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Estamos criando o novo normal do trabalho, diz CEO da Accenture no Brasil

Se a quarentena acabar hoje, tudo volta ao normal? O CEO da Accenture no Brasil acredita que estamos construindo o novo normal

Leonardo Framil, CEO da Accenture Brasil e América Latina (Accenture/Divulgação)

Leonardo Framil, CEO da Accenture Brasil e América Latina (Accenture/Divulgação)

Luísa Granato

Luísa Granato

Publicado em 24 de abril de 2020 às 06h34.

Última atualização em 24 de abril de 2020 às 19h19.

“Está longe de ser uma mudança de tecnologia”, comenta Leonardo Framil, CEO da Accenture Brasil e América Latina sobre a brusca mudança nas empresas para o home office por causa do coronavírus.

Em entrevista para a Exame, o executivo falou sobre como acredita que as mudanças da pandemia vieram para alterar a maneira como todos trabalham.

Na Accenture, mais de 13 mil funcionários passaram para o home office em 72 horas. E, segundo ele, o maior sucesso foi implementar o modo de trabalho em larga escala sem interromper os serviços.

Vendo diferentes níveis de preparo para a enfrentar o isolamento social e o home office, ele também acredita que muitas empresas permanecem com a mentalidade de que tudo volta ao normal quando a crise acabar.

“Não podemos partir do pressuposto que se amanhã acabar vamos voltar para aquilo que era. Em muitos casos, estamos criando um novo normal, a forma de trabalhar do futuro. Nunca vai voltar ao modelo que conhecíamos”, disse ele.

O CEO acredita que as mudanças serão profundas também no comportamento das pessoas quanto ao tempo que dedicam ao deslocamento, às preocupações com higiene e ao que está disponível digitalmente.

“Quando vivemos outras crises, tínhamos muitas necessidades e pouca tecnologia para ajudar. Hoje, temos mais tecnologia do que criatividade para resolver os problemas. Quem souber tirar proveito do que está disponível vai poder redesenhar como trabalha e vive”, fala.

Confira a entrevista com o CEO da Accenture:

Exame: Como o contexto de hoje se diferencia do home office normal?

Leonardo Framil: Todo o contexto que estamos vivendo, o primeiro impacto foi a necessidade de gerir uma transição imediata para o trabalho remoto. Então, a primeira fase da transição é a mais simples.

O que é crítico para as empresas é a capacidade de trabalhar de forma remota com eficiência, de maneira produtiva e segura. A primeira fase foi a resposta imediata quando passamos para o isolamento social.

Na sequência, a segunda fase é como fazer com que esse trabalho seja produtivo e garantir as condições par manter a continuidade de serviço e qualidade de entrega, seja para cliente, seja para parceiros. Uma oportunidade que aparece nesse contexto é como ajustar o trabalho de forma responsiva às diferentes necessidades de demandas.

Exame: As empresas tiveram que se adaptar da noite para o dia. Quais são os maiores erros e acertos?

Framil: Eu diria que você tem dois grupos. Empresas que de alguma maneira já faziam algum trabalho remoto e que precisavam dar uma escala para aquilo. E essas sofreram menos. E as empresas que não tinham essa cultura de trabalho. Essas todas sofreram em alguma dimensão, não só para levar o trabalhar para casa, mas ao mesmo tempo definir políticas e ferramentas para isso.

Eles precisaram conferir se todos tinham o próprio computador e criar propostas para colaboração entre as pessoas. Na Accenture, em 72 horas conseguimos transitar mais de 13 mil pessoas para o home office sem interromper o serviço ou perder o nível de entrega. O home office já estava na cultura, só precisou dar escala, não precisamos construir um framework do dia para a noite.

Adicionalmente, outro efeito foi o aumento da demanda de alguns serviços no meio da transição, como em atendimento de call center. Em algumas situações, as empresas acabaram fazendo a movimentação mais tardia, colocando em risco suas pessoas e gerando descontinuidade de serviço. Outros serviços, como telemedicina, tinham algumas barreiras culturais dos usuários. Dentro do contexto, isso rapidamente mudou.

Pela infraestrutura do trabalho remoto, muitas empresas não têm capacidade de ser escaláveis para demanda 10 ou 20 vezes superior, é uma situação difícil de operar.

Exame: O que mais afeta a produtividade no trabalho hoje?

Framil: Aqui tem várias questões. O primeiro lado é que as lideranças não estão preparadas para poder gerir o trabalho de forma remota. Como criar engajamento, motivação ou cobrar o trabalho agora que não vê as pessoas e tudo acontece de forma dispersa? É o primeiro desafio grande e relacionado aos próprios líderes, em como eles reaprendem a gerir suas forças de trabalho dentro do contexto.

