A remuneração ainda é segredo
Para seguir as novas determinações da CVM, empresas brasileiras de capital aberto começam a divulgar a remuneração de seus executivos. A má notícia é que as informações publicadas até agora são poucas e incompletas
Da Redação
Publicado em 10 de outubro de 2010 às 04h10.
Já fazem parte do folclore corporativo brasileiro as generosas boladas que o empresário Eike Batista, que acaba de ser apontado como o oitavo homem mais rico do mundo pela revista americana Forbes, com uma fortuna de 27 bilhões de dólares, oferece a seus executivos. As somas - invariavelmente atreladas a pacotes de opções de ações - passam da casa das dezenas de milhões. De acordo com estimativas de mercado, o carioca Rodolfo Landim, por exemplo, levou algo como 40 milhões de reais por ter fechado com sucesso a venda da mineradora MMX, em 2007, para a Anglo American. A empresa nunca confirmou os números oficialmente. Para a satisfação de investidores e curiosos, segredos como esse devem se tornar coisa do passado. O marco dessa virada no grupo de Eike é a abertura de capital do estaleiro OSX, prevista para o dia 19 de março. Para atender às novas exigências, a empresa publicou um relatório em que prevê para 2010 a distribuição de 330 milhões de reais em opções de ações para os cinco diretores da empresa, inclusive o próprio Landim.
A OSX faz parte do restrito grupo de 21 empresas que seguiram o padrão estabelecido para divulgação de resultados que entrou em vigor neste ano, segundo o qual as companhias com ações em bolsa devem publicar detalhes sobre quanto pagam a seus conselheiros e diretores (veja quadro). Em dezembro de 2009, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) baixou um conjunto de normas para dar mais transparência à política de remuneração de empresas brasileiras abertas. (A Usiminas foi a única empresa a se antecipar às exigências e publicar nominalmente a remuneração de todos os seus cinco diretores no ano passado.) Em todos os casos, porém, os relatórios estão confusos ou incompletos. A PDG Realty, uma das maiores incorporadoras do país, não informa, por exemplo, o valor mínimo, médio e máximo das opções de ações distribuídas entre seus sete diretores (procurada por EXAME, a empresa preferiu não se manifestar). Pela regra, as empresas abertas têm até o dia 31 de maio para entregar seus relatórios ou melhorá-los. "Pela análise geral, percebe- se que ainda há boa dose de timidez, aquém do que a governança brasileira precisa", afirma Edison Garcia, superintendente da Associação dos Investidores de Mercado de Capitais.
Embora poucas empresas tenham publicado seus números, há apenas um movimento formal contra a nova obrigação. O Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças do Rio de Janeiro (Ibef-RJ) obteve uma liminar na Justiça que suspende a exigência para seus 500 associados. A decisão desobriga, pelo menos temporariamente, as cerca de 150 empresas onde trabalham esses profissionais de divulgar os dados. "O detalhamento expõe excessivamente os administradores", diz o advogado do Ibef-RJ José Roberto Castro Neves, do escritório Ferro, Castro Neves, Daltro & Gomide Advogados. A CVM deve entrar com ação para cassar a liminar. Mais do que segurança de seus executivos, no entanto, especialistas afirmam que a nova regra implica outras consequências práticas. Uma delas é discutir abertamente, pela primeira vez, com analistas, investidores e também com seus próprios executivos, eventuais distorções salariais que a publicação pode evidenciar. "As empresas terão de estar preparadas para explicar ao mercado e aos próprios executivos a lógica de seus planos de remuneração", diz Leonardo Salgado, executivo da consultoria Hay Group, especializada em liderança e remuneração.
Até agora a falta de padronização dos relatórios impede a comparação de todas as informações. Parte da responsabilidade dessa situação é da própria CVM. Apenas em meados de março, a autarquia divulgou um ofício circular (uma espécie de guia de preenchimento). O programa de internet para a publicação das informações de modo padronizado será liberado somente em abril. "As novas regras ficaram prontas só em dezembro de 2009. O programa ainda está em teste", diz Maria Helena Santana, presidente da CVM. É uma fase pela qual as empresas americanas já passaram. A exigência de publicar informações individuais da remuneração dos principais executivos começou em 1978, mas só surtiu os efeitos esperados quase três décadas mais tarde, quando a publicação passou a ser padronizada por meio de uma tabela-modelo, em 2006. Apesar da estreia pouco animadora, esse parece ser um caminho sem volta também para as empresas brasileiras.