Os nerds da educação online estão contratando
As empresas de tecnologia em educação atraem talentos de áreas tão distintas como história, psicologia, música e engenharia. Uma boa notícia para um setor carente de gente
Da Redação
Publicado em 4 de abril de 2013 às 19h30.
São Paulo - A baixa qualidade da educação no Brasil ainda impede que o país desenvolva seu pleno potencial. Em quase todos os setores da economia, a oferta de mão de obra qualificada não acompanha a demanda das empresas.
De olho nessa lacuna do ensino, um grupo de jovens começou a oferecer pela internet, há pouco mais de um ano, aulas de matemática (qmagico.com.br), ciências biológicas (okuadro.com), português e física (geekie.com).
A maioria deles tem como público-alvo jovens que estão se preparando para o exame vestibular. Porém, há também sites dedicados aos profissionais que buscam aprofundar seu conhecimento. O Veduca, por exemplo, traduz para o português aulas das melhores universidades do mundo.
“A associação entre tecnologia e educação é inevitável. O modelo baseado na aula com lousa e giz deve cair em alguns anos. Os professores têm que trabalhar o desapego com o tradicionalismo”, diz o professor de história Hugo Calhau, de 30 anos, que divide seu tempo entre as aulas matinais em escolas de São Paulo e as tardes na Geekie, empresa de tecnologia, onde edita o conteúdo dos cursos de história para a internet.
A exemplo de Hugo, profissionais de diversas áreas têm ido trabalhar nos novos negócios voltados à educação em todas as regiões do país.
Em Recife, a Jynx, a Manifesto e a Meantime se juntaram ao Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife (Cesar) para formar a JoyStreet, maior empresa no Brasil de jogos online com fundo educativo.
“Buscamos profissionais que queiram ter a responsabilidade de renovar a vida no ambiente escolar”, diz Fred Vasconcelos, presidente da JoyStreet, que já atende mais de 4 000 escolas, 5 000 professores e 1 milhão de alunos do Ensino Médio em Pernambuco e 1,3 milhão de estudantes no Rio de Janeiro.
Com base na plataforma da JoyStreet são realizadas competições nas escolas. O jogo, uma espécie de aventura com narrativa e forma de missão, acaba de receber o prêmio internacional European Seal of e-Excellence. A JoyStreet emprega 12 professores, cujo trabalho é coordenado pela psicóloga Marina Pinheiro, de 34 anos, líder técnica de educação da JoyStreet.
“Eu queria fazer algo novo e eficaz, por isso vim trabalhar aqui”, diz. Marina participa do processo de criação dos jogos educativos. “Se a plataforma tem questões do Enem, meu trabalho é construir exercícios que mantenham a forma lúdica e exploratória no ambiente virtual”, diz.
Para trabalhar na área, diz Marina, é essencial se encantar pelas novas tecnologias. Segundo Fred, o presidente da JoyStreet, mesmo para profissões tradicionais a remuneração é bem competitiva por seguir as faixas do mercado de tecnologia. Na JoyStreet, há duas vagas abertas para conteudistas.
A boa aceitação das escolas, dos professores e dos jovens tem incentivado mais empresas a explorar esse mercado. Fundada em 2001, a pernambucana Daccord nasceu como uma empresa de tecnologia que desenvolve ferramentas e aplicativos para o ensino da música. Desde 2008, eles levam seu principal produto, o Turma do Som, para as escolas.
Hoje, já são 5 000 alunos com acesso no Distrito Federal, Pernambuco, Piauí, Maranhão, Paraíba e Rio Grande do Norte.
A plataforma, que levou três anos para ficar pronta, contou com a coautoria da professora de música Cecília Cavalieri França, Ph.D. pela Universidade de Londres, que acabou, inclusive, se tornando personagem do jogo educativo. Hoje a Daccord Educação, braço de educação do grupo, emprega 35 profissionais com diferentes formações.
