Carreira

Por que os brasileiros dizem não a novos empregos

O Brasil é o país onde os profissionais mais recusam ofertas de trabalho. Entenda por que isso acontece e quais critérios deveriam pautar essa decisão

Equipe da Locaweb, em São Paulo: profissionais são assediados pela concorrência com promessas de aumento (Omar Paixão / VOCÊ S/A)

Equipe da Locaweb, em São Paulo: profissionais são assediados pela concorrência com promessas de aumento (Omar Paixão / VOCÊ S/A)

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Da Redação

Publicado em 18 de agosto de 2014 às 14h52.

São Paulo - Os brasileiros são os profissionais que mais recusam propostas de trabalho. Foi o que revelou uma pesquisa da empresa de recrutamento Robert Half com 1.000 diretores de RH em oito países.

De acordo com o estudo, 63% dos RHs afirmam que, no Brasil, as pessoas estão mais propensas a declinar as ofertas de emprego que recebem. A título de comparação, em outros países, como a Itália, esse índice não passa de 20%.

O dado é confirmado por outro levantamento, da consultoria de recrutamento Page Personnel, segundo o qual um em cada quatro candidatos brasileiros rejeita propostas de emprego em processos seletivos. Os profissionais que mais dizem “não” são analistas e coordenadores das áreas de TI, finanças e engenharia, cujos salários variam entre 4.000 e 8.000 reais.

Por trás da atitude mais seletiva dos brasileiros está o quadro de escassez de mão de obra qualificada e de pleno emprego do país, realidade há alguns anos. “Hoje é o profissional quem escolhe o trabalho.

Antes, participar de um processo seletivo era um compromisso sério. E funciona como um test drive para o candidato decidir o que irá fazer”, diz Wilson Amorim, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (­FEA-USP).

O alto número de negativas por parte das pessoas na hora de avaliar uma nova proposta mostra que elas estão mais exigentes. “A proposta da concorrência terá de ser muito desafiadora e interessante para convencê-las a mudar, principalmente se forem funcionários de multinacionais”, afirma Wilson. E a tendência é que este cenário perdure.

“O mercado tem pressa e prefere contratar alguém já pronto, o que aumenta o assédio sobre os profissionais qualificados, que têm maior possibilidade de escolha”, diz James Wright, coordenador do Programa de Estudos do Futuro (Profuturo), da Fundação Instituto de Administração (FIA).

Para Roberto Picino, diretor executivo da Page Personnel­, aceitar ou não um emprego é uma decisão pessoal, mas o que vem chamando a atenção dos recrutadores, segundo ele, é a rejeição da oferta praticamente na hora de assinar o contrato com o novo patrão, após três ou quatro semanas de negociações. “Não há nada de errado em negociar, porém existe o momento certo de fazer isso. E não é na hora da contratação”, diz Roberto.

A negativa tardia reflete o impacto de uma prática que tem se tornado comum nas empresas brasileiras, a fim de não perder seu pessoal para a concorrência — a contraproposta. De acordo com a Robert Half, 74% dos empregadores do país recorrem a essa medida emergencial de retenção — sendo que um em cada cinco admite que sempre faz uso da contraproposta.

O mesmo não acontece em outras partes do mundo. “Em muitos países da Europa, se o funcionário recebe uma oferta da concorrência, a empresa diz: ‘Pode ir, eu não consigo segurá-lo’. No exterior, por causa da crise, há muita mão de obra disponível e é fácil substituir quem saiu por uma pessoa com a mesma formação, disposta a receber o mesmo salário.

No Brasil, sai mais barato para a empresa fazer uma contraproposta do que formar outra pessoa desde o começo”, afirma Danilo Hakayama, gerente da divisão de finanças e contabilidade da Robert Half, uma das áreas com maior disputa por profissionais qualificados.

E a medida tem funcionado. Ainda de acordo com o levantamento da Robert Half, a contraproposta é a maior razão para os executivos brasileiros declinarem uma oferta de trabalho, respondendo por quase 30% das justificativas.

