A era do ambiente de trabalho personalizado
Numa pesquisa com 2.000 profissionais pelo mundo, a maioria dos entrevistados disse querer escolher o combo de trabalho que melhor funciona para seu estilo de vida
Luísa Granato
Publicado em 28 de junho de 2021 às 07h20.
Última atualização em 28 de junho de 2021 às 09h16.
Com o avanço da vacinação nos Estados Unidos, começaram os primeiros chamados para finalizar o experimento de home office da pandemia.
O presidente da Morgan Stanley, James Gorman, já foi bem direto: “Se você pode ir a um restaurante na cidade de Nova York, você pode voltar ao escritório”, disse ele em conferência de serviços financeiros organizada pela empresa.
O problema para Gorman, e para outros executivos pelo mundo, é que parte dos trabalhadores pode preferir trabalhar no restaurante e no escritório. Estar no escritório na segunda-feira, em um café perto de um cliente na terça e na quarta-feira ficar em casa mesmo.
É a tendência que apareceu na pesquisa da JLL, empresa do mercado imobiliário para escritórios, com dois mil profissionais pelo mundo. Apenas 10% dos entrevistados querem voltar ao escritório em tempo integral. E 24% trabalhariam remotamente para sempre.
Os outros 66%? Esses querem a flexibilidade para escolher o combo que melhor funciona para seu estilo de vida.É o começo da era do ambiente de trabalho personalizado .
“O ‘one size fits all’ (do inglês, um tamanho serve para todos) definitivamente não cabe mais. Você precisa combinar o DNA da empresa com o perfil das pessoas. Temos quatro, talvez cinco gerações, convivendo.
As prioridades para uma pessoa de 60 anos e de alguém de 18 anos são diferentes. Temos que trazer de novo o olhar da pessoa ser o centro da estratégia”, comentaWashington Botelho, diretor para a América Latina de Corporate Solutions da JLL.
Botelho explica que cada empresa precisará analisar sua cultura e encarar quais opções de flexibilidade funcionam para sua estratégia e cada tipo de colaborador.
Com um escritório em Chicago passando pelo dilema de como retornar ao trabalho agora, o executivo acredita que a única certeza da empresa é que ainda não se sabe a resposta para o trabalho pós-pandemia.
“Sabemos que o ambiente do escritório vai ser redesenhado para o modelo híbrido. E as pessoas vão trabalhar de casa e de qualquer lugar. Sabemos também que a segurança e saúde serão fatores importantes”, comenta ele.
O mundo do novo modelo híbrido mal começou e já se prova complexo. Mas não deveria ser uma surpresa que um terceiro espaço—que não é nem o escritório e nem a casa—apareça como preferência para 40% dos entrevistados pela JLL.
Um dos ganhos mais citados por todos que experimentaram o trabalho em casa foi a economia de tempo que antes era gasto no trânsito. Muitos falam da falta que um café ou almoço com os colegas fez falta, mas ninguém sentiu falta do trânsito.
“Hoje a gente olha o trabalho no escritório com saudade. Acabamos esquecendo a sensação do trânsito, da distância da família, e estamos só saudosos. Em países como Israel, voltando ao normal no ritmo mais acelerado, duas semanas depois da volta bate a realidade: matei saudade, tomei todos os cafés, e não aguento mais o trânsito”, comentaBobWollheim, diretor de estratégia da CI&T, empresa de Campinas dedicada a ajudar outras empresas na jornada da transformação digital .
De seu escritório na casa de praia em Ilhabela, onde vai permanecer depois da pandemia, o diretor concorda com a visão de que não há uma resposta pronta para o modelo ideal de trabalho, porém alerta para as perdas ao manter um olhar para o passado romantizado.
A perda número um: os talentos mais disputados pelo mercado de trabalho. “O que dá errado na equação são as pessoas. Elas ganharam o poder de escolha. Quem pode, vai exigir uma liberdade maior”, comenta.
E a número dois será a inovação. Negar as tendências do mercado pode fechar as portas para novas ideias e produtos.
