Carreira

Número de brasileiros que trabalham para gringos e ganham em dólar dispara

Déficit de certos profissionais nos Estados Unidos e Europa, ascensão do home office e real desvalorizado explicam movimento

Daniella Leão: gerente de sucesso do cliente, ela também trabalha para uma empresa internacional, do ramo de tecnologia, em Portugal (Arquivo Pessoal/Reprodução)

Daniella Leão: gerente de sucesso do cliente, ela também trabalha para uma empresa internacional, do ramo de tecnologia, em Portugal (Arquivo Pessoal/Reprodução)

Victor Sena

Victor Sena

Publicado em 21 de setembro de 2021 às 14h21.

Última atualização em 24 de setembro de 2021 às 15h22.

Ao mesmo tempo que a pandemia deixou o profissional de marketing Rodrigo Baili desempregado, ela também garantiu um novo emprego, mas com um formato inédito para ele.

Desde dezembro de 2020, ele trabalha para uma empresa americana de forma totalmente remota e seu salário é cotado em dólares. Com isso, já conseguiu comprar um terreno.

Rodrigo chegou a ficar seis meses desempregado, mas inspirado por um amigo que já trabalhava para uma empresa internacional, decidiu concorrer a vagas de fora do país.

Ele faz parte de um grupo de brasileiros que têm sido contratados por empresas estrangeiras num movimento crescente graças a três fatores principais: o déficit de certos profissionais nos Estados Unidos e Europa, a ascensão do trabalho remoto e o real desvalorizado.

Esses motivos são apontados pela Page Group, consultoria de contratações de profissionais, como as razões que explicam por que o movimento tem acontecido. A contratação de profissionais brasileiros cresceu 20% até agosto deste ano em comparação com o mesmo período anterior.

“A principal causa para esse movimento é a migração do modelo de trabalho para o modelo remoto. A maior parte da população se adaptou bem a isso e as empresas entenderam. Viram que ele era possível e rentável. A partir desse momento, viram que não importava de onde você estava trabalhando. Hoje, a busca por talento é global”, diz Lucas Toledo, diretor do Page Group. 

Toledo também destaca que o profissional brasileiro sai na dianteira porque ele é mais ocidentalizado que os indianos e outros asiáticos, por exemplo. “Somos ocidentais. Estamos acostumados com crise e adaptação.”

O chamado anywhere office, tendência que possibilita as pessoas a trabalhar de qualquer lugar, já tinha sido apontado como um dos principais pontos a se ficar atento em 2021. 

Com o dólar em alta, cotado a mais de R$ 5 desde o início da pandemia, a estratégia ganha apelo. O salário de um profissional de ensino superior nos Estados Unidos é de 80 mil dólares, segundo o Departamento de Estatística do Trabalho.

Por mês, esse valor dá cerca de 6,5 mil dólares. Mesmo sendo contratado ganhando um valor abaixo um pouco abaixo disso, o câmbio permite salários altíssimos para quem começar a trabalhar no modelo.

Na América do Sul, outros países que têm “fornecido” profissionais são Argentina, em que há mais educação com custo baixo, Panamá e Costa Rica. Na Europa, o Page Group destaca a Polônia e na Ásia as Filipinas. 

“Para mim foi uma mudança total, para ser sincero. Eu vinha de uma empresa que tinha a cultura do escritório. O home office é muito bom para mim. Eu consigo acompanhar minha filha. Antes, eu era impactado pelo trânsito. Não consigo ver minha vida mais sem”, conta Rodrigo, que cita apenas o fuso horário como algo que às vezes pode atrapalhar.

Quanto à cultura dos americanos, Rodrigo conta que já estava de certa forma acostumada com o jeito objetivo de lidar com as coisas. 

“A minha empresa anterior era italiana. Os europeus são mais diretos. Os americanos também. Se o trabalho estiver ruim, ele vai dizer que é ruim, não vai ter melindres. A gente às vezes tem um pouco mais pessoal no Brasil. O nosso ‘quintal’ agora é muito grande e a gente pode começar a correr nele”.

A gerente de sucesso do cliente Daniella Leão também trabalha para uma empresa internacional, do ramo de tecnologia, em Portugal. 

Para ela, a principal vantagem dessa globalização das carreiras que Rodrigo cita como um “aumento do quintal” é que o trabalho para essas empresas, mesmo à distância, abre as portas para as pessoas se mudarem para esses países se quiserem.  

“Para mim o trabalho remoto é muito bom por conta da flexibilidade. Hoje eu moro em Cuiabá, na casa de meus pais. Pude vir ficar com eles, sair de São Paulo. E poderia estar em qualquer lugar do mundo. Ele traz muita flexibilidade e até mesmo produtividade”, conta ela.

Daniela começou a trabalhar para a empresa em agosto de 2020 depois de ter recebido um convite. Em 2019, ela trabalhava para uma empresa brasileira, mas prestava serviço para a atual. Quanto à questão cultural, ela vê bastante similaridade entre Brasil e Portugal.

Antes da pandemia, Lívia Mafei Fróes já era um exemplo de profissional em home office trabalhando para uma empresa gringa. A gerente de hub de América Latina da marca Lush trabalha de forma remota há três anos, desde que a marca de cosméticos decidiu sair do país, mas quis mantê-la como uma posição na América Latina. Para manter Ligia como funcionária, a Lush abriu uma pessoa jurídica no país para conseguir fazer uma contratação via CLT.

Hoje, de três em três meses, Lívia vai a Londres e é responsável pelos projetos de América Latina da marca.

“A questão cultural não é muito fácil. Como as pessoas mudam, você não cria um relacionamento tão próximo com todo mundo. Eu acabei criando amizades com a ida frequente para lá, que possibilita isso. Essas viagens foram exigência deles e acho que ajuda”, conta a executiva. 

Para quem deseja procurar uma vaga em uma empresa internacional, a dica do publicitário Rodrigo Baili é perder o medo e começar a se aventurar nos processos seletivos.

“A primeira coisa é perder o medo, aquela coisa de achar que isso não é para mim, acho que não consigo e investir em uma língua. Além disso, é preciso estudar a cultura empresarial da empresa para onde você quer ir", diz.

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