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Um 'empurrão' na melhoria da governança das operadoras de planos de saúde

Sem governança a empresa não tem condições de conhecer e medir os riscos a que se expõe

Os planos de saúde constituem o terceiro maior objeto de consumo da população brasileira (Ekkapon Boonyoung / EyeEm/Getty Images)

Os planos de saúde constituem o terceiro maior objeto de consumo da população brasileira (Ekkapon Boonyoung / EyeEm/Getty Images)

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Publicado em 18 de julho de 2021 às 16h00.

Por Paulo Rebello e Tatiana Aranovich*

Em 2017, Richard Thaler e Cass Sunstein foram os ganhadores do prêmio Nobel de Economia apenas fornecendo formatação teórica para uma ideia bastante intuitiva. O termo nudges, ou “empurrõezinhos”, em uma tradução livre para o português, surgiu a partir do conceito de facilitar as escolhas positivas pelo jeito como as opções são apresentadas e que podem alterar — e muito — o resultado social.

Tornar menos ou nada custosos os caminhos para comportamentos desejáveis e dificultar a adesão a comportamentos indesejáveis são uma eficiente ferramenta regulatória. Em tempos de incentivo à vacinação contra a Covid-19, os nudges têm sido empregados tanto em sorteios lotéricos nos EUA, entre indivíduos que decidem se imunizar, e “passaporte de vacinação” aprovado pela União Europeia, que apenas permite a entrada de pessoas imunizadas.

Foi com essa abordagem que a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), reguladora de planos de saúde, adotou uma nova regra de governança.

Os planos de saúde constituem o terceiro maior objeto de consumo da população brasileira, procura que só aumentou com a pandemia, quando o setor atingiu o maior número de beneficiários dos últimos cinco anos. Ao lidar com o bem mais precioso das pessoas e que é fundamental para que as relações e trocas possam ocorrer na sociedade e na economia, qualquer medida que vise à melhoria da qualidade desses serviços é de primeira ordem.

O setor é composto de empresas em sua maioria de pequeno e médio portes, cooperativas e limitadas (apenas 1% das empresas do setor são sociedades anônimas de capital aberto).

A nova norma de governança, por sua vez, traz uma série de boas práticas que serão verificadas por auditoria independente. Ela será obrigatória somente a partir de 2023, entretanto, a verificação deverá ser feita pela auditoria ainda em 2022.  Caso não cumpra os requisitos, a administração da operadora não sofrerá penalidades diretamente, mas deverá apresentar justificativas e esclarecer práticas alternativas adotadas.

Além da arquitetura da escolha, a norma premia a operadora que atende a todos os requisitos com redução de sua exigência de capital regulatório, que são recursos que a regulação prudencial as obriga a deter para suportar riscos não-esperados.

A norma de governança foi editada em 2019, sedimentando o terreno para a nova regra de capital baseado em riscos — disciplinada em 2020. A nova regra de capital passa a valer em 2023 e exigirá mais capital da operadora que se exponha mais ao risco, e vice-versa. Importante ressaltar que o “risco” muitas vezes é visto como oportunidade, e algumas empresas podem ter como estratégia uma maior exposição, porém, nesse caso, necessitam ter recursos suficientes para arcar com a efetiva ocorrência dessas possíveis intempéries.

Entretanto, como medir riscos apropriadamente se não há adequada gestão de riscos e controles internos? Não por outro motivo, essas duas linhas de frente foram foco privilegiado da normativa da ANS sobre governança, replicando a experiência de reguladores de outros setores e jurisdições na implementação da abordagem baseada em riscos.

Sem o pilar da governança, a empresa não tem condições mínimas de conhecer e medir os riscos a que se expõe. Tampouco é capaz de atuar para reduzir esses riscos, caso deseje que o capital exigido pelo regulador seja reduzido. Gestão de riscos e controles internos são capazes de mitigar erros, duplicidades e ineficiências em geral, atacando o problema na raiz. E justamente por isso a governança atua tanto como um “termômetro” do risco quanto como um “remédio” na implementação da nova abordagem de capital baseado em riscos.

A medida foi exaltada pelo setor como um estímulo concreto e orientado para melhoria da gestão, profissionalismo e transparência. Além disso, empodera os atores que lidam com as frentes de gestão de riscos e controles internos dentro das empresas.

A ANS dá agora um horizonte claro às operadoras de planos de saúde, indicando o que é importante e o que espera delas. E, para isso, usou parâmetros consagrados de governança, como melhores práticas da ISO 31.000, de Gestão de riscos empresariais (ERM) e do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC).

A tendência é que o binômio governança-capital baseado em riscos atraia maiores investimentos e qualidade para o setor. É sabido que grandes investidores buscam sinalização de que seu recurso terá boa destinação e gerará benefícios. A governança exerce a sua função como este indicativo, que atua via estruturas internas de fiscalização e controle, corroborando o cuidado dos interesses dos investidores perante o conselho de administração ou da diretoria executiva, bem como procedimentos que garantam que a alta administração examine recomendações feitas pelas áreas de controles internos e gestão de riscos, reduzindo assim, a chance de que ameaças se materializem.

E esta é uma preocupação plausível. A partir de um levantamento realizado em 119 relatórios da Comissão de Inquérito da ANS sobre operadoras de planos de saúde com atividade encerradas entre 2012 e 2018, verificou-se que, em 100% dos casos, problemas de gestão despontavam entre as motivações para as liquidações das empresas. Em mais de 98% dos casos, faltava confiabilidade nas informações fornecidas pelas operadoras e, em 82,2%, deficiências nos controles internos foram assinaladas.

Os números revelam que problemas em gestão de riscos e controles internos são significativamente frequentes em empresas levadas à ruína no setor, razão pela qual é imperiosa uma mínima sinalização de que esses procedimentos estão estruturados e seus resultados são patrocinados pela alta administração, implementando-se mudanças quando necessário.

Governança pode não ser a panaceia, mas reduz a probabilidade de o risco se materializar, aumenta a transparência e alinha os interesses de atores-chaves. Se a adoção de boas práticas de governança não afasta por completo a possibilidade de ocorrência de má gestão, fraudes e falência das entidades, sabe-se, no entanto, que em quase todos os casos de má gestão, fraudes e falência, as fragilidades de governança estão presentes.

O “empurrão” e o incentivo da Reguladora à adoção de padrões de governança na saúde suplementar têm como externalidade positiva a redução de custos e o aumento de eficiências das operadoras, melhoria das condições de atração de capitais para o setor e estímulo ao desenvolvimento sustentável do setor como um todo, propiciando um serviço de assistência à saúde adequado e de qualidade aos consumidores.

*Paulo Rebello é diretor-presidente e diretor de Normas e Habilitação das Operadoras da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e Tatiana Aranovich é assessora na Diretoria de Normas e Habilitação das Operadoras na Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS)

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