Erika Magallhães, diretora executiva de Gente e Gestão da Camil: “O onboarding, por exemplo, precisa ser encarado como uma jornada, não apenas um dia de integração” (Camil Alimentos /Divulgação)
Repórter
Publicado em 1 de dezembro de 2025 às 13h32.
Última atualização em 1 de dezembro de 2025 às 13h38.
A Camil, empresa brasileira de alimentos decidiu ir além do arroz e feijão. Em quatro anos, a companhia realizou cinco operações de fusão e aquisição, incluindo marcas como Mabel, Santa Amália e Seleto/Bom Dia. Cada movimento traz oportunidades de negócio, mas também um grande exercício de gestão de pessoas, afirma Erika Magallhães, diretora executiva de Gente e Gestão da Camil.
“Eu encontrei aqui exatamente o que me disseram que eu encontraria. Uma empresa de uma cultura forte, que apesar de ter capital aberto, tem uma forte cultura de empresa familiar, comprometida com as pessoas e com o negócio”, afirma a executiva que está no grupo há 7 anos e acompanhou todos os movimentos de M&As.
Hoje, a Camil segue em expansão e em 2024 chegou a um faturamento de R$ 12,3 bilhões. A companhia possui 33 plantas industriais, 25 centros de distribuição e sede administrativa em São Paulo. Atua em grãos, adoçados, biscoitos, cafés, massas e peixes enlatados, com um time de cerca de 6 mil funcionários no Brasil e outros 2 mil em países da América Latina, como Uruguai, Chile, Peru e Equador. A expansão na região, agora com Paraguai no mapa, exigiu que o RH criasse uma “receita” própria para integrar culturas sem perder o “sabor” da origem.
Para unificar a cultura de diferentes empresas, a Camil aposta no que Magalhães chama de “Plano de 100 dias”.
“Procuramos nos primeiros dois meses focar muito no processo de sinergia”, conta a CHRO da Camil. “A gente precisa garantir o tombamento dos processos, trazer as pessoas para dentro, garantir que tudo vai funcionar. Então, o nosso foco é um pouco mais operacional nos primeiros 60 dias.”
Depois dessa fase, entra o componente que, na visão da executiva, determina o sucesso de longo prazo: cultura.
“Logo depois temos um desafio cultural muito grande e só conseguimos fazer essa gestão cultural se estivermos onde as coisas acontecem”, afirma.
Por isso, a liderança vai a campo. “Visitamos as operações e nos reunimos com essas lideranças. Fazemos levantamento de expectativa e entendemos o momento dessas pessoas sendo adquiridas por uma empresa como a Camil”, diz.
Além do RH, Magalhães diz que a presença do CEO é muito importante neste processo. No caso da Camil, o presidente Luciano Maggi Quartiero vai pessoalmente fazer os comunicados e conversar com as novas lideranças.
“O papel da liderança nos casos de fusão e aquisição é fundamental. A gente não pode subjugar o fator humano e o fator das relações quando a gente faz uma aquisição,” diz Magalhães.
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O “Programa Boas-Vindas da Camil” acompanha o funcionário desde a admissão até os primeiros treinamentos na função, conectando prática, negócio e cultura.
“Para que quem chega se sentir pertencente, o onboarding é encarado como uma jornada — não apenas um dia de integração”, conta Magalhães.
Além disso, o RH usa a Camil Academia, plataforma que concentra trilhas de conhecimento, políticas e treinamentos, e recorre a um formato que ganhou força nos últimos anos: podcasts internos.
“Gravamos muito podcast. Resolvemos usar esse recurso de forma eficiente, porque vê que gera um engajamento muito grande, as pessoas adoram esse modelo,” diz a CHRO.
Em paralelo, a companhia estrutura um ecossistema de desenvolvimento que inclui iniciativas como o Camil Evolua (para competências técnicas e comportamentais), a Academia de Líderes, academias de vendas e a Academia do Negócio, voltada a disseminar conhecimento sobre todas as categorias em que a Camil atua.
Um dos exemplos mais simbólicos de como a empresa trata o conhecimento como ativo é a integração da Mabel.
“Quando a gente adquiriu a Mabel, descobrimos que eles tinham a ‘Escola do Biscoito’, um programa superestruturado para ensinar funcionários sobre a categoria”, conta Erika.
Como a Camil já tinha a “Escola de Negócios”, o RH incorporou todo o know-how da Mabel à estrutura de aprendizado da Camil. “Em vez de encerrar o programa, nós integramos a Escola do Biscoito à Escola de Negócios. Não perdemos valor, ao contrário, preservamos e ampliamos aquele conhecimento dentro do universo Camil,” afirma.
O resultado é uma formação mais ampla e transversal, afirma Magalhães.
“Os nossos funcionários de vendas vão conhecer sobre arroz, sobre feijão, sobre açúcar, sobre pescado — e, agora, também a fundo o que é biscoito”, diz.
Outro caso nasceu da aquisição de Seleto/Bom Dia e da montagem do Café União, em Varginha (MG).
“Foi numa dessas conversas que a gente identificou uma carência importante de mecânicos —para atender o nível de exigência da nova operação”, conta. “A partir disso, criamos uma escola de formação para Varginha e Machado”, diz a executiva que montou um programa de desenvolvimento com SESI e SENAI, formando mão de obra, gerando emprego e renda. “Todo esse projeto nasceu desse diálogo com as lideranças durante o processo de aquisição, como parte do nosso programa de integração de recursos humanos.”
