. E essa não é a primeira pesquisa a sugerir essa relação.
Mesmo assim, cada vez mais a decisão de ter filhos está sendo postergada. Seja por não ter encontrado a companheira ideal ou por ainda não ter a condição financeira desejada, os homens deixam a paternidade para mais tarde. Mas será que essa decisão vale a pena? A nova pesquisa não traz indícios de que os pais devem repensar essa escolha? Segundo os médicos, o perigo de passar alguma doença para o filho deve ser levado em conta, mas não pode ser o principal fator na hora de escolher quando se tornar pai.
Mutações aleatórias — Os médicos sabem já há algum tempo que a idade paterna afeta a saúde da criança. "Os casais precisam ter a noção de que a melhor idade para ter um filho é dos 20 aos 30 anos", diz o pediatra e geneticista Roberto Muller. Além da ligação com esquizofrenia e autismo, pesquisas anteriores já haviam mostrado a relação da idade do pai com condições como neurofibromatose e acondroplasia. "Cerca de 60% dos casos dessas doenças acontecem por conta de mutações novas passadas para o filho, relacionadas com a paternidade acima dos 50 anos”, afirma.
Isso acontece por que o esperma é produzido continuamente pelo homem ao longo de sua vida. "Toda vez que ele ejacula, ele libera espermatozoides recém-produzidos. Com o envelhecimento, os mecanismos de produção vão piorando", diz Muller. As mães, ao contrário, já nascem com toda a quantidade de óvulos que vão usar até o fim da vida.
Os cientistas destacam que, no entanto, a maior parte das mutações passadas de pai para filho não são ruins – elas são completamente aleatórias. "Elas podem até ser benéficas, dependendo do ambiente onde a criança está inserida. Existe uma mutação que previne a manifestação do HIV. Em países onde a doença é muito comum, essa mutação é uma tremenda vantagem evolutiva", diz Mayana Zatz, geneticista da USP.
Hora da decisão
Justamente por ninguém saber qual gene exato pode ser alterado, os médicos são unânimes em dizer que não faz sentido culpar os pais pelas doenças dos filhos. Principalmente nos casos de autismo e esquizofrenia, que são multifatoriais. "Existem vários genes ligados a essas condições. Além de fatores ambientais. Não dá para culparmos uma única mutação passada de pai para filho", diz Roberto Muller.
Como as chances de transmitir mutações que sejam a causa definitiva de doenças são pequenas, esse não deve ser um fator decisivo na hora de decidir pela paternidade. "É um fator importante, mas não pode ser determinante para a escolha. Mais importante que isso é a dinâmica familiar", diz Marcelo Reibscheid, pediatra do Hospital São Luiz. Fatores que podem pesar mais nessa decisão são a relação consolidada entre pai e mãe e a situação financeira do casal. "Forçar os pais a terem filhos numa idade mais nova é bobagem."
Segundo os médicos, o fato de os homens se tornarem pais em idades mais avançadas é uma tendência irreversível em nossa sociedade. "Ter os filhos depois dos 30 anos se tornou normal. Vemos homens mais velhos, em seu segundo casamento, tendo filhos com mulheres muito mais jovens. Vamos falar para eles não fazerem isso?”, questiona Mayana Zatz.
E as mães?
Segundo a pesquisa publicada na revista Nature, os pais transmitem aos filhos quatro vezes mais mutações que as mães. No entanto, elas também podem transmitir doenças aos filhos conforme vão ficando mais velhas. Isso não acontece por conta de mutações no DNA, mas por alterações na quantidade de cromossomos que são repassados ao filho. “Quanto mais velha for uma mãe, maiores as chances de seu filho receber um cromossomo a mais. Na maioria dos casos, o embrião acaba não sendo viável. Em alguns outros, a criança pode desenvolver a Síndrome de Down”, afirma a geneticista Mayana Zatz.
Terapias — Em vez de impedir os pais mais velhos de terem filhos, os cientistas devem trabalhar para que esses homens tenham segurança na hora de tomar sua decisão. Eles podem, por exemplo, procurar por um médico geneticista antes de se reproduzir. "Esse profissional vai fazer o que chamamos de diagnóstico pré-concepcional. Ele vai perguntar se existe alguma doença específica na família e mapear os riscos de o filho herdar essa condição", diz Roberto Muller.
Se o risco de transmitir alguma doença ao filho for diagnosticado, os médicos podem sugerir alternativas como a fertilização in vitro, onde o encontro do espermatozoide com o óvulo acontece em laboratório. Nesses casos, é possível fazer o diagnóstico de algumas doenças antes mesmo de implantar os embriões no útero da mãe. Embora ainda não existam condições tecnológicas de perceber casos de autismo e esquizofrenia, isso pode mudar no futuro, com o melhor conhecimento das causas genéticas dessas doenças.
Nos casos mais graves, os médicos podem até sugerir a doação de gametas. "Mas a decisão final sempre cabe ao pai", diz Muller. Nenhum profissional pode impedir que alguém, seja qual for sua idade, tenha um filho. "Todo homem tem o direito inalienável de constituir uma família e se tornar pai quando quiser."
Saiba mais
AUTISMO: Distúrbio que afeta a capacidade de comunicação e de estabelecer relações sociais. O autista comporta-se de maneira compulsiva e ritual. O distúrbio, que pode afetar o desenvolvimento normal da inteligência, atinge cinco em cada 10.000 crianças e é de duas a quatro vezes mais frequente no sexo masculino.
ESQUIZOFRENIA: O distúrbio mental é caracterizado quando há perda de contato com a realidade, alucinações (audição de vozes), delírios, pensamentos desordenados, índice reduzido de emoções e alterações nos desempenhos sociais e de trabalho. A esquizofrenia afeta cerca de 1% da população mundial. O tratamento é feito com uso de remédios antipsicóticos, reabilitação e psicoterapia.
NEUROFIBROMATOSE: Também conhecida como Doença de Von Recklinghausen. O paciente que sofre com essa condição apresenta vários tumores benignos em seu sistema nervoso, que podem chegar a danificar o funcionamento dos nervos. A neurofibromatose do tipo 1 está relacionada com a idade paterna.
ACONDROPLASIA: Uma das formas mais comuns de nanismo. A doença é causada por uma mutação no DNA que atrapalha a formação da cartilagem na criança.