Carreira

Burnout vira doença do trabalho em 2022. O que muda agora?

A nova classificação na OMS entre em vigor em 2022 e torna a Síndrome do Burnout uma doença ocupacional

 (Denis Novikov/Getty Images)

(Denis Novikov/Getty Images)

Luísa Granato

Luísa Granato

Publicado em 9 de dezembro de 2021 às 06h00.

Última atualização em 14 de dezembro de 2021 às 09h54.

A Síndrome de Burnout vai mudar e já tem data marcada. A partir do dia 1 de janeiro de 2022, entra em vigor a nova classificação da Organização Mundial da Saúde (OMS), a CID 11. Com isso, o Burnout passa a ser tratado de forma diferentes – e as empresas precisam ficar atentas para esse risco. 

Nas palavras do texto, a síndrome será oficializada como “estresse crônico de trabalho que não foi administrado com sucesso”. No texto anterior, ela era considera ainda como um problema na saúde mental e um quadro psiquiátrico. 

A alteração aconteceu em conferência da organização em 2019, mas o documento entra em vigor a partir do próximo ano. Para alterar o documento, a OMS analisa estatísticas e tendências da saúde. 

O texto é um tratado para reconhecer doenças e problemas de saúde no mundo de acordo com as mesmas definições e códigos. Além do Burnout, o CID 11 também inclui na lista de doenças o estresse pós-traumático, distúrbio em games e resistência antimicrobiana. 

O que é a Síndrome de Burnout agora?

Em 2019, a OMS classificou o Burnout como um “fenômeno ligado ao trabalho" e descreve seus sintomas como: 

  • sensação de esgotamento 
  • cinismo ou sentimentos negativos relacionados a seu trabalho 
  • eficácia profissional reduzida  

Para o médico, psiquiatra, PhD e professor da Fundação Dom Cabral, Roberto Aylmer, a mudança na classificação faz a relação da doença com o ambiente de trabalho e traz uma interpretação direta e indireta de responsabilidade da empresa sobre a saúde integral dos funcionários. 

“É claro quando colocam como uma doença relacionada ao trabalho, e não ao trabalhador. O estresse mal administrado se torna um problema crônico relacionado ao local de trabalho e problemas de gestão da empresa”, afirma. 

Segundo o especialista, o reconhecimento pela OMS terá um efeito em processos trabalhistas relacionados ao tema. No caso de o funcionário recorrer à Justiça por causa de esgotamento, a empresa pode ser responsabilizada e até pagar indenização. 

Segundo o médico, a implicação de responsabilidade já acontece, mas pode ser difícil de conseguir.  

“Com essa classificação, uma vez que o médico faz o diagnóstico, a empresa tem culpa. Não é a pessoa que é exigente demais, perfeccionista ou faz parte de um perfil mais propenso, não é mais uma cobrança interna apenas”, diz. 

Na Justiça, a responsabilização da empresa será avaliado a partir do laudo médico comprovando o Burnout junto com o histórico do profissional e uma avaliação do ambiente de trabalho, inclusive coletando relatos de testemunhas. Em geral, serão coletadas provas de uma degradação emocional e fatores causadores da síndrome, como assédio moral, metas fora da realidade ou cobranças agressivas.

Aylmer explica que é comum que o profissional com o Burnout tenha um histórico de boa performance que se reverte diante de uma mudança no ambiente, como uma mudança na gestão ou de demandas.

De acordo com o Índice de Bem-estar Corporativo do Zenklub em 2021, publicado com exclusividade pela EXAME, o sinal de alerta para o Burnout precisa estar ligado na maioria das empresas.  

Com o índice geral de bem-estar no mercado brasileiro recebendo a nota de 49,25, numa escala de 0 a 100, as empresas brasileiras ficaram abaixo o índice ideal de 78. O levantamento teve mais de 1.600 respostas de funcionários de 335 empresas. 

Dependendo da nota, alguns fatores influenciaram positivamente ou negativamente nesse dado geral. A maior nota positiva foi para o relacionamento com colegas, de 74,68. Entre os fatores que afetaram negativamente o bem-estar geral, o Burnout aparece como o maior alerta, com os profissionais relatando sintomas de esgotamento. 

Outros dois fatores aparecem como avisos para um trabalho mais preventivo. Em segundo lugar, o alto volume de demanda e controle sobre o trabalho tira a autonomia e pode levar a um quadro de Burnout. E em terceiro, o fator de adição ao trabalho mostra o sentimento de sobrecarga em alta entre os profissionais.