Por outro lado, os trabalhadores que passaram para dentro de casa lidam com muitas distrações. Como administrar sua jornada de trabalho com a proximidade da família, sem um espaço dentro de casa focado ao trabalho e sem um nível de ruído aceitável? Vamos lembrar que esse trabalho remoto vai para pessoas que tem uma vida simples, que não tem um escritório em casa. Precisamos ajudar as pessoas dando recursos e ensinando como é melhor trabalhar. É preciso todo um processo de comunicação, de suporte sobre boas práticas. E também faltam ferramentas para monitorar o que está acontecendo com a força de trabalho, como quantas horas estão trabalhando e qual a produtividade.

Até onde eu percebo, as pessoas estão muito engajadas para fazer o seu melhor pela preservação do emprego. Elas querem ser produtivas, mas muitas vezes não tem capacitação ou subsídios para manter o mesmo nível de antes.

Também acontece que muitas pessoas estão trabalhando mais e não respeitando horário de almoço. Quando está presente fisicamente, tem outro conceito de disponibilidade.

Exame: E quais são os maiores pontos de preocupação na parte técnica e de segurança?

Framil: Desde o aumento do coronavírus e do trabalho remoto, nossas conversas com clientes dão uma estimativa de que o ataque hacker aumentou em 300%. Existe uma visibilidade e uma percepção de que as conexões de casa podem abrir brechas de segurança. Se cria um incentivo para ataques.

A preocupação aqui deve ser de educação e conscientização em relação aos novos riscos de trabalhar em casa. Os funcionários devem estar cientes de todos os riscos. Depois, a preocupação de criar uma VPN, ter efetivamente ferramentas de segurança que monitorem se o dispositivo não está exposto. Algumas empresas não tinham políticas claras sobre uso do próprio computador, outras tinham. Precisaram estabelecer políticas para uso, para fazer monitoramento remoto dos dispositivos e estabelecer processo de suporte.

Exame: Que adaptações podem ser aplicadas na cultura da empresa e na colaboração diante de uma crise?

Framil: Primeiro as empresas precisam estar abertas a receber ajuda e entender que não é um tema de tecnologia apenas. Tem um tema cultural que é mais relevante e importante. Não sabemos hoje quanto tempo vamos ficar nesse modelo de trabalho. Você conseguir ter um nível de produtividade alto é fundamental. Também não sabemos como vai ser a transição de volta.

Segundo, efetivamente poder trabalhar com o RH em políticas e boas práticas para capacitação, comunicação e suporte para as pessoas. Não apenas olhar o ponto de vista de ferramentas, mas como ajudar com as habilidades e novas competências que o colaborador precisa ganhar para ser eficiente.

É um enorme dever de casa das áreas de recursos humanos junto com as lideranças: olhe os dados para entender as áreas que precisam de ajuda. É interessante comentar para não olhar apenas a perda, algumas áreas tiveram melhora na produtividade.

Para nós, os indicadores estão melhores do que tinham antes. Quando a gente pensa no conceito do trabalho remoto, temos menos custo do espaço físico, menos tempo que gasta no trânsito. São ineficiências que temos durante o dia. A possibilidade de poder resolver temas de casa é uma forma de criar um novo normal.

Na minha visão, as organizações não devem ver isso como uma mudança temporária, que depois volta tudo como era. Assim elas podem tirar o melhor proveito do movimento, para aprender uma nova cultura e saber qual a melhor decisão depois para trabalhar melhor de forma remota.

Vamos ter um impacto no valor de empresas imobiliárias e na percepção de demanda por espaços comerciais. Não podemos partir do pressuposto que se amanhã acabar vamos voltar para aquilo que era. Em muitos casos, estamos criando um novo normal, a forma de trabalhar do futuro. Nunca vai voltar ao modelo que conhecíamos.

Exame: E você vê mais tendências?

Framil: Tudo o que passamos vai mudar nosso comportamento como pessoas, da maneira como trabalhamos e compramos. Naturalmente serão mais virtuais do que são hoje. Por que vou ter que me deslocar? Você se atrasa, tem trânsito, estacionamento.,, Para um atendimento de meia hora, você gasta mais tempo indo e voltando para uma consulta simples no médico ou para uma reunião com advogado.

Acho que o comportamento das pessoas vai impulsionar a comprar mais online, trabalhar mais remotamente e mudar o conceito de higiene. Higiene e saúde serão questões importantes. Quando vivemos outras crises, tínhamos muitas necessidades e pouca tecnologia para ajudar e resolver. Hoje, temos mais tecnologia do que criatividade para resolver os problemas. Quem souber tirar proveito do que está disponível vai poder redesenhar como trabalha e vive.

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