Pessoas: nos últimos anos, a síndrome de Burnout - transtorno de exaustão causado exclusivamente pelo trabalho - ganhou força nas empresas preocupadas com a saúde mental (Roberto Parizotti/Fotos Públicas)
Victor Sena
Publicado em 18 de janeiro de 2021 às 18h32.
Última atualização em 19 de janeiro de 2021 às 12h11.
Marca, cicatriz e até desonra. Todas essas palavras são sinônimos do termo estigma, que originalmente era um tipo de marca feita em peles de escravos e criminosos como forma de identificá-los e rebaixá-los.
No mundo de 2021, a palavra representa algo que não fica necessariamente na pele. Na lista do que é estigmatizado, estão os transtornos psiquiátricos.
Neste domingo, o tema da redação do Exame Nacional do Ensino Médio foi o estigma associado às doenças mentais na sociedade brasileira.
O termo doença mental, porém, não é o melhor para definir ansiedade, depressão e até esquizofrenia e sociopatia. Elas são transtornos psiquiátricos.
Apesar de criticar a escolha da palavra, o psicólogo e pesquisador da área Leonidas Valverde comemora o tema escolhido pelo Ministério da Educação e defende que esse estigma deve ser trabalhado.
Na composição do imaginário sobre transtornos psiquiátricos está a própria história da psiquiatria e a mídia.
Até a década de 70, o modelo era o do isolamento, colocando as pessoas em manicômios. Não existia tratamento.
Depois disso, com a reforma psiquiátrica, médicos e familiares exigiram melhores condições de tratamento para as pessoas. Desde 2001, houve então uma mudança do isolamento para a integração social, com a criação dos Centros de Atenção Psicossocial (Caps).
“Esse modelo trouxe o tratamento de forma aberta. Sem o isolamento, o tratamento acontece com garantia de direitos. Isso ajuda a reduzir o estigma.O ideal era que os hospitais psiquiátricos fossem fechados, e os leitos fossem migrados para hospitais normais”.
Uma das principais consequências do estigma apontadas pelo psicólogo Leonidas Valverde está no isolamento, exclusão e na internalização desses estigma pela própria pessoa.
“As pessoas com transtornos podem reforçar o estigma. Esse é um grande problema. A pessoa passa a acreditar nele, se sentir fraco, uma pessoa pior. E ele vai se isolando. Isso contribui para agravar o quadro e vão procurar ajuda no estágio mais agravado”
O médico e especialista em gestão de pessoas Roberto Aylmer ressalta que até o século XIX estes transtornos eram vistos como algo de ordem espiritual. Ta aí a explicação do por que se houve tanto que depressão é “falta de Deus”.
“A pessoa que tinha um quadro mental era tratada como alguém que não dava conta de si mesma e ficava em calabouços e até prisões. Como se tratava de uma área que não era conhecida, ia para o campo espiritual e místico”, explica. “Nas empresas, ainda é visto que essas pessoas podem causar algum risco.”
De acordo com a OMS, a depressão é uma das principais causas de incapacitação no mundo, e o suicídio é segunda maior causa de morte entre jovens entre 15 e 29 anos. E isso tem efeitos nas empresas, reduzindo produtividade e satisfação profissional.
“Existe uma dificuldade do funcionário de procurar ajuda porque o estigma o coloca como incapaz. Ela pode sinalizar, na visão da pessoa, que pode impactar em promoções, risco de desemprego. O que não deveria ser verdade, porque o problema psiquiátrico não é um problema intelectual”.
Entre aspectos das empresas que podem reforçar os transtornos psiquiátricos, Aylmer destaca o nível de cobrança e a pressão, que podem criar ou piorar problemas emocionais já existentes.
Nos últimos anos, a síndrome de Burnout - transtorno de exaustão causado exclusivamente pelo trabalho - ganhou força nas empresas preocupadas com a saúde mental.
Uma pesquisa compilada pela Mental Health Network aponta que ao faltar ao trabalho devido a questões emocionais, 95% dos funcionários dão outras justificativas. Em outras palavras, mentem.
Apesar do estigma psiquiátrico ser ainda forte, é possível ver uma conscientização sobre a psicoterapia.
Esse estigma mais forte da psiquiatria acontece, na visão de Leonidas Valverde, devido à imagem dos antigos manicômios, onde os médicos psiquiatras dopavam pacientes, cometiam abusos e punições.
A “educação” emocional e quebra do tabu, inclusive dentro das empresas, é o que defende Ana Carolina Peuker, psicóloga e CEO da consultoria de segurança psicológica para empresas Bee.Touch.
“É preciso pensar a saúde mental de uma perspectiva preventiva, não apenas como doença. Há um anafabetismo em relação ao adoecimento psicológico. Eu costumo dizer que a gente aprende sobre muitas doenças nas escolas, mas sobre transtornos mentais não aprendemos nada. É necessário ter alfabetização a respeito das questões emocionais, porque elas são decisivas na vida, e isso reduz o estigma.”
Para Roberto Aylmer, o Brasil é tão carente de visão de saúde no SUS, que a saúde mental fica no final da fila como prioridade. Acaba não sendo urgente porque doenças físicas mais graves muitas vezes não conseguem ser tratadas.
Para mudar esse cenário, ele também vê as empresas como responsáveis por reduzir o estigma, estimulando os funcionários a falarem sobre o assunto.
A perspectiva acadêmica, porém, fala de duas estratégias principais: a de contato e a de educação.
Na educação, são utilizados treinamentos, campanhas, a mídia e palestras. A mudança em currículos escolares entra aí também.
Já a de contato propõe a aproximação e a vivência com pessoas que têm transtornos psiquiátricos. Na visão de Leonidas Valverde, esse é o melhor caminho.
“Você possibilita a vivência. Entre os estigmatizados e os não estigmatizados. Isso sensibiliza. Sabe quando você não conhece uma pessoa, tem uma ideia dela e quando convive com ela passa a vê-la de outra forma? Esse é o modelo de contato, onde o outro passa ser familiar, sem ser estranho e perigoso.”