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Estão botando abaixo as paredes da Goodyear

Na Kodak, Jaime Cohen Szulc foi um dos executivos que puxaram a empresa para a era digital. Na presidência da Goodyear América Latina há 10 meses, ele está quebrando as barreiras para inovar

Jaime Cohen Szulc, presidente da Goodyear América Latina: “Uma coisa que aprendi foi aceitar o que eu não faço bem e não ter vergonha disso” (Ricardo Benichio/EXAME.com)
DR

Da Redação

Publicado em 13 de junho de 2013 às 19h13.

São Paulo - O engenheiro civil Jaime Cohen Szulc, de 48 anos, é um sujeito carismático e bastante prático. À frente da Goodyear América Latina desde setembro do ano passado, o executivo tem o desafio de fazer com que uma das maiores fabricantes de pneus do mundo inove além do produto.

O jeito informal, estilo em dia com a moda e esbanjando simpatia e apertos de mão a todos que cruzam seu caminho espantaram num primeiro momento os executivos mais tradicionais da empresa.

Sua primeira grande missão é mudar a cultura da Goodyear, quebrando a formalidade e as paredes da empresa, literalmente. Hoje a fabricante de pneus tem centenas de departamentos e uma burocracia enorme. Ambiente que não favorece a inovação nem a produtividade, características que o mercado de pneus agora exige.

Jaime começou a carreira como engenheiro civil, fez cursos de psicologia, astrologia e teatro, pensou em ser presidente da Procter & Gamble (P&G), multinacional americana de bens de consumo, aos 27 anos, e depois desistiu.

Foi trabalhar na americana Kodak, onde capitaneou a mudança no negócio da empresa, que abandonou a ideia de ser líder de um mercado que estava morrendo (o de filme fotográfico) para entrar na era digital. Saiu e foi para a Levi’s, onde inaugurou o primeiro cargo de chefe global de marketing. Como se vê, mudar está no seu sangue. A seguir, confira trechos editados da conversa de Jaime com a reportagem da VOCÊ S/A.

Início de carreira

“Eu me formei em engenharia civil pela Universidade de São Paulo em 1988. Na época, eu tinha um monte de ideias que queria aplicar na empresa em que trabalhava, mas havia um conservadorismo muito forte. Até que uma amiga me perguntou se eu queria fazer um teste na Andersen Consulting [atual Accenture]. Fiz a prova, passei e comecei do zero, porque o salário era bem baixo, mas viajava bastante e aprendia muito.

Fiz dois anos e meio de consultoria e nessa época a P&G estava entrando no Brasil. Fiz o teste e fui ser entrevistado para a área de manufatura. E quando a gente é moleque e perguntam o que queremos ser, falamos que queremos ser presidente da empresa. Daí o cara me disse que para ser presidente da empresa teria de passar pelo marketing e me indicou para lá. Acabaram me contratando.

E mais uma vez comecei do zero, ganhando menos do que ganhava na consultoria. Acabei ficando quatro anos na P&G e recebi uma oferta para trabalhar na Johnson & Johnson no Rio. Eu ainda morava com meus pais em São Paulo. Eu tinha 31 anos. Foi a primeira vez que fui ganhar mais. Fiquei quatro anos.”

Deixando o Brasil

“George Fisher, que tinha sido presidente da Motorola e virou executivo-chefe da Kodak, queria introduzir um jeito novo de olhar o mercado. Ele trouxe muita gente de marketing e me contrataram para fazer marketing na América Latina. Fui morar em Miami e, quatro anos depois, me deram o controle de consumo, profissional e digital das Américas, que incluia os Estados Unidos e o Canadá. Não foi fácil no início, principalmente por ser um brasileiro assumindo uma operação de 4 bilhões de dólares. Tive de lidar com muita intriga e fofoca.”

A grande virada

“Com a ajuda do diretor financeiro mundial da Kodak, que trabalha hoje comigo aqui na Goodyear, convenci o presidente mundial de um plano que era maluco: perder participação geral de mercado em filme de película e fazer a volta por cima com digital. Colocamos um plano agressivo de cortar 55% dos custos em dois anos, de não defender a participação de mercado em filme e avançar em digital. Montamos uma estratégia na Black Friday, um dia de grandes promoções que acontece antes do feriado de Ação de Graças nos Estados Unidos, a segunda maior data de vendas do comércio americano.


