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Vini Jr.: o texto que dá vergonha de ter escrito

Episódio de racismo no Mestalla, em Valência, precisa servir de gatilho para punições exemplares, tanto individuais quanto coletivas

Desde quando racismo deixou de ser exceção no futebol espanhol? (Antonio Villalba/Getty Images)

Desde quando racismo deixou de ser exceção no futebol espanhol? (Antonio Villalba/Getty Images)

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Publicado em 23 de maio de 2023 às 12h36.

Última atualização em 23 de maio de 2023 às 13h53.

Por Ana Busch, Renato Cirne e Tomás Vilela*

"Não foi a primeira vez, nem a segunda, nem a terceira". Vini Jr, Vinícius José Paixão de Oliveira Júnior, brasileiro, negro, atleta do Real Madrid, jogador da seleção brasileira, deixou claro que o episódio de racismo de que foi vítima no último fim de semana em Valência, no leste da Espanha, está longe de ser episódico. "A cada rodada fora de casa uma surpresa desagradável. E foram muitas vezes. Desejos de morte, boneco enforcado, muitos gritos criminosos", descreve.

Continuar escrevendo este texto, a partir de uma condição privilegiada, é desconfortável. Não é possível ser objetivo ao tentar relatar o que passa pela cabeça de um jogador de 22 anos, massacrado repetidamente por multidões, de forma criminosa. Não é possível entender uma dor que não é sua.

Como resposta, vamos formular três perguntas que, como jornalistas, gostaríamos de fazer para todos os que, de alguma forma, compactuam com a barbárie, mas que precisam ser respondidas também por todos e cada um de nós. E, indo um pouco além, refletir sobre o que é possível fazer.

Desde quando racismo deixou de ser exceção no futebol espanhol?

O futebol espanhol, que movimentou € 894,5 milhões em 2022, já vem sendo palco para abusos raciais há anos, senão décadas. Quem não se lembra da banana atirada no campo no jogo entre Barcelona e Villareal, em 2014, para o então jogador Daniel Alves? Entre 2004 e 2009, o jogador camaronês Samuel Eto'o foi vítima de insultos em diversas ocasiões, quando jogava pelo Barcelona.

Ronaldo Fenômeno foi vítima de racismo, em 2005, quando defendia o Barcelona em um jogo contra o Málaga. Há outras dezenas de exemplos.

Mas as últimas duas temporadas têm sido particularmente agressivas contra Vini Jr. O jogador vem sendo atacado pelas torcidas rivais toda vez que joga fora do Santiago Bernabéu, estádio do Real Madrid. A La Liga, que reúne 20 clubes de futebol na competição de futebol com mais seguidores nas redes sociais do mundo, procurada pela Bússola, enviou nota em que afirma que, "dentro de suas atribuições, lidera a discussão e luta há anos contra a violência, o racismo, a xenofobia e a intolerância no esporte." Na nota, enumera 13 denúncias investigados e/ou denunciados perante os órgãos e instâncias competentes por iniciativa da entidade. Dessas, 9 envolvem Vini Jr.

Como jornalistas, dirigentes, outros atletas e a própria torcida compactuam com o racismo e a impunidade?

Vários grupos minimizaram o episódio de racismo do último fim de semana. O caso chegou a ser atribuído a uma má compreensão da língua pelo atleta estrangeiro ou a um desequilíbrio dele próprio. Vini Jr. acabou expulso de campo, durante o último jogo, ao revidar uma agressão de um jogador rival. As razões para culpabilizar a vítima são estruturais, sociais, sociológicas, corporativas e financeiras. Não existe desculpa para isso, em um mundo onde se fala tanto em compliance, integridade e ética com a boca cheia, mas, ao que parece, como palavras ao vento.

Por que marcas arriscam sua reputação apoiando campeonatos e equipes cujas torcidas, atletas e dirigentes não respeitam princípios básicos de humanidade?

O mundo corporativo precisa limpar suas lentes ao pensar questões sobre racismo e diversidade. Já há alguns anos, três letras se tornaram tão faladas nesse ambiente que só não foram banidas por exaustão pela urgência do assunto: ESG.

