Gustavo Cerbasi: no Brasil, a decisão de compra costuma acontecer aos 30 anos, quando ainda não se tem maturidade para avaliar perdas e ganhos (Daniel Rosa / VOCÊ S/A)
Da Redação
Publicado em 19 de fevereiro de 2013 às 19h28.
São Paulo - O desprezo pelo planejamento e a falta de educação financeira ainda são os grandes empecilhos para que os brasileiros consigam organizar as finanças, saldar as dívidas e enriquecer.
É o que afirma Gustavo Cerbasi, consultor financeiro e autor do best-seller Casais Inteligentes Enriquecem Juntos (Ed. Gente), que inspirou o filme Até que a Sorte nos Separe, um dos mais vistos de 2012. Em entrevista à VOCÊ S/A, Cerbasi mapeia as falhas mais comuns ao lidar com o dinheiro e dá conselhos para você realizar projetos pessoais sem colocar em risco sua felicidade no futuro.
VOCÊ S/A - Uma pesquisa da Boa Vista, administradora do banco de dados dos serviços centrais de proteção ao crédito, mostra que um terço dos brasileiros não planeja seus gastos. Por que isso acontece?
Gustavo Cerbasi - De fato, uma parte da população não tem qualquer tipo de preocupação com o futuro — e futuro, nesse caso, é daqui a três meses. Isso ainda é um reflexo do longo período inflacionário pelo qual o país passou, quando era necessário gastar todo o salário no dia do pagamento. E a consequência é que as pessoas não veem dinheiro como patrimônio, mas apenas como solução para necessidades de curto prazo.
Eu acredito que o número de despreocupados seja ainda mais alto do que o levantado pelo estudo. Isso porque aqueles que afirmam planejar o futuro o fazem de maneira incompleta. Muitos se contentam em poupar uma parte mínima dos rendimentos todos os meses e dizem que estão guardando algo para os próximos anos. Só que fazem isso de forma insuficiente: não pensam na aposentadoria, por exemplo, que é o grande planejamento de longo prazo.
VOCÊ S/A - Guardar uma parte ínfima da renda é um tipo de autoengano?
Gustavo Cerbasi - Sim, além de ser uma acomodação cultural. No Brasil, as pessoas estão acostumadas a ser amparadas pelo governo ou pela família. O governo sempre garantiu a sobrevivência — é só lembrar que o salário mínimo é, hoje, a base da renda da maioria dos aposentados. Mas o padrão de consumo está crescendo e dificilmente será sustentado com subsídios alheios. Por isso, a geração que está agora no auge da produtividade, com 30 a 40 anos, deve se preocupar em separar uma renda própria para garantir o futuro.
VOCÊ S/A - Metade dos brasileiros está endividada e, mesmo assim, pensa em encarar novas dívidas. O que há por trás desse comportamento aparentemente sem sentido?
Gustavo Cerbasi - As pessoas costumam ter orçamentos engessados e fazem compras com prestações longuíssimas, sem pensar nos imprevistos (como um problema de saúde ou uma reforma de última hora) ou na inflação, que modificam bastante o orçamento criado meses atrás. O resultado?
Não sobra nenhum tipo de gasto que possa ser abandonado e é preciso correr atrás de crédito para manter as necessidades básicas, como energia, alimentação e mensalidade escolar. Ficam sem reservas para o lazer e se sentem infelizes, buscando compensar com mais consumo. O ideal é ter 75% da renda comprometida com gastos fixos e separar 25% para despesas flexíveis.
VOCÊ S/A - O crédito fácil é o grande vilão da saúde financeira?
Gustavo Cerbasi - Ele propôs melhoria na qualidade de vida: casa, carro e eletrodomésticos mais acessíveis. Mas crédito é uma coisa que você aceita ou não. E o brasileiro correu atrás dessa oportunidade achando que teria todas as condições de pagar as prestações.
Não o considero um vilão porque quanto mais fácil o acesso a ele mais a economia cresce — e isso é bom para todos. O que faltou nessa história foi educação financeira, por isso houve o crescimento da inadimplência e, consequentemente, o aumento dos juros.
VOCÊ S/A - Essa dificuldade de se organizar financeiramente acontece por termos um jeito mais emocional de lidar com o dinheiro?
Gustavo Cerbasi - O povo latino, em geral, é muito emotivo: precisa de recompensas de curto prazo, dá muita importância para o status e se frustra se não consegue corresponder às próprias expectativas (e às dos outros). O que falta ao brasileiro é perceber a necessidade de ter reservas não só de longo, mas de curto prazo também, que serão usadas para resolver emergências. E começar a lidar melhor com o comportamento compulsivo e pouco organizado.
VOCÊ S/A - O que outras culturas têm a nos ensinar quando o assunto é consumo?
Gustavo Cerbasi - Nosso crédito é um dos mais caros do mundo, mas isso acontece porque os bancos precisam cobrar alto, já que os brasileiros preferem utilizar créditos de qualidade ruim, como o cheque especial e os cartões, para pagar necessidades imediatas. No Japão e na Suíça, por exemplo, também há esse crédito fácil, mas poucos utilizam.
A maior parte do crédito é usada para construção de patrimônio: financiamento de negócios, imóveis e educação. Uma lição importante que podemos aprender com os americanos é a ideia do gastar continuamente, não só uma vez ao ano — eles nem sabem o que é parcelamento. No entanto, só dá para ser assim quando se tem uma vida planejada.
