O segredo dos campeões
Executivos que foram atletas profissionais revelam como a experiência esportiva ajuda a obter alto desempenho na carreira
Da Redação
Publicado em 29 de julho de 2013 às 13h48.
São Paulo - O esporte ensina. Competir, treinar arduamente, sofrer com as derrotas, superar os maus resultados. Essas experiências têm um impacto profundo na formação de uma pessoa.
Quando era jovem, o escritor Albert Camus, autor do romance O Estrangeiro (1942), foi goleiro de um time de futebol na Argélia, onde nasceu. Anos mais tarde, já premiado com o Nobel de Literatura, ao ser entrevistado por uma revista esportiva, Camus deu a seguinte declaração: "O que sei sobre moralidade e deveres do homem eu devo ao esporte".
O mundo corporativo também está repleto de imagens e expressões que remetem ao esporte. A relação entre esporte e vida profissional despertou a curiosidade do headhunter americano James Citrin, conselheiro da Spencer Stuart, uma das maiores firmas de seleção de executivos do mundo.
Movido pela ideia de entender o que atletas de alto desempenho poderiam ensinar a outros profissionais, James entrevistou 50 esportistas de sucesso, do ciclista Lance Armstrong ao esqueitista Tony Hawk. Suas descobertas estão no livro The Dynamic Path ("O caminho dinâmico", em português).
A principal constatação de James é que os atletas de alto desempenho possuem uma habilidade que ele denominou de dureza mental, que permite a eles ter sucesso nos momentos críticos — como fazer uma cesta no último segundo de um jogo de basquete. Essa competência pode ser aprendida. Para isso, escreve o caça-talentos, o profissional precisa saber como funcionam sua mente e suas emoções.
Em outras palavras, a pessoa precisa se conhecer. E, claro, precisa praticar continuamente uma determinada situação, como se fosse um treino, até dominá-la por completo. Em seu estudo, James foi um passo adiante. Ele procurou entender por que existem ex-campeões que, após encerrar a carreira de atleta, prosperam também em outras atividades.
São os profissionais que encontram o tal caminho dinâmico, na verdade, um comportamento permanente de buscar o crescimento pessoal. Em seu livro, James cita casos como o do ex-jogador de futebol americano Roger Staubach, que após uma carreira no Dallas Cowboys criou uma imobiliária que faturava 120 milhões de dólares em 2008, quando foi vendida para a Jonas Lang La Salle.
Ou o senador democrata Bill Bradley, que construiu a carreira política após ganhar a medalha de ouro olímpica pela seleção de basquete e passar mais de dez anos como jogador do New York Knicks.
No Brasil também há casos de profissionais que repetiram na carreira executiva o sucesso que obtiveram nas piscinas, quadras ou pistas. Jorge Paulo Lemann, um dos donos da ABInBev, foi pentacampeão brasileiro de tênis. Também tenista, Luiz Mattar, hoje presidente da Tivit, foi 29o colocado no ranking da Associação de Tenistas Profissionais (ATP). A seguir, quatro ex-atletas profissionais, hoje executivos bem-sucedidos, revelam como aplicam na vida corporativa o aprendizado que tiveram no esporte.
Do PSV para a Berrini
O holandês Gijs van Delft, de 33 anos, é diretor executivo da Page Personnel, empresa de recrutamento para cargos com salários de até 3.000 reais, com escritório em São Paulo. Há sete anos no Brasil, casado com uma brasileira, ele tem apenas um problema com o país: encontrar quem jogue futebol com ele.
Ou melhor, como ele. “Só gosto de jogar em alto nível e é difícil encontrar um grupo assim”, diz. Antes de achar o gringo convencido, uma ressalva: dos 15 aos 20 anos, Gijs foi meio-campista do PSV Eindhoven, time que levou Romário e Ronaldo para a Europa. Quando era juvenil, via o baixinho comandar o time principal.
Competiu contra as principais equipes do continente e marcou jogadores como o espanhol Raul, o inglês Paul Scholes e o holandês Clarence Seedorf, que jogava no Ajax, arquirrival do PSV. Parou aos 21 anos, quando teve de optar por fazer faculdade ou virar profissional da bola.
