Carreira

Gratuita, École 42 é exemplo na formação de programadores

O que pode ensinar ao Brasil a escola francesa que, sem livros, salas de aula, professores nem mensalidade, tem o objetivo de formar 1 000 programadores por ano

École 42 (William Beaucardet)

École 42 (William Beaucardet)

DR

Da Redação

Publicado em 20 de dezembro de 2014 às 05h12.

Existem 500 000 programadores no Brasil, segundo levantamento da Associação das Empresas Brasileiras de Tecnologia da Informação (Assespro). Trata-se, no entanto, de um dado muito vago. “Uma enorme parte desse contingente é de paraquedistas, gente que só exerce funções operacionais em departamentos de TI”, diz Roberto Mayer, vice-presidente da Assespro.

Um dos problemas, segundo Mayer, é a qualidade da formação. “Os bons programadores saem das melhores universidades, mas, para formar empreendedores digitais, precisaríamos aprimorar a formação, incluindo mentoria e noção de empreen­dedorismo.”

Na França, outro país que já detectou uma escassez de programadores, uma experiência pode servir de exemplo para o Brasil: a École 42, que nasceu com o objetivo de formar 1 000 engenheiros de software altamente qualificados por ano, por meio de um programa intensivo de treinamento que dura três anos.

Nesse período, os estudantes aprendem tudo para se tornar programadores independentes e trabalhar em empresas ou startups. Situada em Paris, a escola é gratuita, não tem salas de aula e possui 1.000 computadores Mac que ficam disponíveis 24 horas por dia durante todos os dias da semana.

Também há espaços para trabalho colaborativo, auditório, salas de descanso e lugares onde os alunos podem debater e tirar dúvidas. Mas não existem classes nem professores. 

Os alunos cumprem desafios de programação distribuídos pelos coordenadores. Esses desafios ficam cada vez mais difíceis ao longo dos meses. Embora não exista grade curricular, há um cronograma a ser seguido com palestras ministradas pelos próprios alunos sobre temas como inteligência artificial e projetos práticos que ensinam sobre vírus e segurança da informação, por exemplo.

Ao fim do primeiro ano, terão sido desenvolvidos 48 projetos de complexidades diferentes. “Eles levam esse conceito de aprendizado autônomo às últimas consequências, o que conta mesmo é o esforço pessoal e a interação”, diz o jornalista Rafael Cabral, de 26 anos, que vive em Paris e participou de uma das etapas do processo seletivo, chamada “piscina”, fase em que os pré-selecionados passam um mês na escola parisiense incumbidos de resolver desafios mais complexos de codificação — o trabalho é intenso e a carga horária é de 100 horas por semana. “A maioria dos alunos dorme na escola mesmo, é possível levar colchões infláveis e há uma estrutura razoável, com chuveiros, food truck, máquinas de café, bebidas e comida”, diz Rafael.

A educação é baseada no trabalho colaborativo dos estudantes. “Desenvolvemos e testamos essa metodologia durante dois anos na Epitech”, diz Nicolas Sadirac, um dos criadores e diretor-geral da École 42. Em 1999, Nicolas fundou a Epitech, maior escola particular de informática na França, da qual foi diretor até 2013. A experiência foi fundamental para criar a nova instituição. “O sistema em que os estudantes ensinam uns aos outros garante melhores resultados”, afirma.  

A ideia é desenvolver, sobretudo, a criatividade, o trabalho em equipe e o empreendedorismo para aumentar a inovação dos alunos. “Você é o responsável por sua educação e o que existe é um sistema para mediar e julgar seu avanço”, diz Rafael. “O objetivo não é escolher o sabe-tudo, mas quem se adapta, aprende e espalha.”

Imersão tecnológica

Segundo os fundadores da escola, a França tem sérios problemas de formação de desenvolvedores. Para eles, o atual sistema de ensino não funciona. As universidades públicas, acessíveis ao maior número de pessoas, nem sempre oferecem treinamento adaptado às necessidades das empresas.

Já as escolas particulares, com formação de qualidade, são caras, o que exclui possíveis talentos. Por isso, a École 42 quer ser acessível a todos. Além de gratuita, a instituição não exige formação prévia — cerca de 40% dos alunos nem sequer completaram o ensino médio.

Mas há também estudantes que vieram de universidades prestigiadas, como Stanford e MIT. A única restrição é que o aluno tenha de 18 a 30 anos. A média de idade é de 22 anos. Para se inscrever, basta acessar o site (candidature.42.fr) e fazer um teste online que consiste em um desafio de programação a ser solucionado.

No ano passado, 70 000 inscritos concorreram a 700 vagas. Desse total, 20 000 completaram o teste e 4 000 foram convidados para a segunda etapa, a “piscina”. Apenas 890 candidatos sobreviveram à seleção. Os homens são a maioria esmagadora: 89%. Até agora, o método alternativo de aprendizado tem mostrado resultados positivos. Um primeiro grupo de estudantes já fez estágios em empresas conhecidas pela inovação, como Google, Apple e Facebook. 

Inaugurada em novembro de 2013, a École 42 foi criada pelo bilionário Xavier Niel com outros três ex-dirigentes da Epitech. Dono de uma fortuna de 7,3 bilhões de dólares, segundo a revista americana Forbes, ele doou 50 milhões de euros ao projeto e é comum vê-lo circular pelo pedaço.

O valor garantiu a construção e a manutenção da escola pelos próximos dez anos, sem a necessidade de cobrança de matrícula e mensalidade. Após esse período, a expectativa é que a escola se mantenha graças a doações de ex-alunos. Mas a boa ação de Xavier tem fundamento.

Ele é um dos grandes empreendedores de tecnologia da França, dono de um conglomerado de telecomunicações no país, do qual faz parte a operadora Free. A empresa oferece um pacote de 19,99 euros por mês que garante ligações, internet e mensagens de texto ilimitadas durante o período — metade do preço cobrado pelas outras três operadoras do país.

E, segundo o empresário, só consegue isso graças à competência da equipe de inovação. “Trabalho na internet há 20 anos e o problema é sempre o mesmo: como recrutar talentos que criarão produtos inovadores?”, disse Xavier em uma entrevista. Quem sabe a École 42 não seja uma maneira de resolver de uma vez por todas a questão

Acompanhe tudo sobre:Edição 198EducaçãoEngenhariaEngenheirosEuropaFrançaPaíses ricos

Mais de Carreira

Home office sem fronteiras: o segredo da Libbs para manter o trabalho remoto sem parar de crescer

Escala 6x1: veja quais setores mais usam esse modelo de trabalho, segundo pesquisa

Como preparar um mapa mental para entrevistas de emprego?

Para quem trabalha nesses 3 setores, o ChatGPT é quase obrigatório, diz pai da OpenAI, Sam Altman