Carreira

CEO da Coursera: o diploma não morreu, mas a educação foi reinventada

A pandemia mudou a educação, mas não vai matar o diploma. Confira a entrevista com Jeff Maggioncalda, CEO da Coursera

Jeff Maggioncalda, CEO da Coursera (Coursera/Divulgação)

Jeff Maggioncalda, CEO da Coursera (Coursera/Divulgação)

Luísa Granato

Luísa Granato

Publicado em 19 de junho de 2021 às 09h00.

Última atualização em 25 de junho de 2021 às 11h04.

Quando as escolas fecharam, as viagens foram canceladas e as casas viraram escritório, a Coursera viu 30 milhões de pessoas se inscrevendo em seus cursos online. Segundo Jeff Maggioncalda, CEO de uma das principais plataformas do mundo de educação digital, os efeitos no ensino após 2020 serão irreversíveis.

“Nem tudo foi bom. Vamos ser bem honestos aqui: para crianças pequenas, foi ruim. O aprendizado na infância é social, com um professor dando auxílio e abraços. Você não tem como fazer isso online. No entanto, para adultos, e especialmente para quem já trabalha, foi diferente”, disse Maggioncalda em entrevista exclusiva para a Exame

Na medida que o trabalho se torna mais flexível e novas carreiras digitais começam a concretizar o tão anunciado futuro do trabalho, o CEO acredita que será criado um ciclo de incentivo: em busca de mais flexibilidade, os profissionais vão migrar para profissões mais digitais.

“Nos Estados Unidos, mais pessoas tem deixado seus empregos do que nunca. Parcialmente por causa da covid-19, mas muitos não gostam de seus empregos e perceberam que podem escolher algo mais flexível se aprenderem novas habilidades”, fala ele.

Com a necessidade de fechar o déficit de profissionais no mercado de tecnologia rapidamente, o aprendizado online supre essa demanda com mais facilidade e com um foco maior em empregabilidade.

E se isso antes parecia sinalizar o fim do diploma universitário, a tendência hoje é diferente: os dois cursos mais acessados da Coursera no Brasil são de professores da Universidade de São Paulo; o curso de Suporte de TI do Google abre a porta para cursar computação na Universidade de Londres; e a Universidade Federal Rural de Pernambuco oferece cursos online para complementar as habilidades dos alunos.

Com pouco mais de um ano de sua criação, o braço de cursos online da Exame, a Exame. Academy, passou a ser parceria da Unisinos e da Trevisan para oferecer cursos de MBA online com foco em demandas do mercado, como ESG, Ciência de Dados e Inovação. A tendência é que os modelos de ensino superior com diploma e os cursos livres com certificados digitais se complementem.

“As universidades estão percebendo que as empresas procuram por habilidades técnicas que nem existem tantos professores para ensinar. E você precisa adicionar mais opções rapidamente ao currículo de acordo com a tecnologia e inovação. Não vamos deixar de ter o diploma também”, fala o CEO. 

Os 10 cursos mais populares no Brasil: 

  1. Marketing Digital
  2. Introduction to Computer Science with Python (Part 1)
  3. The Science of Well-Being
  4. Systematic Review and Meta-analysis
  5.  English for Career Development
  6. Learning How to Learn: Powerful mental tools to help you master tough subjects
  7. Machine Learning
  8. Financial Management
  9. Financial Markets
  10. UX / UI: Foundations of Interface Design

Carreiras do futuro

No Brasil, o site tem hoje 3,2 milhões de alunos e 46% deles acessam os cursos pelo celular. Esse é um dos dados publicados na pesquisa Global Skills Report 2021, que fez um mapeamento das habilidades em alta em 100 países. Entre todos os países, o Brasil ficou no 83º lugar em proficiência em habilidades digitais.

Uma das métricas de destaque da pesquisa é a do tempo para desenvolver habilidades digitais. Um profissional recém-formado ou mudando de carreira pode desenvolver um conjunto de competências para entrar em uma carreira digital com 35 a 70 horas de estudo. O equivalente a 10 horas de aprendizado por semana por apenas um ou dois meses.

No entanto, alguém sem experiência em tecnologia e sem diploma de ensino superior pode levar mais tempo para entrar em uma carreira digital: são 80 a 240 horas de estudo até estar pronto para o mercado.

Gráfico mostra as horas de estudo para um profissional estar pronto para entrar em carreiras da economia digital (Coursera)

Confira a entrevista completa com o CEO da Coursera, Jeff Maggioncalda

Como você sente que o último ano mudou a educação e como as pessoas aprendem?

Quando olharmos para trás e vermos os impactos, vamos descobrir uma abertura para novas oportunidades inesperadas. No entanto, a pandemia foi uma experiência terrível e temos parceiros, especialmente na América Latina, que ainda estão passando por tempos difíceis. Com a Covid, nós vimos as possibilidades de ensinar e aprender online. Segundo a Unesco, em abril, havia uma estimativa de 1,6 bilhões de estudantes com suas escolas fechadas e aprendendo online.

Nem tudo foi bom. Vamos ser bem honestos aqui, para crianças pequenas, foi ruim. O aprendizado na infância é social, com um professor dando auxílio e abraços. Você não tem como fazer isso online. No entanto, para adultos, e especialmente para quem já trabalha, foi diferente.

Nas universidades, o aprendizado não foi tão bom quando os professores não tinham o material necessário. Eles apenas ligavam a câmera no zoom ou Google meets e davam a aula normalmente, o que gerou a fadiga de zoom.

