Carreira

Benefícios flexiveis sã viáveis com as leis brasileiras?

Os benefícios flexíveis estão deixando de ser um bicho-papão para entrar de vez nos planos da área de recursos humanos

Cynthia Jobim, diretora de recursos humanos da Cardif: o nível de satisfação dos funcionários subiu de 66% para 85% após adesão ao BeneFlex (Omar Paixão)

Cynthia Jobim, diretora de recursos humanos da Cardif: o nível de satisfação dos funcionários subiu de 66% para 85% após adesão ao BeneFlex (Omar Paixão)

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Da Redação

Publicado em 29 de novembro de 2013 às 17h35.

São Paulo - Os benefícios flexíveis chegaram ao Brasil na década de 1990 e fizeram brilhar os olhos dos gestores de recursos humanos. Afinal, era a chance de oferecer algo inovador e tratar cada funcionário como único. Mas não vingou. A inflexibilidade da legislação trabalhista brasileira e a complexidade na montagem do pacote assustaram as empresas e frearam o avanço do chamado BeneFlex no país.

Depois de anos na geladeira, porém, essa alternativa volta a chamar atenção da área de RH. Embora apenas 2% das 236 organizações ouvidas pela consultoria Towers Watson em sua Pesquisa Anual de Benefícios disseram já usar o sistema, 31% dos gestores de RH afirmaram que pretendem fazê-lo e 21% já chegaram até a encomendar estudo de viabilidade.

“A fase agora será mais de convencimento da alta direção das empresas do que propriamente do pessoal de RH”, sintetiza o consultor sênior da área de benefícios e saúde da Towers Watson, César Lopes. 

O prenúncio de uma onda de adesões se explica por dois principais motivos. O primeiro é que o BeneFlex se mostra uma poderosa arma de atração e retenção num momento de disputa ferrenha pelos melhores profissionais. O segundo é que os velhos fantasmas relacionados a esse sistema estão sendo superados, embora sejam ainda eventualmente citados pelas companhias como justificativas para adiar a adesão ao sistema, como o receio de se tornar mais vulnerável a processos trabalhistas.

“Esse risco é totalmente eliminado quando o programa é bem desenhado”, assegura a consultora Andrea Huggard-Caine, considerada uma das maiores especialistas no tema. Ela lembra que o que causou dificuldades no passado e fez com que os benefícios flexíveis ganhassem certa má fama no país foi a tentativa de transportar o modelo americano para o Brasil sem levar em conta as diferenças de legislação. 

Ficou claro hoje que isso é impossível. Não dá para as empresas adotarem um modelo de flexibilidade plena por aqui. A fórmula para evitar problemas com a legislação trabalhista é assegurar alguns benefícios a todos os funcionários, como plano de saúde, seguro de vida e vale-alimentação e, a partir daí, oferecer um cardápio com diferentes níveis em cada um desses benefícios.

Dessa forma, a pontuação eventualmente economizada com a escolha de um plano de saúde básico, por exemplo, pode ser direcionada a outros benefícios, como bolsa de estudo ou academia. Outra regra a ser seguida é que os pontos do programa só devem ser convertidos em benefícios e jamais em dinheiro, para não configurar direito adquirido como salário, uma das possíveis motivações de processos trabalhistas.


Relação ganha-ganha

Desde que adotou um programa de benefícios flexíveis, há três anos, a Cardif — seguradora de origem francesa pertencente ao grupo BNP Paribas, presente em mais de 40 países — viu o nível de satisfação plena com o pacote subir de 66% para 85%, de acordo com a pesquisa interna de clima.

A principal razão que a levou a se decidir pela adoção da prática é a baixa idade média dos colaboradores, de 28 anos. “Esse público não gosta de imposições e valoriza muito a possibilidade de fazer as próprias escolhas”, diz a diretora de RH e responsabilidade social, Cynthia Jobim. Uma das mudanças mais adotadas foi o aumento do valor do tíquete-refeição e a redução do vale-alimentação, pois a maioria dos jovens almoça fora com frequência e raramente faz grandes compras em supermercados. 