VOCÊ S/A - Mas planejar sem levar em conta o aspecto emocional, ainda mais porque é um traço cultural, se sustenta?
Gustavo Cerbasi - Não. É preciso trazer esse componente também. Você precisa primeiro ver qual é o seu grau de satisfação. Está infeliz? O esforço de poupança deve ser alto para criar condições concretas de mudanças de vida nos próximos meses, como fazer uma pós-graduação ou trocar de emprego. Se estiver feliz, é mais fácil: guarde de 8% a 10% da renda mensalmente.
A segunda preocupação é quanto você vai gastar com seu bem-estar: cultura, moda, viagens, férias, porque, senão, o planejamento vira martírio e não se sustenta lá na frente. É apenas com o dinheiro que sobra que se define moradia, carro, educação. Você vai ter de escolher um estilo de vida mais simples, mas será uma pessoa mais rica, com mais possibilidades de consumo e com um orçamento estável.
VOCÊ S/A - E dá para guardar dinheiro mesmo estando cheio de dívidas?
Gustavo Cerbasi - Dá sim, mas é preciso exercitar a capacidade de automotivação. É preciso preservar no orçamento verbas para recompensa, seja um jantar fora ao mês, seja um presentinho de aniversário de casamento, porque sem isso você se sente sem disposição para guardar dinheiro.
Depois, reveja seu custo de vida: mude do apartamento atual para um mais barato, não importa se próprio ou alugado, e troque o carro por um 20% mais econômico. É um cenário de equilíbrio, com um pouco menos de conforto, mas compensado pela verba para o lazer e pela boa sensação de conseguir pagar as dívidas.
VOCÊ S/A - Como ser mais assertivo na hora de comprar um imóvel?
Gustavo Cerbasi - Nunca deixe para fazer a pesquisa muito perto do momento de assinar o contrato. Quanto menos tempo você tiver para mapear o mercado, maior o nervosismo e a sensação de escassez e, consequentemente, mais chance de decidir por impulso. O ideal é se envolver sempre nesse mercado, habituando-se a acompanhá-lo. Fique atento aos empreendimentos do bairro que você gosta e converse com corretores e amigos. Isso dá distanciamento e visão racional na hora da compra.
VOCÊ S/A - Vale a pena fazer empréstimo para investir em uma casa?
Gustavo Cerbasi - Claro que comprar à vista sai mais barato, mas um financiamento é importante para não ter de rever o planejamento financeiro. Se você tem uma poupança para aposentadoria, um valor para realizar sonhos sazonais e uma renda para recompensas, vale financiar e colocar esse custo nas despesas fixas. Agora, quem não consegue sequer poupar para a aposentadoria deve pensar duas vezes antes de assumir uma dívida que vai impossibilitar de vez qualquer planejamento futuro.
VOCÊ S/A - Ter a casa própria ainda é o principal sonho de consumo dos brasileiros?
Gustavo Cerbasi - Sim, e o maior vilão da classe média. Não porque não se deva comprar um imóvel, mas porque se faz isso muito cedo aqui no Brasil, em torno dos 30 anos. Isso acontece porque as pessoas estão com medo da supervalorização dos imóveis e temem não conseguir entrar em um financiamento daqui a alguns anos.
O problema é que assumir um compromisso desses numa idade tão baixa impede até decisões ousadas na carreira. Afinal, você não se sentirá seguro para aceitar um emprego melhor do que o seu, porém mais instável, ou mudar de cidade se tiver um financiamento para honrar.
VOCÊ S/A - Qual é o momento certo, então?
Gustavo Cerbasi - Quando há estabilidade pessoal. Se estiver satisfeito e seguro com a própria carreira e com a sua família, é a hora de pensar em adquirir a casa própria. Pela minha experiência, isso costuma acontecer em torno dos 40 anos. A compra será mais assertiva, porque já se sabe o que quer, e o investimento será mais alto, porque você terá um salário maior do que aos 30 e um rendimento de FGTS superior também.
VOCÊ S/A - Os jovens planejam menos?
A maioria, sim. Quanto mais jovem, mais difícil ter certezas. Afinal, é preciso maturidade para avaliar as metas para o futuro. Mas saber que um dia chegará a aposentadoria e que dá para garantir ao longo do caminho uma condição estável com uma quantia investida mensalmente até lá, já é um bom começo. Também é importante perceber que precisamos poupar para dar passos maiores. Nos momentos de instabilidade, ter uma reserva financeira faz toda a diferença.
VOCÊ S/A - Quais as lições mais valiosas que você aprendeu sobre finanças?
Gustavo Cerbasi - Temos de ousar, mas todo risco deve ser controlado. Não dá para apostar tudo que se tem em um novo emprego ou em um negócio sem ter reservas que permitam voltar atrás. Também é importante ter um plano B, para o bem e para o mal. Se algo der errado, você precisa saber qual é a porta de saída. Se algo der muito certo e você enriquecer, não poderá perder os elementos mais valiosos da vida: sua família, seus amigos e seus valores pessoais.
VOCÊ S/A - Planejamento financeiro, então, é uma forma de planejamento de vida?
Gustavo Cerbasi - Sim. Planejar e poupar são práticas que nos permitem fazer escolhas, como decidir aturar somente por um período um emprego que não traz realização e se demitir depois. A maioria das pessoas não tem controle financeiro e acaba se conformando com uma rotina infeliz, uma carreira insatisfatória ou uma casa que não é lá essas coisas porque precisa pagar as contas.