Formação de engenheiros ainda tropeça no básico
Baixa oferta de profissionais faz com que recém-formados cresçam na hierarquia de responsabilidades mais precocemente
Talita Abrantes
Publicado em 21 de fevereiro de 2011 às 17h32.
São Paulo – Deslumbrados com o aquecimento do mercado da construção, estudantes voltam a se interessar pelo curso de engenharia civil. Mas, de acordo com especialistas, essa procura não será suficiente para resolver o problema da falta de mão de obra no país. Segundo eles, a estrutura deficiente do sistema de educação básica do Brasil ainda deve assombrar o setor por algum tempo.
José Roberto Cardoso, diretor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli/USP), estima que apenas ¼ dos engenheiros deixam a faculdade com as habilidades necessárias para atender as demandas do mercado. “Há muito engenheiro que chega ao mercado sem ter domínio de uma língua estrangeira ou que não sabe escrever um relatório de maneira concatenada”, afirma o diretor.
O descompasso entre formação educacional básica e as necessidades do setor pode ser percebida já durante o período de graduação. Em média, segundo cálculos de Marcos Formiga, coordenador do projeto Inova Engenharia da CNI/SENAI, os brasileiros demoram sete anos para concluir o curso de engenharia – dois a mais que o previsto pela grade curricular das faculdades.
Isso quando os alunos conseguem concluir o curso. Em 2008, segundo dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), 467.346 estudantes se matricularam na área de engenharia em escolas federais, municipais, estaduais ou privadas no Brasil. No entanto, apenas 47.098 concluíram a graduação naquele ano.
“A evasão dos cursos de engenharia é fruto da baixa qualidade do ensino das disciplinas como Física, Química e Matemática no Ensino Médio”, afirma Cardoso. “Os alunos chegam sem condições de acompanhar as disciplinas básicas das engenharias”.
Mercado
Por outro lado, os engenheiros recém-chegados ao mercado precisam enfrentar um cenário de responsabilidades muito mais intenso do que o vivenciado por seus atuais veteranos há algumas décadas.
Os ciclos econômicos do país justificam esse problema. “O país não teve um desenvolvimento contínuo. Ao longo de toda a década de 80 e 90, as grandes obras foram quase inexistentes. Por isso, muitos engenheiros migraram para outras áreas”, diz Caio Arnaes, consultor da divisão de engenharia da Robert Half. “Há uma lacuna temporal no mercado”.
“Não existem profissionais maduros disponíveis no setor”, diz Paulo Barbosa, diretor da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). “E a demanda é tão grande que os jovens engenheiros têm que assumir funções que antes ocupariam apenas depois de cinco anos de experiência”.
O resultado é que, aos poucos, a figura do engenheiro capacitado apenas com habilidades técnicas está menos frequente nos anúncios de emprego. No lugar, as empresas estão procurando profissionais capazes de assumir funções de gerenciamento.
A Odebrecht é um exemplo prático disso. Desde os primeiros passos na empresa, todos os profissionais são desafiados a se responsabilizar por pequenos projetos da construtora. A ideia é, por meio dessa estratégia, treinar os recém-formados para gerenciar obras maiores.
“O mercado procura hoje profissionais capazes de olhar para todos os passos da obra como um projeto, com o objetivo de diminuir tempo de conclusão e aumentar a rentabilidade”, diz Arnaes, da Robert Half.