Com operações em diferentes países e culturas, a Camil precisou definir o que é base comum e o que pode (e deve) ser adaptado localmente.
“Quando a gente fala de países, existem valores que são inegociáveis. Então, os nossos valores, os nossos comportamentos, a nossa cultura, tudo isso, quando a gente faz uma aquisição, isso é inegociável”, diz Magalhães
Ao mesmo tempo, há espaço para ajustes. “Existem particularidades de cada país que a gente precisa respeitar. Existem programas de RH que às vezes dão liga num país e no outro a gente precisa modelar para poder fazer”, explica. No Brasil, essa lógica também se aplica às unidades. “O Brasil é enorme. Eu tenho uma realidade na minha unidade de pescados diferente da minha unidade de grãos no Sul. São realidades diferentes. E claro que a gente precisa modelar recursos e apontar a direção para as dores daquela organização ou daquela unidade.”
Projetos multiculturais, com times de Brasil e Latam misturados, ajudam a costurar esse tecido. “A contribuição de brasileiros nos projetos em outro país acontece com certa frequência”, diz Erika. “A gente tem projetos onde a gente usa a força de trabalho brasileira com a força de trabalho de Latam. Isso funciona muito bem.”
Na discussão sobre engajamento, Erika evita o discurso simplista de “zerar turnover”. “Eu acho que a gente precisa saber o que é o turnover saudável e o turnover que não é saudável. Na minha opinião, existe o turnover também que é necessário”, afirma.
O foco, diz ela, está em liderança e cultura. “O que a gente tem feito de forma muito efetiva é dizer que a gestão do turnover ou a retenção das pessoas vai muito mais do que o puff colorido”, afirma.
Essas práticas, segundo Magalhães, têm o seu valor, mas ela diz que tem atuado de forma muito incisiva na comunicação e na transmissão da cultura pela liderança.
“Líderes que se importam atuam de forma efetiva, e as pessoas escolhem sair ou ficar por causa da liderança. Essa é a minha crença,” afirma a CHRO.
Para sustentar essa visão, a Camil está no terceiro ano do projeto “Cultura Colaborativa”, que revisitou competências e comportamentos da empresa.
“Saímos de competências muito tradicionais e hoje priorizamos seis competências”, afirma.
Elas são: “pulsar pelo cliente”, “comunicação compartilhada”, “atuação colaborativa”, “liderança engajadora”, “visão estratégica” e “comprometimento com resultados”.
“O ciclo anual dessas competências serve como balizador de todo o planejamento estratégico do RH para o próximo ciclo”, diz Magalhães.
Outro desafio da área é conectar gerações diferentes em um mesmo time. “Eu não falo de conflito de geração, eu falo de encontro de gerações”, diz Magalhães.
“Cada geração tem o seu melhor a dar. E você encontrar o que há de melhor em cada uma das gerações é que promove esse encontro. Não precisa ser uma disputa. Pode ser muito prazeroso e vantajoso.”
Nessa agenda, diversidade, equidade e inclusão são tratadas como compromisso estrutural, não como moda. Desde 2020, a Camil vem investindo em campanhas e programas de letramento, trilhas obrigatórias de DE&I na Camil Academia e ações afirmativas na contratação, especialmente de mulheres em cargos de liderança. “Hoje, metade da diretoria executiva Brasil é composta por mulheres, além de duas conselheiras no conselho de administração”, diz a executiva.
Saúde e bem-estar, com foco crescente em saúde mental, completam o pacote. Uma série de benefícios tangíveis (plano médico extensivo a dependentes, auxílio-creche, convênios de academia e pet, bolsas de estudo e idiomas, PPR, entre outros) se soma a ações como feiras de saúde, campanhas de prevenção (Setembro Amarelo, Outubro Rosa, Novembro Azul), espaços de apoio às mães e programa de voluntariado.
“Saúde mental é um tema cada vez mais vivo nas organizações, e é pauta nossa”, afirma Magalhães. “A gente precisa atuar de forma efetiva dentro da companhia. Quando olhamos para saúde e bem-estar, olhamos para a saúde integral — física, emocional e social. É uma necessidade para qualquer empresa que queira crescer em qualquer lugar do mundo.”
A tecnologia também ganhou espaço na “cozinha” de Gente e Gestão. “A gente usa a inteligência artificial como assistente virtual para os processos de desenvolvimento”, conta Magalhães.
Nas avaliações por competências, a IA ajuda a compilar o grande volume de informações qualitativas geradas nas avaliações 360° e transformá-las em relatórios mais utilizáveis para business partners e para a área de desenvolvimento organizacional — sempre com curadoria humana.
O próximo passo é ampliar esse uso para recrutamento e seleção, reduzindo atividades operacionais, e lançar a “Camila do RH”, versão da assistente virtual já usada em operações e áreas comerciais para esclarecer dúvidas de funcionários via chatbot.
Olhando para frente, Erika enxerga um cenário desafiador — e, ao mesmo tempo, energizante — para o RH em um grupo que cresce via aquisições e amplia sua presença na América Latina.
“Eu encaro todas as mudanças e desafios de M&As como uma oportunidade. Nada é um problema. Acho que tudo a gente pode resolver e enfrentar de forma criativa e corajosa, uma vez que o RH parou de ser visto como um setor operacional para ser uma peça-chave para o crescimento e sustentabilidade dos negócios”.