Aprender idiomas com inteligência artificial é para você?
Veja como a IA generativa pode ajudar e atrapalhar o processo de aprendizagem de uma língua
Redação Exame
Publicado em 24 de junho de 2024 às 16h19.
Última atualização em 24 de junho de 2024 às 16h59.
Por Rose Souza fundadora da Companhia de Idiomas
Estava curiosa para ver como a IA generativa pode contribuir com a aprendizagem de idiomas.
Primeiro, considero que só podemos dizer que sabe um idioma quando é capaz de se comunicar em diversos contextos, lendo, escrevendo, ouvindo e falando naquele idioma (mesmo que imperfeitamente).
Esse artigo não é para avaliar se um dia deixaremos de precisar ou querer aprender, pela possibilidade da IA generativa substituir a nossa inteligência. Posso escrever sobre isso depois.
Estou investigando se a IA generativa pode nos ajudar — e se pode atrapalhar — o processo de aprendizagem de um idioma.
Então, fui conhecer na prática…
Depois de várias conversas com engenheiros que desenvolvem diversas plataformas que usam IA generativa especificamente para aprendizagem de inglês e espanhol, e de ter experimentado algumas, aqui vão minhas conclusões, ainda preliminares, mas que podem ajudar a aumentar nossa capacidade de reflexão sobre o tema.
A IA generativa pode ajudar, se você tem:
- Tempo para praticar: comunicar-se com o Google Gemini ou ChatGPT, por exemplo, no idioma que você está aprendendo, é uma oportunidade de pensar no idioma, usar estruturas e vocabulário, fazer perguntas, obter as respostas. Nem sempre conseguimos praticar com pessoas, especialmente por conta de agenda e a IA está disponível 24 horas sete vezes por semana.
- Vergonha de falar: não tem coragem de se expor diante das pessoas falando um idioma, a IA pode ajudar a criar um ambiente de simulador que fortalece sua segurança. A IA não julga, é uma máquina, embora pareça humana. Há alguns cuidados aqui, falo mais adiante.
- Disciplina, incorpora facilmente hábitos: se você tem bicicleta ergométrica em casa (e usa todo dia), lê por prazer mesmo tendo dois canais de streaming, super se engaja em cursos gravados, abre de vez em quando o Notion no celular para revisar anotações ao invés de abrir o Instagram, é possível que você supere a fase da paixão pela IA (que eu já tive) e conquiste a regularidade de contato com ela.
A IA pode atrapalhar, se você…
- Não tem muito tempo para praticar, e escolhe praticar apenas com a IA: se a IA fizer você falar menos com humanos, então, embora pareça muito útil, ela pode atrapalhar você a médio prazo. O lugar da aprendizagem não é confortável. Pode ser leve, divertido, mas não é a zona de conforto. E a IA é bastante confortável, em diversos aspectos. Você pode gostar disso até demais, negligenciar o contato humano, e achar que está chegando lá - o que é uma ilusão. Se você tem tempo de usar a IA e se expor diante de pessoas, com regularidade, aí a IA pode ajudar.
- Não tem coragem de arriscar: e como um aprendiz de piloto de avião que fica só no simulador de voo, achando que está voando. O simulador ajuda, mas não é a vida real. Então, mesmo que a IA seja uma ferramenta de prática, você precisa se jogar, ir para o mundo, praticar com o vizinho, ensinar alguém, estudar junto com pessoas, propor comunicação no idioma com amigos. Tudo isso durante o processo de aprendizagem, se expondo para ser fluente, e não quando for fluente.
- Não tem muita disciplina: passada a fase da paixão e encantamento, é possível que você se desengaje. É mais fácil entrarmos em uma aula online ao vivo porque sabe que o professor está esperando, do que ver vídeos. É mais fácil irmos para a academia quando tem um personal sendo pago para nos atender, do que caminhar na esteira que está na nossa varanda. Normalmente nos comprometemos mais com outras pessoas do que conosco - e o compromisso com máquinas… será que temos?
- Terceiriza as atividades: se você ao invés de escrever, já pede um texto pronto, economiza tempo. Mas, aos poucos, vai deixando de evoluir em habilidades de reflexão, curadoria, análise, escrita, vocabulário, interpretação. Você está terceirizando essas habilidades, como um dia delegamos para as máquinas a capacidade de decorar telefones ou se locomover em uma cidade. Em nome da praticidade, estamos deixando de pensar. Aqui, é usar a IA sem terceirizar a sua evolução cognitiva.
- E como a IA muda todo dia, esse artigo será permanentemente atualizado.
O que não muda?
- Entender que somos aprendizes únicos: cada um com seu jeito, sua história, suas crenças, seus traumas e motivações. Tem pessoa que se engaja por necessidade, por propósito, porque está na agenda, porque gosta da pessoa que o está estimulando naquele processo.
- Promover conexões intencionais: observar que vivemos em uma sociedade hiperdigitalizada, e que, como antídoto, pela nossa saúde mental, podemos desenvolver conexões com pessoas, vencermos os desafios dos relacionamentos e superar nossos traumas que são potencializados quando nos relacionamos.
Não é porque podemos muito que devemos fazer tudo, sem saber estabelecer limites para nós mesmos. Meu conselho é que você pesquise, teste, perceba livremente o que te ajuda e o que te atrapalha a aprender, e se mantenha responsável por sua evolução.