Conseguimos mais de 90% de todos os encaixes das promoções mais importantes e naquele ano viramos líder de câmeras digitais e não saimos mais. Eu estava em Atlanta, já casado, com filhos, e pensava em voltar para o Brasil quando me deram o trabalho de chairman da Kodak na Europa, que era complicado e praticamente ninguém tinha sido bem-sucedido. Era um desafio. E eu adoro isso. Topei.”

O peso do cargo

“Eu estava superfeliz em Genebra, na Suíça, quando me promoveram para trabalhar na sede da Kodak. Foi a primeira vez que questionei minha carreira. Sempre achei que se pode trabalhar com qualquer coisa e com qualquer pessoa, mas esse trabalho na sede me ensinou que eu não podia trabalhar com qualquer pessoa. O peso do cargo era muito grande, eu fui parar no hospital duas vezes por estresse, até que decidi que não queria aquilo para mim.”

O mundo da moda

“Sempre gostei de moda, sempre me vesti diferente da maioria e queria trabalhar na área, mas ninguém me queria. Daí uma headhunter da Korn/Ferry me apresentou para o pessoal da Levi’s, a única que me aceitou. Eu me dei superbem, principalmente com o chairman, que era o Garry Rogers.

Mas três meses depois Garry saiu e naquela época eu tive uma doença grave, meu filho também e meu pai morreu, tudo ao mesmo tempo. Eu fiquei sem o meu mentor na Levi’s. Chega um ponto na vida que você tem um preço a pagar. Chega uma hora que você diz “eu não preciso, eu não quero”. Eu queria voltar para o Brasil. Daí o Bob Kingan, que foi meu chefe na Kodak e era o chairman da Goodyear, me chamou para conversar — e o resto é história.”

Lições

“O processo de mudança é muito difícil. Primeiro é a negação. Você nega para si mesmo que as coisas estão mudando. Depois fica revoltado, depois aceita e até abraçar a ideia leva um tempo que depende da maturidade intelectual, espiritual e de quão pronto se está para a mudança. E uma coisa que aprendi foi aceitar o que eu não faço bem e não ter vergonha disso, porque a tendência é querer saber tudo quando se vai para cargos de nível mais alto. É impossível saber tudo.”

Semelhanças

“Na visão profissional aprendi a entender o fundamento de cada área. A cadeia de suprimentos de moda é totalmente diferente da cadeia de eletrônicos, de pneus e de consumo. Contudo, há fundamentos iguais nelas. E, se você aprende a cadeia de suprimentos de moda, saberá utilizar isso em pneus. Por isso é tão importante aprender o que há de melhor em cada área.”

Novos desafios

“A Goodyear está passando por um momento de transformação de mercado, que por muitos anos foi dominado por cinco players. O que está acontecendo agora é a entrada de importados e o crescimento da quantidade de postos de serviços para automóveis, tipo Wallmart e Carrefour, um número grande de carros que estão sendo fabricados e a demanda por novos tipos de pneus.


Para ter uma ideia, em cinco anos dobramos os tipos de pneus vendidos. Ao mesmo tempo, não se tem mais tanto espaço no varejo para colocar tudo isso — e sempre fomos líder de inovação de produto. Então, é necessário pensar criativamente, inovar, fazer parcerias e sermos pragmáticos, porém com empatia pelos distribuidores, fazendo com que os negócios deles cresçam, mas sem ignorar outros canais.”

Quebrando paredes

“Meu projeto número 1 é mudar a cultura daqui, pois todo o resto virá dessa mudança. Um exemplo é a minha sala. Por que eu tenho de ter uma sala maior e fechada? Estamos levando a Goodyear América Latina para um escritório novo e sem paredes, sem salas fechadas.

Vai ter alguns vidros, muretas pequenas e as baias serão do mesmo tamanho para todos, não importa se é assistente, gerente ou diretor. E a Goodyear Brasil, que vai continuar aqui nesse prédio, vai passar por uma mudança de layout com o mesmo conceito. Antes, as pessoas vinham mais formais; eu coloquei jeans e tem gente seguindo. Também não aceito que um cara passe batido e não dê um bom-dia para a pessoa que está arrumando a cozinha. Tem de ter um mínimo de cortesia e educação.”

Novo RH

“Essa mudança inclui gente nova. Estamos trazendo um novo diretor de RH. É o Marvin Boake, que tem 40 e poucos anos, é negro, é canadense, tem filhos e também é um cara com jeitão mais informal.”

Esportes e viagens

“Gosto de atividade física, aproveito o horário do almoço para malhar na academia aqui perto, gosto de andar de bicicleta e adoro viajar. Já conheci vários lugares nesses quase 15 anos vivendo fora do Brasil.”