"Acho que teria um bom futuro como jogador, mas detestava a ideia de passar os próximos 15 anos de vida no esquema de viagem, hotel e concentração", diz. Pendurou as chuteiras e foi cursar comércio exterior em Amsterdã. Gijs, ou Gil, como ele se apresenta no Brasil, abandonou os gramados, mas manteve o hábito de praticar esporte de alto desempenho.
Virou triatleta. No ano passado, disputou o Ironman Brasil, realizado em Florianópolis. Em 12 horas e 13 minutos, percorreu 3,8 quilômetros de natação, 180 de ciclismo e 42 de corrida. Para dar conta de treinar diariamente sem prejudicar o expediente de trabalho, acordava às 4h15 da manhã. Às 6, caía na piscina. “Os funcionários do clube diziam que só sendo holandês para nadar naquele frio”, relembra.
Para Gil, ter sido um atleta de ponta permite a ele lidar bem com a competição do mundo corporativo. "O jogador entende desde cedo que existe uma seleção de quem entra e quem fica de fora”, diz. “Você se torna muito persistente." Outra experiência proporcionada pelo esporte é aprender a reagir após uma derrota, o que pode ser entendido como resiliência.
"No futebol ou no trabalho, você pode passar por um período ruim", avalia Gil. "Você entende que isso pode acontecer e que é importante reunir forças para se levantar sozinho."
Artilheiro vendedor
À frente da diretoria comercial da Contax, umas das principais empresas de call center do país, com quase 100 000 funcionários, o engenheiro carioca Luís Guilherme Prates, de 42 anos, tem uma equipe de seis gerentes. Jogar em um time de sete pessoas, contando ele, o faz lembrar dos tempos em que era atacante do Flamengo e da seleção brasileira de polo aquático, pela qual foi bicampeão sul-americano adulto.
Luís Guilherme abandonou a carreira de atleta no auge, em 1991, quando tinha 23 anos. Tinha a opção de ir jogar na Europa, mas preferiu ser trainee na Brahma. "Eu queria ser um profissional de marketing e vendas", diz. Para fazer carreira nessa área, o esporte lhe rendeu um grande aprendizado: a automotivação.
Competir em alto nível, diz Luís Guilherme, faz com que o profissional aprenda a lidar com a frustração da derrota e a se restabelecer emocionalmente após sofrer um viés. "O atleta profissional tem altas doses de inconformismo", diz Luís Guilherme. "Você não conquista nada se não continuar acreditando que dá para vencer a próxima. Para quem trabalha na área de vendas, isso é um componente fundamental."
A obrigação de vencer na piscina ensinou Luís Guilherme a lidar com a pressão do mundo executivo. Em vez de técnico, time e torcida, entram clientes e acionistas. "Minha responsabilidade hoje é enorme, mas eu sei administrar." Outro aprendizado importante foi trabalhar em qualquer condição.
"Quando um companheiro de time se machuca, sua obrigação de vencer não diminui", diz. Homem de vendas, Luís Guilherme lembra que todo mundo que fez esporte aprende a valorizar uma oportunidade e a lutar ao máximo para aproveitá-la. "Todo mundo foi reserva e sabe o quanto vale ser chamado pelo técnico. No mundo das empresas, você luta pela oportunidade dessa maneira."
Combate ao mau desempenho
Ricardo Nakai, de 33 anos, é professor e diretor de marketing do grupo universitário ESAMC, que tem 11 campi em dez cidades do país. Quem o vê falar, com sua voz calma, não imagina que há dez anos ele nocauteava adversários em ringues de kung fu. Seu talento na luta marcial lhe rendeu três títulos brasileiros e o levou a um vice-campeonato mundial profissional adulto.
A lição mais importante que o treinamento de combate deixa para a vida do ex-lutador, diz Ricardo, é estar sempre preparado para lidar com o inesperado. "Você nunca sabe o que vai acontecer lá em cima do ringue", afirma. "Por mais que você tenha treinado e esteja confiante, o outro lutador pode acertar um golpe melhor e te derrubar."