“Estamos recebendo demandas para desenvolver novos aplicativos de ensino básico. Foi assim que surgiu o Saiba Mais Enem, que roda no Facebook”, diz Giordano Cabral, sócio-fundador da Daccord e professor de informática na Universidade Federal de Pernambuco. A empresa estuda ampliar seu quadro de funcionários.
Nerds no comando
De dois anos para cá, surgiram no Brasil dezenas de pequenas empresas de tecnologia que tentam reproduzir a experiência bem-sucedida do matemático americano Salman Khan, o Sal, como é conhecido no ambiente da internet, que largou o mercado financeiro para montar a Khan Academy (khanacademy.org).
Por aqui, um dos melhores representantes desse modelo é a Geekie, onde trabalha o historiador Hugo Calhau, citado no início desta reportagem.
A Geekie foi fundada em janeiro do ano passado pelos amigos Claudio Sassaki, de 39 anos, e Eduardo Bontempo, de 29. A empresa nasceu do sonho dos dois de tentar retribuir à sociedade as oportunidades que tiveram com um ensino de qualidade.
Para isso, desenvolveram uma ferramenta inovadora, que usa algoritmos para perceber como cada estudante entende melhor uma matéria e, a partir daí, personaliza o conteúdo e os exercícios de maneira que torne mais eficiente o aprendizado de cada usuário. “O objetivo é melhorar o aprendizado”, diz Claudio.
Primeiro colocado no vestibular da Fuvest, Claudio formou-se em arquitetura e urbanismo pela Universidade de São Paulo. Durante a faculdade, dava aulas particulares de física e matemática para ganhar um dinheiro extra.
Depois de formado foi trabalhar em consultoria e, após vários projetos no Brasil, passou uma temporada no exterior para fazer MBA em Stanford, na Califórnia, onde aproveitou para fazer mestrado em educação pela mesma renomada instituição.
Trabalhou um tempo no mercado financeiro em Nova York e trilhou toda a sua carreira no setor, tendo atuado como vice-presidente dos bancos Goldman Sachs e Credit Suisse, no Brasil.
“Minha mãe foi professora do estado a vida toda e eu dei aulas particulares. O ensino e a vontade de fazer algo nesse sentido sempre estiveram em mim. Recebia propostas atrativas, mas sabia que não era aquilo que eu queria fazer. Só estava esperando o momento e a pessoa certa”, diz Claudio.
A pessoa certa era seu amigo Eduardo Bontempo, com quem trabalhou no banco de investimentos Credit Suisse e que, na época, estava cursando MBA no Instituto de Tecnologia de Massachusetts, o famoso MIT. Juntos, passaram a pesquisar as tecnologias que poderiam fazer a diferença no projeto deles. Ambos largaram tudo para investir no novo negócio.
O primeiro passo foi montar uma equipe para ajudar a criar a empresa. Para isso, os sócios iam diretamente às portas das melhores universidades do país, convidando os talentos.
“O segredo foi encontrar pessoas com um propósito muito parecido com o nosso e superqualificadas”, diz Claudio. Mesmo com o apagão de mão de obra qualificada, Claudio e Eduardo reuniram um time de estrelas. No currículo da equipe de 39 profissionais que veste a camisa tem: Instituto de Tecnologia de Massachusetts, Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), Universidade Estadual de Campinas, Universidade de São Paulo, Fundação Getulio Vargas e muito mais.
Do quadro de funcionários, oito são professores, que formam a área de conteúdo. Os demais são da área de marketing, engenharia da computação, comercial e administrativo. A Geekie ainda não estabeleceu um programa de atração e retenção de talentos formais, não tem políticas especiais de remuneração nem programa de seleção.
O que oferece? Uma boa causa pela qual trabalhar, salários compatíveis com os de mercado e um esquema de trabalho flexível, pautado pela entrega, e não pela carga horária. O engenheiro Leonardo de Castro Carvalho, de 24 anos, do ITA, estava de malas prontas para o Google, nos Estados Unidos, quando ficou sabendo por um amigo da Geekie, onde trabalha hoje.