Por outro lado, durante 2020, 30 milhões de pessoas chegaram ao Coursera para aprender online. E não era uma aula por zoom. Eram aprendizados práticos, experiências interativas e adaptadas para o vídeo. E muitos gostaram.

Hoje temos aproximadamente 3 milhões de alunos na América Latina, um crescimento de 60%. E vemos que a maioria está usando o telefone celular. Vemos o aprendizado se tornando mais flexível e acessível, fazendo a educação online como uma parte do aprendizado.

Uma coisa grande que vejo para o futuro é que o trabalho remoto é mais acessível para empregos digitais – e dá maior flexibilidade para aprender novas habilidades. E aprender habilidades para esses empregos permite que mais pessoas possam trabalhar remotamente. Os alunos no Brasil podem não morar em uma cidade grande e começar a conseguir empregos sem sair da sua cidade. Acho que o aprendizado online vai ter grande impacto nesse ciclo.

A pesquisa mostrou carreiras que exigem mais horas de aprendizado e diferentes caminhos para reskill e upskill. Considerando as demandas do mercado, existem vagas para fazer uma transição rápida?

Estamos criando toda uma nova coleção de certificados para empregos de entrada. Temos o certificado de Suporte de TI do Google, por exemplo, em diversas línguas. E temos diversas profissões que você pode entrar sem um diploma de ensino superior ou experiência. Você não precisa começar como cientista de dados, mas pode entrar na carreira como analista para limpar dados com um certificado de estatística. No UX Design, você pode aprender sobre estruturar visualizações lógicas. Ou, em cibersegurança, aprender a encontrar padrões suspeitos, o que é mais acessível.

Nos Estados Unidos, mais pessoas tem deixado seus empregos do que nunca. Parcialmente por causa da covid-19, mas muitos não gostam de seus empregos e perceberam que podem escolher algo mais flexível se aprenderem novas habilidades. Temos cargos muito acessíveis com apenas 50 horas de aprendizado, como especialista em marketing ou marketing para redes sociais.

E quais os desafios para migrar de empregos com menos demanda para empregos com mais demanda?

Não é fácil para muita gente. Olhando para o México, temos um dado de cerca de 75% de pessoas sem educação superior e com limitação financeira. A acessibilidade nesse sentido é uma das grandes razões para muitos não fazerem uma mudança.

Outro problema é o tempo, é difícil treinar para um novo emprego quando você usa todo seu tempo para o emprego atual. Quando os cursos custam menos, você pode fazê-los onde e quando quiser, de noite ou em casa, sem ter que se deslocar para uma escola e podendo cuidar da sua família... essas são algumas coisas que os cursos online oferecem, você pode aprender habilidades online quando quiser.

E um problema ainda é que as pessoas não sabem o que está disponível para elas. Estamos juntando uma nova ferramenta, o Coursera Plus. Você paga uma taxa e pode testar todos os cursos profissionalizantes iniciantes, pode ser UX e Ciência de Dados ou Gestão de Projetos. Assim, você pode descobrir o que é para você e ter a habilidade de explorar as opções.

No Brasil, um dos cursos mais acessados é relacionado ao aprendizado contínuo. Você vê que as pessoas têm se conscientizado dessa tendência para o futuro do trabalho?

Eu acredito que esteja mudando, sim. O curso de “Aprender a aprender” é o sexto no Brasil e sempre ficou no top 5 desde que foi lançado. A forma de pensar no aprendizado tem mudado. Há cinco ou 10 anos, você aprendia na faculdade e entrava em um emprego. Então, cada vez mais empresas começaram a dizer que queriam que os funcionários voltassem a estudar. Parecia algo que você era obrigado a fazer pela empresa, não para você.

Agora, as pessoas pensam no que podem aprender para elas. Com a pandemia, acho que as pessoas perceberam que o aprendizado por ser um caminho para maior liberdade e flexibilidade. Você aprende para mudar sua vida, não para o outro. Eu percebo que quem chega ao Coursera quer uma mudança. E isso é algo que a educação sempre prometeu fazer, oferecer um caminho para a vida que as pessoas desejam ter.

E como cursos online se conectam com o mercado de trabalho?

No certificado do Google, temos 130 companhias procurando por profissionais de suporte de TI. E continuamos a adicionar mais empresas para direcionar os alunos quando terminam. Mas não é só isso: temos uma conexão com a Universidade de Londres. Quem faz Ciência da Computação tem 12 créditos se obtiver o certificado do Google. Então, o novo emprego te dá flexibilidade e ainda conta como um primeiro passo para um diploma. Isso é muito poderoso, pois não dá só um emprego agora, mas a possibilidade de conseguir um emprego melhor e abrir mais oportunidades depois.

Com a educação online, houve um tempo que se falava na morte do diploma. Então isso mudou?

Mudou. Nós tivemos no Brasil inscrições de 68 mil alunos pela Universidade Federal Rural de Pernambuco. Estamos integrando os certificados profissionalizantes com a experiência universitária. Primeiro, a pessoa tem uma profissão, depois complementa com o diploma de ensino superior. Assim, temos maior empregabilidade desses alunos e uma colaboração com a indústria. Não é a morte do diploma, mas a reinvenção e atualização.

As universidades estão percebendo que as empresas procuram por habilidades técnicas que nem existem tantos professores para ensinar. E você precisa adicionar mais opções rapidamente ao currículo de acordo com a tecnologia e inovação. Não vamos deixar de ter o diploma também.

E o inverso também ocorre. Alguns dos nossos cursos mais acessados são de Digital Marketing e de Python, que são da USP. As universidades também estão saindo do campus para ensinar para um público mais amplo.

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