Em empresas com perfil jovem, como a Cardif, a flexibilização dos benefícios tende a resultar em ganho financeiro, já que os jovens costumam optar pelo plano de saúde mais básico. Foi o que fez o analista da área contábil da Cardif, Rodrigo Oliveira, de 25 anos. Solteiro e sem filhos, ele está usando os créditos que sobraram para financiar parte do curso de inglês — um ganho equivalente a 135 reais por mês. “As companhias em que trabalhei antes não ofereciam essa possibilidade. Sem dúvida é um diferencial”, diz Rodrigo.

Independentemente do perfil da empresa, contudo, Andrea Huggard-Caine diz que há estratégias para evitar que os custos aumentem com a adoção do BeneFlex. “Quando se cria a tabela de pontos, pode-se dar diferentes pesos a cada benefício e, dessa forma, induzir os funcionários a escolher alguns mais convenientes para a organização e evitar os outros.” 

Mais uma razão do maior interesse pelos benefícios flexíveis no Brasil é certa pressão das matrizes de empresas globalizadas para a adoção da prática, bem difundida nos Estados Unidos e no Reino Unido, e que também se encontra em estágio mais avançado em alguns países da América Latina, como Chile, Colômbia e México. Um termômetro que deve ser levado em conta é a opinião das corretoras de seguro, que têm um papel importante ao intermediar a venda dos benefícios para as companhias.

“Os antigos receios realmente já não fazem mais sentido. Agora é uma questão de convencimento das empresas de que implantar benefícios flexíveis deve ser uma prioridade”, diz Elizabeth Rudge, diretora-presidente da corretora TRR. A corretora de seguros Lockton está lançando um projeto, o Health Rewards, que promete sofisticar ainda mais a flexibilidade dos pacotes.


Trata-se de um programa de milhagens que dá pontos ao colaborador que cumprir as ações relacionadas à saúde estabelecidas com base na análise individual de doenças existentes e potenciais. “A empresa sai ganhando com a redução dos custos com saúde proporcionada pela prevenção, e o funcionário também, pois pode usar esses pontos em outros benefícios”, afirma a diretora-geral da corretora, Simone Feu.

Menos complicado do que parece

Outro velho receio, o da complexidade administrativa, tem sido amenizado. “É claro que o modelo compulsório de adesão a um pacote de benefícios continua sendo mais fácil de administrar, inclusive porque permite projeções de custos mais precisas”, diz Renato Kazihara, consultor de capital humano da consultoria Mercer. “Mas o mercado está deixando de considerar que um pacote BeneFlex seja algo tão imprevisível quanto parecia.”

Algumas estratégias ajudaram a reduzir essa sensação: os novos pacotes preveem, em geral, um período específico do ano para ajustes nas escolhas individuais e só permitem mudanças para um degrau próximo — não se pode saltar de uma só vez da menor para a maior cobertura do seguro de vida, por exemplo. Além do mais, as experiências já implantadas mostram que há uma grande movimentação inicial, que pode envolver até 80% dos funcionários, mas que três anos depois o percentual tende a se estabilizar em um máximo de 30% de alterações por ano. 

A subsidiária brasileira da CSC, empresa americana de tecnologia da informação com 92 000 empregados ao redor do mundo (800 no Brasil), está vivendo a fase de implantação do programa. “Estudamos durante um ano todas as implicações, inclusive legais, e concluímos que valia a pena”, conta a gerente de RH, Priscilla Flecha.

Para que tudo transcorresse bem, a área de RH implantou o programa em duas fases. A primeira, em maio, envolveu o vale-alimentação, o vale-refeição e o vale-combustível. A segunda, em outubro, incluiu o plano de saúde, o odontológico e o seguro de vida.

Desde então, 60% dos funcionários fizeram algum tipo de mudança em seus pacotes. “É preciso um esforço adicional de comunicação, pois no começo há uma desconfiança natural dos colaboradores de que poderão ser de alguma forma prejudicados”, acrescenta Priscilla.

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