Ele vai ser classificado?
O vendedor Wellington Dall'Igna colocou um anúncio no jornal para pedir emprego. Encarou o limite entre a ousadia e a exibição, mas ainda não recebeu a proposta dos seus sonhos
Da Redação
Publicado em 9 de outubro de 2008 às 09h34.
Criativo ou exibicionista?
Destemido ou inconseqüente? Como você definiria um profissional com 30 anos de
carreira que abandona os métodos tradicionais de recolocação no mercado e expõe
todos os seus defeitos num anúncio de jornal, tentando atrair algum interessado
em pôr fim a seus mais de seis meses de desemprego? Wellington Dall'Igna, um
vendedor de 44 anos, que vive em Curitiba, separado e pai de dois filhos,
conseguiu não só chamar a atenção (seriam seus 15 minutos de fama?) de
futuros patrões como, principalmente, esquentar a discussão sobre quais os métodos
válidos atualmente para conquistar uma vaga. Desde que publicou um anúncio
expondo seus pontos fracos (veja quadro na página seguinte) num jornal de
grande circulação no Paraná, no último dia 3 de outubro, recebeu mais de 1,5
mil telefonemas e e-mails de pessoas comentando sua atitude. Ofertas de
trabalho, mesmo, diz ter recebido umas 30 -- e que tenha dado atenção, com
certo interesse, não passaram de três.
Trajetória espinhosa
Wellington não tem curso superior, não fala inglês nem espanhol. Começou a
trabalhar em departamentos de recursos humanos. Primeiro como auxiliar e depois
como encarregado. Chegou a ter um negócio próprio, que acabou um ano depois,
em sociedade com um amigo. "Foi um dos meus maiores erros na vida. Perdi
dinheiro, o amigo, a empresa e, mais tarde, o casamento", conta. Na metade
dos 30 anos de carreira que tem, atuou como vendedor. Passou por uma empresa
atacadista de alimentos, mas não tinha carteira assinada e vivia da comissão
de 5% sobre as vendas. Nessa época, em novembro de 1986, antes de começar sua
experiência com vendas, fez uma transição arriscada: deixou a função de
encarregado do departamento pessoal de uma financeira, na qual trabalhava havia
quase cinco anos, um mês antes de nascer seu segundo filho. "Respondia
pelo departamento pessoal de um grupo inteiro: três empresas. Disse a meu patrão
que, se ele não dobrasse meu salário, eu não ficaria", lembra
Wellington. E não ficou, mesmo sem ter previsão de outra colocação no
mercado.
Foi aí que, segundo ele,
descobriu sua habilidade para lidar com a clientela. "Minha primeira venda
foi para uma mercearia. Consegui um pedido enorme e, assim que saí do lugar,
pensei: vender é isso? Então deixa comigo." Em 1987, já estava em outra
empresa. Dessa vez contratado formalmente, com um pouco mais de segurança.
Entre 20 candidatos, ficou com uma das duas vagas abertas, mesmo sem ter concluído
o 2o grau -- o que só conseguiu em 1997 -- ou ter no currículo algum curso de
aperfeiçoamento ou reciclagem. Wellington deixou a empresa em 1989 confiando em
duas de suas principais características: raciocínio rápido e intuição aguçada.
"A empresa perdeu um sócio, e o que ficou decidiu abrir um negócio
paralelo que nada tinha a ver com o produto que vendíamos. Vi que ele ia
descapitalizar o negócio e resolvi sair", explica. De fato, a tal empresa,
alguns anos depois, fechou.
Aposta no inusitado
O vendedor também passou por situação semelhante. Esteve do outro lado, como
dono do negócio, em 1990, quando montou uma empresa com um amigo. Estocava e
vendia produtos de panificação -- setor que conhecia de um trabalho anterior.
"Eu ia para a rua e ele ficava lendo jornal. Não deu certo. Separamos a
sociedade, abri outra empresa e levei minha parte para a garagem de casa. Eu
fazia tudo. Vendia, cobrava, entregava. Era tempo de inflação a 40% ao mês.
Entrava muito dinheiro, mas as dívidas eram altas também", diz. Aí veio
a crise conjugal, o fim do casamento e uma reabilitação no mercado só três
anos depois. Empregado numa grande multinacional de produtos para panificação,
foi crescendo na carreira. Fazia cursos internos específicos sobre os produtos
e atendia o varejo, até que uma reformulação na companhia o levou à função
de vendedor para o setor industrial. A responsabilidade aumentou: Wellington
tinha clientes no Paraná, em Santa Catarina e em São Paulo. "As coisas
cresceram assustadoramente. Fazia vendas de mais de 1 milhão de dólares por mês",
conta.