Diversidade e inclusão passaram a fazer parte das mensagens-chave de qualquer companhia que queira sobreviver aos novos tempos e dialogar com as novas gerações. O mundo mudou para as marcas, mas não adiantam palavras bonitas e relatórios bem editados no final do ano. ESG de verdade se faz com ações, ao combater na linha de frente o que fere propósitos e valores humanos.

Essas três perguntas nem de perto esgotam o tema. Outras dezenas precisam ser feitas e respondidas, e outras tantas ações, tomadas.

Uma das mais importantes, talvez, é o que seria possível fazer para mudar esse quadro.

E aqui, há que se fazer uma comparação inevitável. Nos anos 80, torcedores violentos assombravam o esporte na Inglaterra, os hooligans. Foram muitos incidentes cruéis até que, em 1985, em jogo do Liverpool contra a Juventus da Itália, na final da Liga dos Campeões da Europa, no Estádio de Heysel, na Bélgica, 39 pessoas morreram e mais de 600 ficaram feridas, em um desastre, que começou com um ataque dos hooligans contra torcedores italianos. As consequências mudaram a história do futebol inglês e do mundo todo.

Quatro dias depois, a Justiça decidiu pela punição exemplar, ao responsabilizar a Uefa, que controla o futebol europeu, e banir todos os times ingleses de qualquer competição internacional por cinco anos.

O episódio levou a uma reformulação completa do esporte na Inglaterra. O governo, então liderado por Margaret Thatcher, tomou medidas duras para identificar os hooligans a bani-los dos estádios. Três anos depois, em 1988, os clubes ingleses fundaram a Football League, com novos objetivos, novas regras e outra cultura. O processo de aprendizado seguiu até a fundação da Premier League, em 1992, hoje a liga de futebol mais valiosa do mundo. Não à toa, Vini Jr. demonstrou interesse em deixar Espanha, rumo à Inglaterra.

Mais de 30 anos depois, o estádio que foi palco do que ficou conhecido com a tragédia de Heysel foi demolido.

No caso atual, a tecnologia pode ajudar. Na noite da última segunda-feira, a TV espanhola Movistar+, divulgou imagens de um torcedor do Valencia imitando um macaco, em gesto direcionado a Vini Jr. No mesmo jogo, o árbitro de vídeo recomendou a expulsão do jogador brasileiro sem mostrar ao juiz a agressão recebida pelo jogador brasileiro anteriormente.

Hoje pela manhã, a polícia espanhola anunciou a prisão de três torcedores suspeitos de cometerem crime de racismo em Valência. Todos os árbitros de vídeo que atuaram na partida foram expulsos. Ontem a La Liga publicou em suas redes uma mensagem em três idiomas sob o título "Unidos contra o racismo", em que diz: Fora racistas. Existe uma pequena porcentagem de racistas no nosso futebol e não cabem nos nossos estádios. E, hoje, anunciou que vai pedir a alteração da lei que rege violência, racismo, xenofobia e intolerância no esporte na Espanha para que possa aplicar sanções financeiras aos clubes e impedir a entrada de torcedores envolvidos em episódios desse tipo nos estádios, entre outras ações.

O episódio no Mestalla, estádio do Valencia, se transformou em um incidente diplomático e chamou a atenção do mundo todo. Precisa também ganhar momentum para punições exemplares, tanto individuais quanto coletivas.

E o que você pode fazer, aí do lugar onde está sentado lendo este artigo? Cobrar. Cobrar marcas, entidades, clubes, pessoas. Citando Martin Luther King, líder negro que teve atuação decisiva na luta contra a segregação racial nos Estados Unidos, o que deve nos preocupar não é o grito dos maus, mas o silêncio dos bons.

*Ana Busch é diretora de Redação da Bússola e sócia da TAMB Conteúdo Estratégico, Renato Cirne é advogado e sócio do Franco de Menezes Advogados, e Tomás Vilela é estudante de administração de empresas, com foco em marketing, estagiário da Bússola

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