Livros preferidos

“Há sempre três livros que costumo reler: Imitações de Cristo, de Tomás de Kempis; Em Busca do Sentido, de Viktor E. Frankl; e O Poder do Mito, de Joseph Campbell.”

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São Paulo - O engenheiro civil Jaime Cohen Szulc, de 48 anos, é um sujeito carismático e bastante prático. À frente da Goodyear América Latina desde setembro do ano passado, o executivo tem o desafio de fazer com que uma das maiores fabricantes de pneus do mundo inove além do produto.

O jeito informal, estilo em dia com a moda e esbanjando simpatia e apertos de mão a todos que cruzam seu caminho espantaram num primeiro momento os executivos mais tradicionais da empresa.

Sua primeira grande missão é mudar a cultura da Goodyear, quebrando a formalidade e as paredes da empresa, literalmente. Hoje a fabricante de pneus tem centenas de departamentos e uma burocracia enorme. Ambiente que não favorece a inovação nem a produtividade, características que o mercado de pneus agora exige.

Jaime começou a carreira como engenheiro civil, fez cursos de psicologia, astrologia e teatro, pensou em ser presidente da Procter & Gamble (P&G), multinacional americana de bens de consumo, aos 27 anos, e depois desistiu.

Foi trabalhar na americana Kodak, onde capitaneou a mudança no negócio da empresa, que abandonou a ideia de ser líder de um mercado que estava morrendo (o de filme fotográfico) para entrar na era digital. Saiu e foi para a Levi’s, onde inaugurou o primeiro cargo de chefe global de marketing. Como se vê, mudar está no seu sangue. A seguir, confira trechos editados da conversa de Jaime com a reportagem da VOCÊ S/A.

Início de carreira

“Eu me formei em engenharia civil pela Universidade de São Paulo em 1988. Na época, eu tinha um monte de ideias que queria aplicar na empresa em que trabalhava, mas havia um conservadorismo muito forte. Até que uma amiga me perguntou se eu queria fazer um teste na Andersen Consulting [atual Accenture]. Fiz a prova, passei e comecei do zero, porque o salário era bem baixo, mas viajava bastante e aprendia muito.

Fiz dois anos e meio de consultoria e nessa época a P&G estava entrando no Brasil. Fiz o teste e fui ser entrevistado para a área de manufatura. E quando a gente é moleque e perguntam o que queremos ser, falamos que queremos ser presidente da empresa. Daí o cara me disse que para ser presidente da empresa teria de passar pelo marketing e me indicou para lá. Acabaram me contratando.

E mais uma vez comecei do zero, ganhando menos do que ganhava na consultoria. Acabei ficando quatro anos na P&G e recebi uma oferta para trabalhar na Johnson & Johnson no Rio. Eu ainda morava com meus pais em São Paulo. Eu tinha 31 anos. Foi a primeira vez que fui ganhar mais. Fiquei quatro anos.”

Deixando o Brasil

“George Fisher, que tinha sido presidente da Motorola e virou executivo-chefe da Kodak, queria introduzir um jeito novo de olhar o mercado. Ele trouxe muita gente de marketing e me contrataram para fazer marketing na América Latina. Fui morar em Miami e, quatro anos depois, me deram o controle de consumo, profissional e digital das Américas, que incluia os Estados Unidos e o Canadá. Não foi fácil no início, principalmente por ser um brasileiro assumindo uma operação de 4 bilhões de dólares. Tive de lidar com muita intriga e fofoca.”

A grande virada

“Com a ajuda do diretor financeiro mundial da Kodak, que trabalha hoje comigo aqui na Goodyear, convenci o presidente mundial de um plano que era maluco: perder participação geral de mercado em filme de película e fazer a volta por cima com digital. Colocamos um plano agressivo de cortar 55% dos custos em dois anos, de não defender a participação de mercado em filme e avançar em digital. Montamos uma estratégia na Black Friday, um dia de grandes promoções que acontece antes do feriado de Ação de Graças nos Estados Unidos, a segunda maior data de vendas do comércio americano.


Conseguimos mais de 90% de todos os encaixes das promoções mais importantes e naquele ano viramos líder de câmeras digitais e não saimos mais. Eu estava em Atlanta, já casado, com filhos, e pensava em voltar para o Brasil quando me deram o trabalho de chairman da Kodak na Europa, que era complicado e praticamente ninguém tinha sido bem-sucedido. Era um desafio. E eu adoro isso. Topei.”