Na terceira reestruturação
interna, no começo deste ano, com a empresa mudando a linha de produtos à
venda, no entanto, Wellington perdeu o emprego. Mas diz que não ficou
preocupado. "Resolvi primeiro tirar seis meses de férias e viajar com meus
filhos. Agora, estou me programando para novas atividades, mas não pretendo
decidir até o fim do ano. Tenho condições de ficar uns dois anos sem
trabalhar, mantendo meu padrão de vida. Penso até em abrir outro negócio,
como plano B", diz. Quanto ao anúncio inusitado, explica: "Fiz o
texto sem pensar muito, em cinco minutos. Sabia que seria uma forma de ser
diferente, mais próxima do meu estilo. Nunca fui certinho -- e sei que fechei
algumas portas por causa disso. Empresas multinacionais não me contratariam
porque não preencho os requisitos. Nesses casos, o gerente comercial quer um
vendedor que seja eficiente e pode até enxergar minha ousadia como um ponto
positivo, mas quem recruta é o RH, que determina o perfil do profissional e, em
geral, prefere não arriscar".
Wellington não gosta de usar terno e gravata e
diz que passa longe do perfil do puxa-saco.
A única coisa que parece destoar nessa história é o duplo sentido do título
que deu a seu anúncio: "Não sei". Ele foi franco e objetivo
enumerando o que não sabe fazer. Mas não há indecisão ou dúvida sobre o que
pretende para o futuro. "Na fase da vida em que estou, me considero
experiente o suficiente para só fazer o que é melhor para minha
carreira."
Não sei
"Não sei falar inglês nem espanhol. Não tenho curso superior. Não sei
puxar o saco de gerente nem de diretor. Não gosto de usar paletó e gravata.
Nunca dei bola para comprador. Sei ligar e desligar um micro. Tenho 44 anos,
fumo, gosto de jogar e assistir a jogos de futebol, só leio jornal, sou
separado (dois filhos; as coisas mais lindas do mundo!), possuo apartamento,
carro, telefone fixo e celular próprios. Durante os últimos sete anos,
trabalhei em uma empresa multinacional vendendo (sólidos conhecimentos) farinha
de trigo, gordura hidrogenada, lecitinas, proteínas isoladas, proteínas
texturizadas , gritz e derivados de milho, atendendo as maiores indústrias de
massas e biscoitos de Paraná, Santa Catarina e Sul de São Paulo. Cheguei a
vender mais de US$ 1 milhão (isso mesmo, em dólares!) por mês. Se a sua
empresa tem produtos de qualidade, uma boa logística, condições de me
oferecer um salário superiora R$ 2 000,00, prêmios e despesas, queira, por
favor, marcar uma entrevista pelo telefone (XX) XXX-XXXX.
Obs.: As empresas que não atenderem aos requisitos básicos, não percam o seu
e o meu tempo.
grato"
Criativo ou exibicionista?
Destemido ou inconseqüente? Como você definiria um profissional com 30 anos de
carreira que abandona os métodos tradicionais de recolocação no mercado e expõe
todos os seus defeitos num anúncio de jornal, tentando atrair algum interessado
em pôr fim a seus mais de seis meses de desemprego? Wellington Dall'Igna, um
vendedor de 44 anos, que vive em Curitiba, separado e pai de dois filhos,
conseguiu não só chamar a atenção (seriam seus 15 minutos de fama?) de
futuros patrões como, principalmente, esquentar a discussão sobre quais os métodos
válidos atualmente para conquistar uma vaga. Desde que publicou um anúncio
expondo seus pontos fracos (veja quadro na página seguinte) num jornal de
grande circulação no Paraná, no último dia 3 de outubro, recebeu mais de 1,5
mil telefonemas e e-mails de pessoas comentando sua atitude. Ofertas de
trabalho, mesmo, diz ter recebido umas 30 -- e que tenha dado atenção, com
certo interesse, não passaram de três.
Trajetória espinhosa
Wellington não tem curso superior, não fala inglês nem espanhol. Começou a
trabalhar em departamentos de recursos humanos. Primeiro como auxiliar e depois
como encarregado. Chegou a ter um negócio próprio, que acabou um ano depois,
em sociedade com um amigo. "Foi um dos meus maiores erros na vida. Perdi
dinheiro, o amigo, a empresa e, mais tarde, o casamento", conta. Na metade
dos 30 anos de carreira que tem, atuou como vendedor. Passou por uma empresa
atacadista de alimentos, mas não tinha carteira assinada e vivia da comissão
de 5% sobre as vendas. Nessa época, em novembro de 1986, antes de começar sua
experiência com vendas, fez uma transição arriscada: deixou a função de
encarregado do departamento pessoal de uma financeira, na qual trabalhava havia
quase cinco anos, um mês antes de nascer seu segundo filho. "Respondia
pelo departamento pessoal de um grupo inteiro: três empresas. Disse a meu patrão
que, se ele não dobrasse meu salário, eu não ficaria", lembra
Wellington. E não ficou, mesmo sem ter previsão de outra colocação no
mercado.
