Emprego com causa e benefícios
Algumas ONGs e fundações já oferecem a possibilidade de conciliar trabalho com propósito e crescimento de carreira
Da Redação
Publicado em 11 de setembro de 2014 às 10h47.
São Paulo - Muita gente sonha em trabalhar por uma causa nobre, numa atividade com um significado maior. Porém, realizar esse sonho geralmente passa pelo dilema de ter de abrir mão de status, salário competitivo e uma série de benefícios proporcionados por uma empresa.
Felizmente, já há bons exemplos de entidades do Terceiro Setor em que essas premissas não precisam ser verdadeiras. De fato, a remuneração ainda não é equivalente, até porque uma organização sem fins lucrativos não tem como pagar prêmios de participação nos lucros, por exemplo. Mas essa diferença tem diminuído.
Para ter uma ideia, gerentes do Terceiro Setor ganham, em média, 10.000 reais, enquanto pessoas com o mesmo cargo em empresas privadas recebem 11.700 reais, segundo uma pesquisa de remuneração da consultoria de recursos humanos Hay Group. Os profissionais que trabalham em ONGs, fundações e entidades beneficentes tampouco costumam receber bônus. Mas há algumas exceções.
A Fundação Lemann, com sede em São Paulo e atuação na área de educação, é uma delas. Na organização, criada em 2002 por Jorge Paulo Lemann, um dos donos da cervejaria AB InBev, as bonificações são tratadas da mesma forma que na empresa. Quando as metas são batidas, os funcionários recebem prêmios que podem até dobrar o salário.
“O pagamento de bônus sempre existiu, mas nos últimos anos estamos aprimorando os sistemas de metas. É um processo em evolução constante”, diz Elizabeth MacNicol, gerente administrativo-financeira da Fundação Lemann, que criou até um programa de trainees. As vagas são poucas — apenas duas —, mas o projeto já recebeu mais de 5.000 inscrições.
“Conseguimos atrair pessoas muito qualificadas que, provavelmente, estão concorrendo em programas similares em empresas maiores”, diz Elizabeth. “Queremos ser reconhecidos como uma marca empregadora, para pessoas com esse viés social”, afirma.
A política bem estruturada de gestão de pessoas da entidade foi decisiva para que a engenheira da computação Juliana Gregory Cavalcante, de 26 anos, tomasse a decisão de trocar a consultoria de gestão Roland Berger pelo trabalho na Fundação Lemann. O desejo de Juliana de ter um emprego com um propósito nobre reflete a postura de muitos jovens de sua geração.
De acordo com uma pesquisa da Page Talent, unidade de recrutamento de estagiários e trainees do grupo Michael Page, 63,6% dos jovens entre 18 e 24 anos valorizam os programas de responsabilidade ambiental e social das companhias.
A procura por vagas no Terceiro Setor tem crescido tanto que o Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (Gife), que representa 130 entidades do setor, fez uma parceria com o site de empregos Vagas.com para o cadastro de empresas e a candidatura de interessados. “Essa área é a mais acessada em nosso site”, diz André Degenszajn, secretário-geral do Gife.
Segundo os dados mais recentes do IBGE, em 2010 havia 290.700 entidades do gênero no país. Em cinco anos, de 2005 a 2010, o número de pessoas trabalhando no Terceiro Setor com carteira assinada passou de 1,7 milhão para 2,1 milhões.
“O setor ainda está amadurecendo e se profissionalizando. Ainda existem organizações com tecnologia ultrapassada e que pagam muito mal, mas isso tem diminuído”, diz André.
Uma das entidades que passaram por essa profissionalização foi a União Brasileiro-Israelita do Bem-Estar Social (Unibes), que emprega 260 pessoas. Na organização, o bazar, tradicional fórmula para arrecadar recursos, passou a receber a consultoria do diretor de uma empresa de varejo, e cinco lojas fixas foram abertas.
As vendas se multiplicaram, e o setor é hoje responsável pela geração de 25% da renda anual da entidade. Com mais dinheiro em caixa, a direção da entidade começou a implementar, no fim do ano passado, um plano de carreira e uma estrutura de cargos e salários, e pode até fazer contrapropostas atraentes quando um funcionário é assediado por outra empresa.
Outro bom exemplo vem da Fundação Avina, focada em fomentar o desenvolvimento sustentável. A entidade, presente em vários países latino-americanos, criou um plano de cargos e salários que considera regiões e países, custo de vida de cada local, moeda e as respectivas inflações. Assim, pode oferecer uma remuneração alinhada com o mercado.
“Não é porque trabalhamos por uma causa que não precisamos pagar um bom salário”, afirma Marcia Pregnolato, diretora de desenvolvimento humano da fundação.
Essa política foi decisiva para que o carioca Alessandro Alonso, de 40 anos, trocasse um posto de gerente de TI na HP pela Avina. “Recentemente, até recebi uma proposta para ir para uma multinacional. O salário era atraente, mas não tão superior ao que recebo aqui”, afirma Alessandro. “Quando eu trabalhava na HP, sucesso para mim era dar lucro à empresa, alcançar um cargo de diretor e receber muito dinheiro. Hoje, entrego um projeto e vejo o impacto positivo que ele gera na sociedade.”