O peso do cargo

“Eu estava superfeliz em Genebra, na Suíça, quando me promoveram para trabalhar na sede da Kodak. Foi a primeira vez que questionei minha carreira. Sempre achei que se pode trabalhar com qualquer coisa e com qualquer pessoa, mas esse trabalho na sede me ensinou que eu não podia trabalhar com qualquer pessoa. O peso do cargo era muito grande, eu fui parar no hospital duas vezes por estresse, até que decidi que não queria aquilo para mim.”

O mundo da moda

“Sempre gostei de moda, sempre me vesti diferente da maioria e queria trabalhar na área, mas ninguém me queria. Daí uma headhunter da Korn/Ferry me apresentou para o pessoal da Levi’s, a única que me aceitou. Eu me dei superbem, principalmente com o chairman, que era o Garry Rogers.

Mas três meses depois Garry saiu e naquela época eu tive uma doença grave, meu filho também e meu pai morreu, tudo ao mesmo tempo. Eu fiquei sem o meu mentor na Levi’s. Chega um ponto na vida que você tem um preço a pagar. Chega uma hora que você diz “eu não preciso, eu não quero”. Eu queria voltar para o Brasil. Daí o Bob Kingan, que foi meu chefe na Kodak e era o chairman da Goodyear, me chamou para conversar — e o resto é história.”

Lições

“O processo de mudança é muito difícil. Primeiro é a negação. Você nega para si mesmo que as coisas estão mudando. Depois fica revoltado, depois aceita e até abraçar a ideia leva um tempo que depende da maturidade intelectual, espiritual e de quão pronto se está para a mudança. E uma coisa que aprendi foi aceitar o que eu não faço bem e não ter vergonha disso, porque a tendência é querer saber tudo quando se vai para cargos de nível mais alto. É impossível saber tudo.”

Semelhanças

“Na visão profissional aprendi a entender o fundamento de cada área. A cadeia de suprimentos de moda é totalmente diferente da cadeia de eletrônicos, de pneus e de consumo. Contudo, há fundamentos iguais nelas. E, se você aprende a cadeia de suprimentos de moda, saberá utilizar isso em pneus. Por isso é tão importante aprender o que há de melhor em cada área.”

Novos desafios

“A Goodyear está passando por um momento de transformação de mercado, que por muitos anos foi dominado por cinco players. O que está acontecendo agora é a entrada de importados e o crescimento da quantidade de postos de serviços para automóveis, tipo Wallmart e Carrefour, um número grande de carros que estão sendo fabricados e a demanda por novos tipos de pneus.


Para ter uma ideia, em cinco anos dobramos os tipos de pneus vendidos. Ao mesmo tempo, não se tem mais tanto espaço no varejo para colocar tudo isso — e sempre fomos líder de inovação de produto. Então, é necessário pensar criativamente, inovar, fazer parcerias e sermos pragmáticos, porém com empatia pelos distribuidores, fazendo com que os negócios deles cresçam, mas sem ignorar outros canais.”

Quebrando paredes

“Meu projeto número 1 é mudar a cultura daqui, pois todo o resto virá dessa mudança. Um exemplo é a minha sala. Por que eu tenho de ter uma sala maior e fechada? Estamos levando a Goodyear América Latina para um escritório novo e sem paredes, sem salas fechadas.

Vai ter alguns vidros, muretas pequenas e as baias serão do mesmo tamanho para todos, não importa se é assistente, gerente ou diretor. E a Goodyear Brasil, que vai continuar aqui nesse prédio, vai passar por uma mudança de layout com o mesmo conceito. Antes, as pessoas vinham mais formais; eu coloquei jeans e tem gente seguindo. Também não aceito que um cara passe batido e não dê um bom-dia para a pessoa que está arrumando a cozinha. Tem de ter um mínimo de cortesia e educação.”

Novo RH

“Essa mudança inclui gente nova. Estamos trazendo um novo diretor de RH. É o Marvin Boake, que tem 40 e poucos anos, é negro, é canadense, tem filhos e também é um cara com jeitão mais informal.”

Esportes e viagens

“Gosto de atividade física, aproveito o horário do almoço para malhar na academia aqui perto, gosto de andar de bicicleta e adoro viajar. Já conheci vários lugares nesses quase 15 anos vivendo fora do Brasil.”

Livros preferidos

“Há sempre três livros que costumo reler: Imitações de Cristo, de Tomás de Kempis; Em Busca do Sentido, de Viktor E. Frankl; e O Poder do Mito, de Joseph Campbell.”

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