Foi aí que, segundo ele,
descobriu sua habilidade para lidar com a clientela. "Minha primeira venda
foi para uma mercearia. Consegui um pedido enorme e, assim que saí do lugar,
pensei: vender é isso? Então deixa comigo." Em 1987, já estava em outra
empresa. Dessa vez contratado formalmente, com um pouco mais de segurança.
Entre 20 candidatos, ficou com uma das duas vagas abertas, mesmo sem ter concluído
o 2o grau -- o que só conseguiu em 1997 -- ou ter no currículo algum curso de
aperfeiçoamento ou reciclagem. Wellington deixou a empresa em 1989 confiando em
duas de suas principais características: raciocínio rápido e intuição aguçada.
"A empresa perdeu um sócio, e o que ficou decidiu abrir um negócio
paralelo que nada tinha a ver com o produto que vendíamos. Vi que ele ia
descapitalizar o negócio e resolvi sair", explica. De fato, a tal empresa,
alguns anos depois, fechou.
Aposta no inusitado
O vendedor também passou por situação semelhante. Esteve do outro lado, como
dono do negócio, em 1990, quando montou uma empresa com um amigo. Estocava e
vendia produtos de panificação -- setor que conhecia de um trabalho anterior.
"Eu ia para a rua e ele ficava lendo jornal. Não deu certo. Separamos a
sociedade, abri outra empresa e levei minha parte para a garagem de casa. Eu
fazia tudo. Vendia, cobrava, entregava. Era tempo de inflação a 40% ao mês.
Entrava muito dinheiro, mas as dívidas eram altas também", diz. Aí veio
a crise conjugal, o fim do casamento e uma reabilitação no mercado só três
anos depois. Empregado numa grande multinacional de produtos para panificação,
foi crescendo na carreira. Fazia cursos internos específicos sobre os produtos
e atendia o varejo, até que uma reformulação na companhia o levou à função
de vendedor para o setor industrial. A responsabilidade aumentou: Wellington
tinha clientes no Paraná, em Santa Catarina e em São Paulo. "As coisas
cresceram assustadoramente. Fazia vendas de mais de 1 milhão de dólares por mês",
conta.
Na terceira reestruturação
interna, no começo deste ano, com a empresa mudando a linha de produtos à
venda, no entanto, Wellington perdeu o emprego. Mas diz que não ficou
preocupado. "Resolvi primeiro tirar seis meses de férias e viajar com meus
filhos. Agora, estou me programando para novas atividades, mas não pretendo
decidir até o fim do ano. Tenho condições de ficar uns dois anos sem
trabalhar, mantendo meu padrão de vida. Penso até em abrir outro negócio,
como plano B", diz. Quanto ao anúncio inusitado, explica: "Fiz o
texto sem pensar muito, em cinco minutos. Sabia que seria uma forma de ser
diferente, mais próxima do meu estilo. Nunca fui certinho -- e sei que fechei
algumas portas por causa disso. Empresas multinacionais não me contratariam
porque não preencho os requisitos. Nesses casos, o gerente comercial quer um
vendedor que seja eficiente e pode até enxergar minha ousadia como um ponto
positivo, mas quem recruta é o RH, que determina o perfil do profissional e, em
geral, prefere não arriscar".
Wellington não gosta de usar terno e gravata e
diz que passa longe do perfil do puxa-saco.
A única coisa que parece destoar nessa história é o duplo sentido do título
que deu a seu anúncio: "Não sei". Ele foi franco e objetivo
enumerando o que não sabe fazer. Mas não há indecisão ou dúvida sobre o que
pretende para o futuro. "Na fase da vida em que estou, me considero
experiente o suficiente para só fazer o que é melhor para minha
carreira."
Não sei
"Não sei falar inglês nem espanhol. Não tenho curso superior. Não sei
puxar o saco de gerente nem de diretor. Não gosto de usar paletó e gravata.
Nunca dei bola para comprador. Sei ligar e desligar um micro. Tenho 44 anos,
fumo, gosto de jogar e assistir a jogos de futebol, só leio jornal, sou
separado (dois filhos; as coisas mais lindas do mundo!), possuo apartamento,
carro, telefone fixo e celular próprios. Durante os últimos sete anos,
trabalhei em uma empresa multinacional vendendo (sólidos conhecimentos) farinha
de trigo, gordura hidrogenada, lecitinas, proteínas isoladas, proteínas
texturizadas , gritz e derivados de milho, atendendo as maiores indústrias de
massas e biscoitos de Paraná, Santa Catarina e Sul de São Paulo. Cheguei a
vender mais de US$ 1 milhão (isso mesmo, em dólares!) por mês. Se a sua
empresa tem produtos de qualidade, uma boa logística, condições de me
oferecer um salário superiora R$ 2 000,00, prêmios e despesas, queira, por
favor, marcar uma entrevista pelo telefone (XX) XXX-XXXX.