“O lado social do que fazemos agrega muito valor ao nosso trabalho”, diz o engenheiro, que abandonou a proposta do Google para ficar no Brasil.
São Paulo - A baixa qualidade da educação no Brasil ainda impede que o país desenvolva seu pleno potencial. Em quase todos os setores da economia, a oferta de mão de obra qualificada não acompanha a demanda das empresas.
De olho nessa lacuna do ensino, um grupo de jovens começou a oferecer pela internet, há pouco mais de um ano, aulas de matemática (qmagico.com.br), ciências biológicas (okuadro.com), português e física (geekie.com).
A maioria deles tem como público-alvo jovens que estão se preparando para o exame vestibular. Porém, há também sites dedicados aos profissionais que buscam aprofundar seu conhecimento. O Veduca, por exemplo, traduz para o português aulas das melhores universidades do mundo.
“A associação entre tecnologia e educação é inevitável. O modelo baseado na aula com lousa e giz deve cair em alguns anos. Os professores têm que trabalhar o desapego com o tradicionalismo”, diz o professor de história Hugo Calhau, de 30 anos, que divide seu tempo entre as aulas matinais em escolas de São Paulo e as tardes na Geekie, empresa de tecnologia, onde edita o conteúdo dos cursos de história para a internet.
A exemplo de Hugo, profissionais de diversas áreas têm ido trabalhar nos novos negócios voltados à educação em todas as regiões do país.
Em Recife, a Jynx, a Manifesto e a Meantime se juntaram ao Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife (Cesar) para formar a JoyStreet, maior empresa no Brasil de jogos online com fundo educativo.
“Buscamos profissionais que queiram ter a responsabilidade de renovar a vida no ambiente escolar”, diz Fred Vasconcelos, presidente da JoyStreet, que já atende mais de 4 000 escolas, 5 000 professores e 1 milhão de alunos do Ensino Médio em Pernambuco e 1,3 milhão de estudantes no Rio de Janeiro.
Com base na plataforma da JoyStreet são realizadas competições nas escolas. O jogo, uma espécie de aventura com narrativa e forma de missão, acaba de receber o prêmio internacional European Seal of e-Excellence. A JoyStreet emprega 12 professores, cujo trabalho é coordenado pela psicóloga Marina Pinheiro, de 34 anos, líder técnica de educação da JoyStreet.
“Eu queria fazer algo novo e eficaz, por isso vim trabalhar aqui”, diz. Marina participa do processo de criação dos jogos educativos. “Se a plataforma tem questões do Enem, meu trabalho é construir exercícios que mantenham a forma lúdica e exploratória no ambiente virtual”, diz.
Para trabalhar na área, diz Marina, é essencial se encantar pelas novas tecnologias. Segundo Fred, o presidente da JoyStreet, mesmo para profissões tradicionais a remuneração é bem competitiva por seguir as faixas do mercado de tecnologia. Na JoyStreet, há duas vagas abertas para conteudistas.
A boa aceitação das escolas, dos professores e dos jovens tem incentivado mais empresas a explorar esse mercado. Fundada em 2001, a pernambucana Daccord nasceu como uma empresa de tecnologia que desenvolve ferramentas e aplicativos para o ensino da música. Desde 2008, eles levam seu principal produto, o Turma do Som, para as escolas.
Hoje, já são 5 000 alunos com acesso no Distrito Federal, Pernambuco, Piauí, Maranhão, Paraíba e Rio Grande do Norte.
A plataforma, que levou três anos para ficar pronta, contou com a coautoria da professora de música Cecília Cavalieri França, Ph.D. pela Universidade de Londres, que acabou, inclusive, se tornando personagem do jogo educativo. Hoje a Daccord Educação, braço de educação do grupo, emprega 35 profissionais com diferentes formações.
“Estamos recebendo demandas para desenvolver novos aplicativos de ensino básico. Foi assim que surgiu o Saiba Mais Enem, que roda no Facebook”, diz Giordano Cabral, sócio-fundador da Daccord e professor de informática na Universidade Federal de Pernambuco. A empresa estuda ampliar seu quadro de funcionários.