O kung fu também ajuda o profissional a aceitar que obter sucesso exige sacrifício e esforço. "Para atingir o máximo, você tem que fazer coisas que não gosta, como treinar às 5 da manhã", diz Ricardo. Essa dedicação pode ser notada na carreira que ele construiu após abandonar o ringue — coisa que fez, aliás, quando estava no auge da forma, aos 23 anos.
"É um esporte pouco valorizado, não via perspectivas de crescimento."Começou então uma carreira marcada por renovações e evoluções. Aos 24, concluiu a faculdade de educação física na Universidade de Brasília (UnB), onde morava, e se tornou personal trainer. Montou uma agenda lotada de clientes, mas percebeu novamente que havia esgotado as possibilidades de crescimento.
Cursou psicologia do trabalho na UnB e começou a fazer programas de promoção de saúde em empresas. Acabou virando palestrante profissional. Aos 29 anos, para melhorar o desempenho nessa atividade, cursou um MBA em gestão de recursos humanos no campus de Brasília da ESAMC.
Virou professor da pós-graduação três anos atrás. No ano passado, foi transferido para São Paulo como responsável pela implantação do grupo educacional na capital paulista. Para exercer essa função, fez outro MBA, em marketing. "Devo ao esporte a consciência de que para fazer bem uma coisa é preciso ralar", reconhece Ricardo.
Altos e baixos
Em março deste ano, o economista Alexandre Póvoa, de 41 anos, diretor do Modal Asset, lançará seu segundo livro sobre gestão de recursos. Um dos capítulos tratará de sua carreira e de como os 11 anos em que foi jogador de basquete do Flamengo o ajudaram a ser um profissional do mercado financeiro.
Dos 11 aos 23 anos, Alexandre passou por todas as categorias do clube da Gávea, jogando primeiro como pivô e depois como ala. "Com 1,90 metro, fiquei baixo para um jogador profissional”, diz. “Não era nenhum Michael Jordan, mas ralava muito."
Jogar ao lado de atletas de seleção brasileira como Pipoka, Paulinho Villas-Boas e Maury foi para Alexandre uma aula sobre equilíbrio. "Você nunca está tão por cima a ponto de não cair, nem tão por baixo a ponto de não conseguir se levantar." Esse jeito de agir lhe ajuda diariamente, quando tem de lidar com a pressão por resultados nas operações financeiras que faz.
É como se ele arremessasse bolas durante um jogo. "Você erra e acerta todos os dias", diz. “Não pode ficar arrogante quando acerta e o resultado sobe, nem abatido quando erra uma operação e o resultado cai”, compara.
Esse aprendizado também lhe permite controlar a ansiedade em períodos difíceis do mercado. Quando se está atrás do placar num jogo de basquete, a tendência do time é tentar descontar a diferença com cestas de 3 pontos para diminuir a diferença rapidamente. Os jogadores passam a tentar jogadas impossíveis e o resultado é errar mais.
"O mesmo se dá no mercado financeiro", explica Alexandre. "Quando você perde recursos durante um período longo, fica ansioso para restabelecer um desempenho positivo, e aí começa a tomar mais risco", afirma. Nessas horas em que precisa administrar a ansiedade, Alexandre se lembra de um velho treinador. "A virada ocorre de bola em bola."
Antes do apito final, um conselho de todos os profissionais ouvidos. O mundo do trabalho vive uma competição constante, como ocorre no esporte. A diferença, dizem os ex-atletas, é que para praticar esporte de alto desempenho existe o treino diário, que dá força, resistência, confiança e poder de recuperação.
"No mundo do trabalho, você compete, mas não treina", diz Ricardo. "Com isso, você não se recupera de forma adequada, o que faz seu desempenho cair." Para manter-se em alta profissionalmente, faça como os esportistas: treine o corpo e a mente. "Você precisa cuidar da saúde para ser executivo", diz Luís Guilherme.