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Do asfalto para a estrada de chão

O crescimento acelerado do agronegócio brasileiro vem exigindo a contratação de profissionais estratégicos para o RH. E essa vida pode ser muito boa

Simone Veras entre os colegas de RH José Sandro Matias (à direita) e Claudemir da Silva, do Grupo Bom Futuro: ela trocou a vida na cidade para assumir os desafios de RH do maior produtor de soja do mundo (Alfredo Camacho Bugelli/Você RH)
DR

Da Redação

Publicado em 28 de janeiro de 2014 às 07h00.

São Paulo - Quando pisou pela primeira vez na sede do Grupo Bom Futuro, consagrado como maior produtor de soja do mundo, em Cuiabá, Simone Veras não tinha mais do que uma vaga ideia de como funcionavam as coisas no campo. Aviação agrícola? Novidade. Produção de óleo do caroço do algodão? Novidade também.

“Tudo, absolutamente tudo, era novo para mim”, conta Simone, uma típica mocinha da cidade. Psicóloga de formação e empregada em uma consultoria de recursos humanos em Goiânia, Simone jamais pensou que um dia se mudaria para Mato Grosso para trabalhar com agronegócio — até ser convidada para fazer exatamente esse percurso, em direção às fazendas do agricultor Eraí Maggi Scheffer.

Há pouco mais de um ano, ela se tornou mais uma protagonista da nova fase da profissionalização do setor agrícola no Brasil. Depois de contratar CEOs, diretores e gerentes para áreas­ como a financeira, agora é hora de buscar profissionais no mercado para dar sentido estratégico às operações de RH das empresas do ramo.

“O crescimento do agronegócio e as exigências cada vez maiores de transparência dos resultados requerem uma gestão muito mais moderna, e isso passa pela área de recursos humanos ”, diz Jeffrey Abrahams, sócio-fundador da consultoria Abrahams Executive Search, especializada no segmento agrícola.

O agronegócio brasileiro está crescendo mais rapidamente que os outros segmentos da economia. No primeiro semestre de 2013, enquanto o PIB do país avançou 2,6% em comparação ao mesmo período de 2012, a agropecuária avançou nada menos do que 14,7%, disparado o melhor resultado.

Quase um quarto de toda a economia brasileira depende da agropecuá­ria. A produção de grãos bate recordes atrás de recordes e quebrará mais um na safra 2013/2014, quando 184 milhões de toneladas deverão ser colhidas.

Soma-se a esses superlativos outro: cerca de 30 milhões de pessoas são empregadas direta ou indiretamente pelo setor, segundo cálculos do Ministério da Agricultura e do Ministério do Trabalho e Emprego. Não é à toa, portanto, que mais e mais produtores rurais estejam procurando, agora, profissionais especializados em lidar com toda essa gente.

Só no primeiro ano de Simone no Grupo Bom Futuro, cerca de 500 pessoas foram contratadas — no total, somam-se aproximadamente 5 000 funcionários. Reestruturar os procedimentos de recrutamento e seleção, aliás, foi a primeira tarefa da psicóloga quando entrou na empresa.

“Tivemos de definir uma lista de perfis de candidatos que nos interessavam e passar a estabelecer canais de contato com escolas agrícolas e outras instituições de ensino em busca de mão de obra qualificada”, diz.


Também coube a ela trabalhar na implantação de um núcleo de recursos humanos em cada escritório regional da Bom Futuro — são cinco no total —, onde passou a ser realizada, além da seleção, uma série de atividades de treinamento. Em andamento na empresa está um extenso inventário de habilidades.

“Equipe por equipe, estamos mapeando quem temos e com que qualificação, para contrastar com o que efetivamente precisamos”, explica. As lacunas encontradas estão sendo preenchidas com treinamentos específicos, no lugar de ainda mais contratações. O objetivo é conseguir reter quem já está na empresa, disposto a aprender o que há de novo.

O desafio da qualificação

Assegurar a ampliação do acesso da mão de obra à qualificação é uma das principais razões para a busca, no mercado, de profissionais especializados em recursos humanos dispostos a atuar no campo. Em geral, os trabalhadores operacionais das propriedades rurais têm um nível de qualificação baixo.

Basta lembrar que na zona rural ainda estão concentrados os maiores índices de analfabetismo do país — o percentual de analfabetos ultrapassa 20%, enquanto nas áreas urbanas é pouco maior do que 6%. Nos tempos em que, do plantio à colheita, uma safra era feita toda de forma manual, isso representava um problema menos importante.