Empresas conhecidas por formar profissionais, como a Whirlpool, ou com expertise em nichos novos do mercado, como Locaweb e Netshoes, são algumas das que têm tido de lidar com os convites frequentes a seus profissionais. Foi o que percebeu Cássio Scozzafave, de 28 anos, analista sênior de marketing de produtos na Locaweb.

O analista está na empresa há oito meses e, desde então, recebe pelo menos uma oferta por mês para mudar de emprego. “Assim que atualizei meu novo status no LinkedIn, o assédio foi brutal. Não esperava por isso”, diz. As ofertas, especialmente dos concorrentes diretos, envolvem aumento salarial entre 10% e 40%. Pelo menos por enquanto, as propostas têm sido recusadas.

“Estou no emprego há menos de um ano, mas percebo que aqui tenho suporte para chegar aonde desejo”, afirma. “Formamos profissionais em um mercado inovador, a internet, e por isso eles são tão assediados. Ainda assim, não temos um ­turnover alto”, diz Cláudia Ajbeszyc, gerente de recursos humanos da Locaweb.

Ela admite que, em alguns casos, a contraproposta se faz necessária, mas diz que a empresa prefere apostar em uma estratégia de longo prazo para manter seu quadro. “Fazemos vários programas motivacionais e temos uma política de gestão de carreira bem transparente, que mostra onde o funcionário está, aonde ele pode chegar e como fazer isso”, afirma Cláudia.

Na Whirlpool, a estratégia de retenção passa pela demonstração constante de que os talentos e os profissionais de alto desempenho são observados e recompensados. Andrea Clemente, diretora de RH da Whirlpool Latin America, explica que, a cada ano, o funcionário recebe um feedback completo desse período.

“Isso inclui metas, avaliações e revisão de remuneração. Além disso, mais de 70% de nossos executivos são pessoas da casa. Saber que há uma carreira promissora para nossos gerentes e analistas é um fator que os mantém motivados a permanecer”, diz Andrea.

Um dos empregados com quem a estratégia tem funcionado é o engenheiro de produção Renato ­Cerri, de 43 anos. Promovido a diretor de manufatura da Whirlpool­ em 2012, ele conta que, desde que se tornou gerente da companhia, em 2007, recebe em média seis propostas de trabalho por ano, tanto externas quanto internas.

De acordo com Renato, a decisão de permanecer na companhia deve-se ao fato de ele conseguir enxergar possibilidades de crescimento dentro da instituição. “O que me faz ficar é a formação que recebo, o espaço para desenvolver minhas capacidades e a prontidão em receber ferramentas para desenvolvê-las”, afirma o engenheiro.

Planejamento de carreira

Para quem tem de avaliar se aceita ou não uma oferta de trabalho, vale lembrar que, apesar de sedutoras, as contrapropostas podem representar armadilhas profissionais no médio prazo. Outros levantamentos feitos pela Robert Half mostram que os funcionários que aderem a elas acabam deixando a empresa, voluntariamente ou não, após um período médio de um ano.

“Quando a contraproposta é muito interessante financeiramente, as pessoas acabam esquecendo os reais motivos que as levaram a sondar o mercado, como relacionamento ruim com a chefia, falta de tempo para a vida pessoal, pressão ou falta de oportunidade de crescimento”, diz Danilo, da Robert Half.

Essas questões fatalmente continuarão a incomodar, apesar do aumento no contracheque. “Quem pensa só no agora, no dinheiro, pode acabar entrando em uma armadilha”, afirma Silvio Celestino, sócio da Alliance Coaching.

De acordo com os especialistas em carreira, a decisão de dizer “sim” ou “não” a uma oferta de trabalho deve ser baseada num planejamento profissional de longo prazo, levando em conta o que se projeta para um, cinco e até dez anos.

“Parece que a gente insiste demais nessa coisa de autoconhecimento, mas isso é necessário para evitar decisões tomadas por impulso, pensando apenas no status de algum cargo ou no salário maior”, afirma a consultora Vicky Bloch, de São Paulo.

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