O grupo britânico IWG, maior operador de coworking e escritórios compartilhados no mundo, não perdeu tempo e lançou um novo serviço de olho no desejo por um espaço terceirizado. Afinal, além de evitar o trânsito, muitos trabalhadores também reclamam da falta de estrutura em casa.
A Regus, uma de suas marcas, agora terá um pacote de serviços em nuvem e sob demanda para empresas. Assim, as companhias podem oferecer como benefício o trabalho a partir de um dos espaços de coworking.
Segundo a IWG, empresas como a a Standard Chartered Bank e NTT, ambas com mais de 100 mil colaboradores, já optaram pelo serviço, incluindo no Brasil.
“Os colaboradores querem ter o controle de sua jornada e agenda, incluindo quando, onde e com quem trabalhar”, diz Tiago Alves, CEO do IWG no Brasil.
Flexível de verdade
Se o híbrido é o caminho do futuro, o que explica a carta de funcionários da Apple ao CEO Tim Cook? Segundo o portal The Verge, a empresa de tecnologia anunciou um retorno em setembro com três dias de trabalho presencial, mas um grupo de funcionários se posicionou contra.
Para eles, a comunicação constante da empresa sobre a “vontade de se ver presencialmente de volta no escritório” invalida o sentimento do grupo de profissionais que está muito bem no modelo remoto.
A carta foi redigida por membros de um grupo de Slack chamado “defensores do trabalho remoto”, que tem cerca de 2.800 pessoas.
O posicionamento da empresa teria sido, segundo o grupo, o motivo de demissão de alguns colegas. Pesquisa da Morning Consult para a Bloomberg News com mil americanos mostrou que 39% considerariam se demitir caso seus empregadores não fossem flexíveis sobre o trabalho remoto.
“Obrigar as pessoas a voltar remete ao sistema antigo, aquele opressor e controlador, que precisa acompanhar o trabalho da pessoa e reproduzi o padrão da linha de montagem. Em um trabalho mais contemporâneo,o funcionário tem mais autonomia e não cabe maisuma gestãodo passado”, fala Wollheim.
Para ele, os profissionais tiveram uma degustação (um tanto amargada pela pandemia) da flexibilidade, e vão continuar buscando mais.
"Tem mudanças que não vejo voltando para o que era antes, vamos nos encontrar no meio do caminho. Não é só o trabalho híbrido, mas vejo uma nova relação de trabalho que veio para mudar e ficar", diz o diretor da CI&T.
Em sua pesquisa, a JLL traça quatro perfis diversos de trabalhadores na pós-pandemia: os tradicionais, amantes da experiência, viciados em bem-estar e os espíritos livres.
No último grupo, dos que querem o serviço totalmente remoto, 69% são atraídos pela ideia de viver longe da cidade e ir para o escritório apenas quando é necessário. A exemplo do diretor da CI&T.
Os viciados em bem-estar são aqueles que ficariam até 4 dias por semana de home office. Para 54% deles, as prioridades são o equilíbrio trabalho-vida, menos deslocamento e trabalho local. O grupo de amantes da experiência, que ficariam em casa um ou dois dias, é o mais engajado: 77% deles disseram ter esse sentimento.
Entre os que preferem o escritório, 53% querem mais espaços de socialização no escritório. E esse é um ponto que une todas as tribos. No estudo, um em cada dois funcionários consideram os espaços de socialização cruciais para sua experiência no escritório do futuro.
O executivo da JLL aponta que não existe um perfil certo, ou "vencedor". Todos refletem um aspecto central da personalização do ambiente de trabalho: o funcionário entendendo o que precisa para ser mais motivado e produtivo. E cabe ao RH abrir os canais para entender quais são as demandas.
“É uma quebra grande de paradigma sair do conceito de controle.Quando começarmos a trabalhar de qualquer lugar, teremos que olhar de perto o modelo de gestão de tarefas, e passar a gerenciar pessoas por entregas. Também precisaremos ter mais confiança nas relações de trabalho”, diz Botelho.
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