Mas, com a crescente mecanização das lavouras, a questão passa a ser crucial. “Está claro para a gente que o futuro é a mecanização quase completa dos procedimentos”, afirma Jirlane Horácio da Silva, gerente de RH do Grupo Farias, empresa do setor sucroenergético com sede na cidade de Anicuns, em Goiás.

“Ainda que num primeiro momento nosso pessoal da lavoura da cana não dê tanto valor a isso, temos tentado qualificá-lo para que tenha oportunidades em outras áreas.”

Jirlane chegou ao grupo um ano e meio atrás, como supervisora de RH. Encontrou um departamento de recursos humanos dedicado quase plenamente às atividades burocráticas de processamento da folha de pagamentos.

Não era pouca coisa, já que a empresa — que faturou 850 milhões de reais na última safra de cana-de-açúcar — tem mais de 10 000 funcionários. Mas ela achava que dava para fazer mais.

Quando assumiu a gerência, em 2013, estabeleceu como meta tornar mais estratégica a atuação de seu departamento. Para isso, chamou Grazielle Dias, que trabalhava com educação profissional em Goiânia. Juntas, elas têm enfrentado os desafios que o campo reserva aos recém-chegados.


Para poder oferecer um curso de capacitação na operação de máquinas agrícolas, por exemplo, Grazielle precisou remodelar o material didático. Em vez de manuais com explicações escritas, foi necessário buscar apostilas inteiramente baseadas em ilustrações. O trabalho foi gigantesco, mas a recompensa, também.

Interessados em pilotar os tratores e as colheitadeiras que conheceram em detalhes durante o curso, pelo menos 30 trabalhadores voltaram aos bancos de escola com a intenção de se alfabetizar — e, então, tirar a carteira de motorista, item de primeira necessidade para operar o maquinário.

Também coube a Grazielle dar início a treinamentos voltados para os líderes da área operacional do grupo, conhecidos como os “encarregados” das equipes. “Abordamos aspectos da comunicação que vão desde a melhor maneira de falar ao rádio com os outros funcionários até como usar a internet ou enviar um e-mail”, diz.

“Parecem coisas simples demais, mas são o que faz a diferença para um líder comprometer sua equipe.” Assim como Simone, do Grupo Bom Futuro, Jirlane e Grazielle também mexeram no modelo de recrutamento e seleção do Grupo Farias.

Para boa parte dos cargos, as contratações por indicação deram lugar a um sistema que inclui apresentação de currículo, avaliação escrita e avaliação prática, conduzida por um líder de equipe. O novo formato — uma mudança radical para a empresa — tem como objetivo contratar os perfis mais adequados às necessidades da companhia.

Conselheiros do chefe

Por causa de situações como essas, os profissionais de recursos humanos estão passando a ser vistos, cada vez mais, como aliados da diretoria.

“As estratégias de crescimento das empresas estão ligadas diretamente ao desenvolvimento do capital humano, e no campo isso não é diferente. Por isso, o RH, em algum momento, deve ganhar esse ar de conselheiro do chefe”, avalia Rogério Rego, gerente do escritório de Campinas da consultoria Michael Page.

Nas empresas do agronegócio, os profissionais, em geral, encontram canais de comunicação facilitados com os diretores e até com os proprietários, e também conseguem estabelecer algum grau de autonomia de voo para dar andamento a projetos novos.


O paulista Fábio Moniz, por exemplo, que já havia trabalhado na área de recursos humanos nas indústrias siderúrgica, calçadista e automobilística, é diretor de RH da Usina Coruripe, em Alagoas, há apenas quatro meses. Nesse curto intervalo, no entanto, já elaborou e propôs um plano de prioridades para seu setor que chegou até o conselho de administração da empresa.

Com sede na cidade de Coruripe, distante 70 quilômetros de Maceió, a usina fatura 1,4 bilhão de reais por ano e emprega mais de 11 000 pessoas durante a safra — mas nunca havia tido um diretor de RH até a chegada de Moniz. Por isso, sua tarefa inicial foi juntar, dentro de um só departamento, atividades e rotinas que se espalhavam por várias áreas administrativas.

Depois de pronta a estrutura, Moniz começou a colocar a mão na massa de verdade. Um dos programas que deverá lançar em abril é o de desenvolvimento de lideranças. “Cada nível hierárquico precisa ter uma matriz de formação adequada com o que se exige dele. É isso que queremos fazer com esse programa”, conta.

Tanto Moniz quanto Simone, Jirlane e Grazielle trocaram o asfalto pela estrada de chão para assumir seus novos desafios, em alguns casos embalados por um empurrão financeiro considerável — no Grupo Bom Futuro, Simone ganha 60% mais do que recebia em seu antigo emprego na cidade.