Confira os alertas que ameaçam o bem-estar nas empresas: 

(Patrícia Lima/Exame)

O que as empresas precisam fazer agora?

Se antes o esgotamento e o estresse preocupavam a gestão de pessoas pela falta de engajamento, menor produtividade ou a perda de profissionais, agora o Burnout ganha mais um fator de risco jurídico e financeiro. 

Para Rui Brandão, médico e fundador do Zenklub, as empresas precisam se posicionar de forma mais proativa nas questões de saúde integral para mitigar os riscos.  

“É necessário trazer elementos para que todos consigam ter consciência mais rápido e prevenir”, diz. 

O executivo percebeu que as empresas tinham ações desestruturadas para lidar com o tema e com pouca ou nenhuma medição de efetividade. Era uma aula de ioga, um espaço de descompressão que ficou em desuso no escritório ou uma roda de conversa ocasional sobre saúde mental. 

“Falta coerência e estratégia”, diz Brandão. 

Em pesquisa da Kenoby com profissionais de recursos humanos, 93% deles disseram que as empresas ainda ignoram as questões de saúde mental. Entre os entrevistados, 53,4% não sabiam dizer se a empresa pretende investir em saúde mental. Outros 35% responderam que o investimento virá em menos de um ano. 

Vendo os resultados do Índice de Bem-estar Corporativo do Zenklub em 2021, a startup fez parceria com a empresa de pesquisa Humanizadas para criar o Índice de Maturidade de Bem-estar Corporativo, o IMBC.  

A ideia foi identificar e organizar 59 práticas de bem-estar para estágio de maturidade das corporações no tema. Com cinco estágios, essa escala vai de um atendimento básico, com plano de saúde e avaliação de desempenho, e passa pelos estágios de segurança, proativo, sistêmico e regenerativo. 

“Esse instrumento ajuda a entender onde você está na jornada e quais são as ações para dar o próximo passo. Algumas vezes, as empresas pulam etapas das necessidades mais básicas. Não adianta colocar um espaço zen e a cultura da empresa não permite que a pessoa possa meditar”, diz Pedro Paro, CEO da Humanizadas. 

Evolução da cultura 

Aylmer acredita que a mudança na classificação do Burnout eleve a discussão sobre saúde mental e que a tendência é que a cobrança entre na área de ESG da empresa dentro do pilar social.  

“A próxima fronteira é a saúde mental. Como que a empresa cuida do meio ambiente, da sociedade e não cuida dos próprios colaboradores? A saúde mental vai impactar tanto na sua imagem quanto ser uma empresa poluidora”, diz. 

Para criar ambientes mais sustentáveis de estresse e demanda, um fator essencial é nutrir a segurança psicológica.  

Colocada como fator número um para ter equipes de alta performance, a segurança psicológica também é a tranquilidade de que as pessoas podem compartilhar ideias, errar e aprender sem sofrer punições por isso. 

Para medir a cultura da empresa, o psiquiatra fala em três níveis o grau de maturidade moral das organizações. No primeiro, o clima é de cada um por si e é necessária uma gestão de comando e controle. Depois, a cultura evolui para aceitar normas e agir com confiança mútua. No nível final, todos agem eticamente sem precisar de controle.  

Segundo Aylmer, a maioria das empresas se encontra no segundo nível, mas sempre existem grupos com risco de cair no primeiro nível. Ao descer para o primeiro nível, aumentam os riscos de acidentes, fraudes e doenças. 

Evitar a bola de neve do sofrimento 

Como mostram os dados do Zenklub, o alerta já deveria estar ligado para o risco de Burnout. E Aylmer deixa mais um alerta para as empresas cuidarem de seus funcionários no período pós-pandemia.  

Além do período causar efeitos de estresse pós-traumático similares ao de uma guerra, o psiquiatra vê que todo o processo criou uma bola de neve de sofrimento.   

“Tivemos um acumulo de coisas esquisitas e estressantes, não poder sair de casa, lidar com a morte, alto desemprego, trabalho em casa sem poder recarregar... foi muito doloroso”, diz.  

Um comportamento que deve ser tratado agora é a mentalidade de demonstrar comprometimento no trabalho por meio do sofrimento. Horas extras, mensagens fora do expediente, trabalho no final de semana são formas de mostrar para empresa o trabalho duro.  

E são todas fontes de estresse e o caminho para o esgotamento. “Acho que as empresas devem se esforçar para tratar esses sinais como fatores coletivos. A mensagem que deve nos guiar agora é: ‘É normal não estar normal quando as coisas não estão normais’”. 

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