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Vozes: planos de recuperação econômica precisam olhar para as mulheres

A crise econômica é dura com todos os brasileiros, mas é especialmente difícil para as mulheres, e mais ainda com as jovens e negras

Demoraremos 267 anos para atingir a igualdade de gênero em termos de oportunidades econômicas (Jacoblund/Thinkstock)
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Bússola

Publicado em 8 de setembro de 2021 às 18h00.

Última atualização em 8 de setembro de 2021 às 18h51.

Por Isabela Rahal*

Depois de mais de um ano de pandemia e de crise econômica severa, dois a cada três desempregados são mulheres, de acordo com relatório da Secretaria de Política Econômica. Segundo dados da Pnad Contínua do IBGE, ao final de 2020, mais de 30% das mulheres entre 19 e 29 anos estavam desempregadas. O quantitativo representa quase 7 milhões de mulheres.

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Mulheres negras são ainda mais afetadas. É o que mostra um estudo da USP, que aponta 41% dessas mulheres em situação de pobreza. Analisando esses dados, fica cada vez mais evidente que a crise econômica é dura com todos os brasileiros, mas é especialmente difícil para as mulheres, e mais ainda com mulheres jovens e negras.

Foi Simone de Beauvoir quem disse que “[…] basta uma crise política, econômica ou religiosa para que os direitos das mulheres sejam questionados. Esses direitos não são permanentes”. A frase não poderia descrever melhor a situação em que nos encontramos.

Com as escolas fechadas e o aumento do trabalho doméstico, as mulheres foram muito prejudicadas. De acordo com pesquisa do Instituto Datafolha, 64% das mulheres tiveram suas atividades remuneradas afetadas pela carga de trabalho doméstico, e oito em cada dez mulheres que cuidam de crianças tiveram aumento na carga de trabalho.

Os dados escancaram uma realidade extremamente preocupante: de trabalhadoras informais a CEOs, mulheres foram desproporcionalmente afetadas, perdendo conquistas que lhes haviam custado muitos anos de luta para conquistar. E esse contexto se desenha em mundo em que, segundo o Fórum Econômico Mundial, demoraremos 267 anos para atingir a igualdade de gênero em termos de oportunidades econômicas.

Para as mulheres de baixa renda, essa disparidade de ocupação no mercado de trabalho não só é maior como também se soma a um peso maior de outros fatores da crise econômica. Se a inflação é duas vezes mais pesada para os mais pobres, ela é ainda mais pesada para as mães solo. Isso porque das 11,5 milhões de mães solo no país, metade delas vive abaixo da linha da pobreza. Somados às taxas maiores de desemprego, os preços em itens como alimentos e gás deixaram a vida dessas mulheres consideravelmente mais difícil do que a do resto da população.

E o mais importante: o contexto atual pode ser desesperador para essas mulheres, mas quem perde com isso, no longo prazo, é a sociedade como um todo. Um estudo do Banco Mundial concluiu que, globalmente, perdemos 160 trilhões de dólares por ano por conta de desigualdades de gênero. Quanto maior a desigualdade de oportunidade para mulheres de cada país, maior o peso dessa desigualdade em seu PIB.

Diante desses dados e do nosso contexto, fica cada vez mais claro que um plano de recuperação econômica precisa necessariamente olhar para as mulheres. É urgente que uma incrementação do Bolsa Família precisa considerar mães solo, assim como o auxílio emergencial considerou, dobrando os valores para elas.

Uma política de emprego não será completa se não incentivar a contratação de mulheres e mães. Empresas precisam fazer sua parte e garantir salas de amamentação e creches para mães. Precisam também promover mulheres para os mais altos cargos e para conselhos de empresas — somente com mulheres no comando conseguiremos as mudanças estruturais necessárias. Não menos importante; a licença-paternidade precisa ser ampliada, para que acabemos de uma vez por todas com a ideia de que quem cuida de filhos são as mulheres, quase que exclusivamente.

São mudanças profundas, que já aconteciam de maneira muito vagarosa e incompleta, e hoje são mais necessárias do que nunca. Infelizmente, nosso país ainda figura como 89 dos 153 países estudados no ranking mundial de oportunidades para mulheres, e segue caminhando no sentido contrário. Mas não podemos deixar que o retrocesso que nos ameaça de fato se concretize. É muito simples: não há plano de desenvolvimento de país que se sustente se deixarmos metade da população para trás. Uma recuperação econômica verdadeira e duradoura só acontecerá se lutarmos também contra as desigualdades de gênero, em cada estratégia empresarial e em cada política pública implementada.

*Isabela Rahalé coordenadora de parcerias da ONG Elas no Poder

Este é um conteúdo da Bússola, parceria entre a FSB Comunicação e a EXAME. O texto não reflete necessariamente a opinião da EXAME.

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