“Tenho a impressão que algumas empresas estão buscando bons profissionais, custe o que custar”, diz ela. Parece estar valendo a pena aprender um pouco mais sobre a vida no campo.

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São Paulo - Quando pisou pela primeira vez na sede do Grupo Bom Futuro, consagrado como maior produtor de soja do mundo, em Cuiabá, Simone Veras não tinha mais do que uma vaga ideia de como funcionavam as coisas no campo. Aviação agrícola? Novidade. Produção de óleo do caroço do algodão? Novidade também.

“Tudo, absolutamente tudo, era novo para mim”, conta Simone, uma típica mocinha da cidade. Psicóloga de formação e empregada em uma consultoria de recursos humanos em Goiânia, Simone jamais pensou que um dia se mudaria para Mato Grosso para trabalhar com agronegócio — até ser convidada para fazer exatamente esse percurso, em direção às fazendas do agricultor Eraí Maggi Scheffer.

Há pouco mais de um ano, ela se tornou mais uma protagonista da nova fase da profissionalização do setor agrícola no Brasil. Depois de contratar CEOs, diretores e gerentes para áreas­ como a financeira, agora é hora de buscar profissionais no mercado para dar sentido estratégico às operações de RH das empresas do ramo.

“O crescimento do agronegócio e as exigências cada vez maiores de transparência dos resultados requerem uma gestão muito mais moderna, e isso passa pela área de recursos humanos ”, diz Jeffrey Abrahams, sócio-fundador da consultoria Abrahams Executive Search, especializada no segmento agrícola.

O agronegócio brasileiro está crescendo mais rapidamente que os outros segmentos da economia. No primeiro semestre de 2013, enquanto o PIB do país avançou 2,6% em comparação ao mesmo período de 2012, a agropecuária avançou nada menos do que 14,7%, disparado o melhor resultado.

Quase um quarto de toda a economia brasileira depende da agropecuá­ria. A produção de grãos bate recordes atrás de recordes e quebrará mais um na safra 2013/2014, quando 184 milhões de toneladas deverão ser colhidas.

Soma-se a esses superlativos outro: cerca de 30 milhões de pessoas são empregadas direta ou indiretamente pelo setor, segundo cálculos do Ministério da Agricultura e do Ministério do Trabalho e Emprego. Não é à toa, portanto, que mais e mais produtores rurais estejam procurando, agora, profissionais especializados em lidar com toda essa gente.

Só no primeiro ano de Simone no Grupo Bom Futuro, cerca de 500 pessoas foram contratadas — no total, somam-se aproximadamente 5 000 funcionários. Reestruturar os procedimentos de recrutamento e seleção, aliás, foi a primeira tarefa da psicóloga quando entrou na empresa.

“Tivemos de definir uma lista de perfis de candidatos que nos interessavam e passar a estabelecer canais de contato com escolas agrícolas e outras instituições de ensino em busca de mão de obra qualificada”, diz.


Também coube a ela trabalhar na implantação de um núcleo de recursos humanos em cada escritório regional da Bom Futuro — são cinco no total —, onde passou a ser realizada, além da seleção, uma série de atividades de treinamento. Em andamento na empresa está um extenso inventário de habilidades.

“Equipe por equipe, estamos mapeando quem temos e com que qualificação, para contrastar com o que efetivamente precisamos”, explica. As lacunas encontradas estão sendo preenchidas com treinamentos específicos, no lugar de ainda mais contratações. O objetivo é conseguir reter quem já está na empresa, disposto a aprender o que há de novo.

O desafio da qualificação

Assegurar a ampliação do acesso da mão de obra à qualificação é uma das principais razões para a busca, no mercado, de profissionais especializados em recursos humanos dispostos a atuar no campo. Em geral, os trabalhadores operacionais das propriedades rurais têm um nível de qualificação baixo.

Basta lembrar que na zona rural ainda estão concentrados os maiores índices de analfabetismo do país — o percentual de analfabetos ultrapassa 20%, enquanto nas áreas urbanas é pouco maior do que 6%. Nos tempos em que, do plantio à colheita, uma safra era feita toda de forma manual, isso representava um problema menos importante.

Mas, com a crescente mecanização das lavouras, a questão passa a ser crucial. “Está claro para a gente que o futuro é a mecanização quase completa dos procedimentos”, afirma Jirlane Horácio da Silva, gerente de RH do Grupo Farias, empresa do setor sucroenergético com sede na cidade de Anicuns, em Goiás.