Nerds no comando
De dois anos para cá, surgiram no Brasil dezenas de pequenas empresas de tecnologia que tentam reproduzir a experiência bem-sucedida do matemático americano Salman Khan, o Sal, como é conhecido no ambiente da internet, que largou o mercado financeiro para montar a Khan Academy (khanacademy.org).
Por aqui, um dos melhores representantes desse modelo é a Geekie, onde trabalha o historiador Hugo Calhau, citado no início desta reportagem.
A Geekie foi fundada em janeiro do ano passado pelos amigos Claudio Sassaki, de 39 anos, e Eduardo Bontempo, de 29. A empresa nasceu do sonho dos dois de tentar retribuir à sociedade as oportunidades que tiveram com um ensino de qualidade.
Para isso, desenvolveram uma ferramenta inovadora, que usa algoritmos para perceber como cada estudante entende melhor uma matéria e, a partir daí, personaliza o conteúdo e os exercícios de maneira que torne mais eficiente o aprendizado de cada usuário. “O objetivo é melhorar o aprendizado”, diz Claudio.
Primeiro colocado no vestibular da Fuvest, Claudio formou-se em arquitetura e urbanismo pela Universidade de São Paulo. Durante a faculdade, dava aulas particulares de física e matemática para ganhar um dinheiro extra.
Depois de formado foi trabalhar em consultoria e, após vários projetos no Brasil, passou uma temporada no exterior para fazer MBA em Stanford, na Califórnia, onde aproveitou para fazer mestrado em educação pela mesma renomada instituição.
Trabalhou um tempo no mercado financeiro em Nova York e trilhou toda a sua carreira no setor, tendo atuado como vice-presidente dos bancos Goldman Sachs e Credit Suisse, no Brasil.
“Minha mãe foi professora do estado a vida toda e eu dei aulas particulares. O ensino e a vontade de fazer algo nesse sentido sempre estiveram em mim. Recebia propostas atrativas, mas sabia que não era aquilo que eu queria fazer. Só estava esperando o momento e a pessoa certa”, diz Claudio.
A pessoa certa era seu amigo Eduardo Bontempo, com quem trabalhou no banco de investimentos Credit Suisse e que, na época, estava cursando MBA no Instituto de Tecnologia de Massachusetts, o famoso MIT. Juntos, passaram a pesquisar as tecnologias que poderiam fazer a diferença no projeto deles. Ambos largaram tudo para investir no novo negócio.
O primeiro passo foi montar uma equipe para ajudar a criar a empresa. Para isso, os sócios iam diretamente às portas das melhores universidades do país, convidando os talentos.
“O segredo foi encontrar pessoas com um propósito muito parecido com o nosso e superqualificadas”, diz Claudio. Mesmo com o apagão de mão de obra qualificada, Claudio e Eduardo reuniram um time de estrelas. No currículo da equipe de 39 profissionais que veste a camisa tem: Instituto de Tecnologia de Massachusetts, Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), Universidade Estadual de Campinas, Universidade de São Paulo, Fundação Getulio Vargas e muito mais.
Do quadro de funcionários, oito são professores, que formam a área de conteúdo. Os demais são da área de marketing, engenharia da computação, comercial e administrativo. A Geekie ainda não estabeleceu um programa de atração e retenção de talentos formais, não tem políticas especiais de remuneração nem programa de seleção.
O que oferece? Uma boa causa pela qual trabalhar, salários compatíveis com os de mercado e um esquema de trabalho flexível, pautado pela entrega, e não pela carga horária. O engenheiro Leonardo de Castro Carvalho, de 24 anos, do ITA, estava de malas prontas para o Google, nos Estados Unidos, quando ficou sabendo por um amigo da Geekie, onde trabalha hoje.
“O lado social do que fazemos agrega muito valor ao nosso trabalho”, diz o engenheiro, que abandonou a proposta do Google para ficar no Brasil.