Obs.: As empresas que não atenderem aos requisitos básicos, não percam o seu
e o meu tempo.
grato"
O que dizem os especialistas
Levamos o caso de Wellington Dall'Igna
a dois especialistas em recolocação de executivos. Elaine Saad, diretora da
Right Saad Felipelli, acredita que ele precisa valorizar os vínculos para
crescer na carreira. Já José Augusto Minarelli, diretor-presidente da Lens
& Minarelli, aprovou a estratégia do vendedor, mas fez um alerta: ele deve
se decidir logo.
Elaine Saad, diretora da Right Saad
Felipelli
"O Wellington parece ter um dom natural para vender e adora fazer isso. Ele
teve passagens muito rápidas por empresas, o que não é incomum nesse tipo de
perfil profissional. Em geral, são pessoas que sempre se encantam pelo que está
por vir, e não pelo que já têm. Assim, seu maior valor acaba sendo, ao mesmo
tempo, seu maior ponto fraco, porque ele não estabelece vínculos em nenhum
lugar.E o fato é: só através dos vínculos podemos estruturar nossa carreira
-- e crescer. Para um perfil como o dele e para a área em que atua, o anúncio
pode ser
bem interpretado. Mas dificilmente
o seria por um profissional, por exemplo, da área industrial ou financeira. No
entanto, temos de considerar a cultura das empresas que podem ter lido o anúncio.
Algumas vão achar criativo e outras não vão gostar. Mas, com certeza,
criativo ele foi. Ele conseguiu chamar a atenção, mas dizer que conseguirá um
emprego somente porque pôs um anúncio desse tipo é encurtar demais o caminho.
Ele só usou uma maneira diferente de chegar a uma empresa. Daí para a frente
terá de enfrentar um processo seletivo em que suas variáveis profissionais
certamente serão avaliadas em comparação com as dos outros candidatos."
José Augusto Minarelli, diretor-presidente da
Lens & Minarelli
"A abordagem de Wellington foi ousada, gerou impacto e muita curiosidade.
Mas os contratantes, de modo geral, na hora do vamos ver, são conservadores e não
querem correr riscos com pessoas que fogem muito do convencional. Os processos
de seleção são uma investigação do passado para reduzir as incertezas do
futuro.
Isso porque o contratante tem um
problema para resolver e quer ter certeza de que está contratando uma solução,
e não um risco. Diante de um anúncio como esse, podem surgir avaliações
contraditórias a respeito do candidato: ele é um profissional saudável
mentalmente? Será que está passando por algum processo maníaco-depressivo?
Wellington pode ser visto também como um sujeito arrogante, auto-referente. Mas
também pode parecer que tem idéias positivas. Sem dúvida, é um sujeito
corajoso, criativo, transparente, franco. Cada um interpreta o anúncio a seu
modo. A estratégia inusitada para chamar a atenção gerou muitos telefonemas,
cerca de 30 propostas e, segundo ele, aproximadamente três realmente
interessantes. Resumo: muita espuma e pouco chope. Ele ganhou notoriedade por
fugir do lugar-comum, pelo inesperado e por "nadar contra a corrente".
Num momento em que se faz tantas exigências no mercado de trabalho, é
paradoxal que alguém venha e faça o contrário. Pelo que o vendedor declara,
as ofertas não agradaram muito e ele está se dando ao luxo de pensar e decidir
somente em janeiro. Num momento de escassez de vagas, como o que estamos vivendo
atualmente, ele parece estar esnobando as oportunidades de recolocação
surgidas. Com isso, corre o risco de, no início do próximo ano, quando
retornar ao assunto, ver expirado o efeito da simpatia que inspirou o convite
inicial. Por isso, recomendo que aceite logo a melhor das ofertas para não
ficar na mão. Um alerta aos leitores: não aconselho os candidatos a emprego a
utilizar expediente como esse porque o resultado prático é duvidoso. Você
pode sair do lugar-comum com criatividade, o que não é sinônimo de ousadia
nem de irreverência. A abordagem deve demonstrar inteligência, bom gosto e
profissionalismo e estar em conformidade com as expectativas e o comportamento
conservador dos contratantes, que querem examinar a competência profissional, e
não a ousadia pessoal. Ousadia e criatividade não são a mesma coisa. Também
alerto os leitores para que não copiem o procedimento desse vendedor agora,
porque não causará impacto algum e será entendido como uma repetição."