“Ainda que num primeiro momento nosso pessoal da lavoura da cana não dê tanto valor a isso, temos tentado qualificá-lo para que tenha oportunidades em outras áreas.”

Jirlane chegou ao grupo um ano e meio atrás, como supervisora de RH. Encontrou um departamento de recursos humanos dedicado quase plenamente às atividades burocráticas de processamento da folha de pagamentos.

Não era pouca coisa, já que a empresa — que faturou 850 milhões de reais na última safra de cana-de-açúcar — tem mais de 10 000 funcionários. Mas ela achava que dava para fazer mais.

Quando assumiu a gerência, em 2013, estabeleceu como meta tornar mais estratégica a atuação de seu departamento. Para isso, chamou Grazielle Dias, que trabalhava com educação profissional em Goiânia. Juntas, elas têm enfrentado os desafios que o campo reserva aos recém-chegados.


Para poder oferecer um curso de capacitação na operação de máquinas agrícolas, por exemplo, Grazielle precisou remodelar o material didático. Em vez de manuais com explicações escritas, foi necessário buscar apostilas inteiramente baseadas em ilustrações. O trabalho foi gigantesco, mas a recompensa, também.

Interessados em pilotar os tratores e as colheitadeiras que conheceram em detalhes durante o curso, pelo menos 30 trabalhadores voltaram aos bancos de escola com a intenção de se alfabetizar — e, então, tirar a carteira de motorista, item de primeira necessidade para operar o maquinário.

Também coube a Grazielle dar início a treinamentos voltados para os líderes da área operacional do grupo, conhecidos como os “encarregados” das equipes. “Abordamos aspectos da comunicação que vão desde a melhor maneira de falar ao rádio com os outros funcionários até como usar a internet ou enviar um e-mail”, diz.

“Parecem coisas simples demais, mas são o que faz a diferença para um líder comprometer sua equipe.” Assim como Simone, do Grupo Bom Futuro, Jirlane e Grazielle também mexeram no modelo de recrutamento e seleção do Grupo Farias.

Para boa parte dos cargos, as contratações por indicação deram lugar a um sistema que inclui apresentação de currículo, avaliação escrita e avaliação prática, conduzida por um líder de equipe. O novo formato — uma mudança radical para a empresa — tem como objetivo contratar os perfis mais adequados às necessidades da companhia.

Conselheiros do chefe

Por causa de situações como essas, os profissionais de recursos humanos estão passando a ser vistos, cada vez mais, como aliados da diretoria.

“As estratégias de crescimento das empresas estão ligadas diretamente ao desenvolvimento do capital humano, e no campo isso não é diferente. Por isso, o RH, em algum momento, deve ganhar esse ar de conselheiro do chefe”, avalia Rogério Rego, gerente do escritório de Campinas da consultoria Michael Page.

Nas empresas do agronegócio, os profissionais, em geral, encontram canais de comunicação facilitados com os diretores e até com os proprietários, e também conseguem estabelecer algum grau de autonomia de voo para dar andamento a projetos novos.


O paulista Fábio Moniz, por exemplo, que já havia trabalhado na área de recursos humanos nas indústrias siderúrgica, calçadista e automobilística, é diretor de RH da Usina Coruripe, em Alagoas, há apenas quatro meses. Nesse curto intervalo, no entanto, já elaborou e propôs um plano de prioridades para seu setor que chegou até o conselho de administração da empresa.

Com sede na cidade de Coruripe, distante 70 quilômetros de Maceió, a usina fatura 1,4 bilhão de reais por ano e emprega mais de 11 000 pessoas durante a safra — mas nunca havia tido um diretor de RH até a chegada de Moniz. Por isso, sua tarefa inicial foi juntar, dentro de um só departamento, atividades e rotinas que se espalhavam por várias áreas administrativas.

Depois de pronta a estrutura, Moniz começou a colocar a mão na massa de verdade. Um dos programas que deverá lançar em abril é o de desenvolvimento de lideranças. “Cada nível hierárquico precisa ter uma matriz de formação adequada com o que se exige dele. É isso que queremos fazer com esse programa”, conta.

Tanto Moniz quanto Simone, Jirlane e Grazielle trocaram o asfalto pela estrada de chão para assumir seus novos desafios, em alguns casos embalados por um empurrão financeiro considerável — no Grupo Bom Futuro, Simone ganha 60% mais do que recebia em seu antigo emprego na cidade.

“Tenho a impressão que algumas empresas estão buscando bons profissionais, custe o que custar”, diz ela. Parece estar valendo a pena aprender um pouco mais sobre a vida no campo.

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