Três perguntas sobre compliance e ESG para Gisela Gadelha
Para diretora de compliance da Firjan, influência das novas gerações estimulou mudanças nos valores das empresas
Da Redação
Publicado em 14 de maio de 2021 às 18h28.
Por Renato Cirne*
As empresas brasileiras experimentaram ao longo dos últimos anos uma forte transformação cultural, fruto de uma crescente conscientização social e ambiental, estimulada também pelo ingresso de novos consumidores, novos profissionais e investidores.
Assim, para atender a essa demanda, vêm implementando mudanças em seus processos internos e fortalecendo um sistema de compliance que atenda também às demandas da agenda ESG.
Sobre esse tema, fizemos três perguntas para Gisela Gadelha, diretora de Compliance e Jurídico da Firjan (Federação das Indústrias do Rio de Janeiro).
Bússola: De acordo com Larry Fink, CEO da Black Rock, de janeiro até novembro do ano passado, investidores injetaram US$ 288 bilhões, globalmente, em ativos sustentáveis. O volume é mais do que o dobro do registrado no ano todo de 2019. O quanto essa transação deverá ser acelerada nos próximos anos e o quanto ela é impulsionada também por motivos geracionais?
Gisela Gadelha: Segundo Gerd Leonhard, um dos mais reconhecidos observadores de futuro e estrategista de negócios do mundo, “o mundo irá mudar mais nos próximos 10 anos do que mudou nos últimos 100 anos”. As indústrias vão se transformar nos próximos anos, o que exigirá um novo mindset do mercado financeiro. E essas mudanças já começaram em razão de diversos fatores. Dentre outros, as regulamentações cada vez mais rigorosas, os riscos causados pelas emergências climáticas, a Agenda 2030 e as mudanças geracionais.
As empresas e o setor financeiro têm sido pressionados pelas mudanças de valores decorrentes da transição geracional que estamos vivendo.
Conectadas globalmente e conscientes das questões ambientais e sociais, a geração Z (pessoas nascidas entre 1995 e 2015) usa o ativismo digital para estimular um mercado mais sustentável. Na mesma linha, a geração Millennials (pessoas nascidas entre 1980 e 1994) tem sido propulsora do investimento sustentável. Por fim, importante ressaltar que, embora a onda de sustentabilidade esteja sendo impulsionada pelas gerações mais jovens, houve uma mudança de comportamento por parte de todas as gerações.
Bússola: Uma pesquisa realizada pela Black Rock comprova o aumento do interesse por assuntos socioambientais e de governança entre os investidores. O levantamento ouviu 425 investidores, de 27 países, que administram um total de US$ 25 trilhões.
Mais da metade dos participantes (54%) considera que os investimentos sustentáveis são fundamentais para os resultados. Esses investidores planejam dobrar a participação dos ativos ESG em suas carteiras. O quanto a pandemia acelerou esse processo de incorporação da agenda ESG nos investidores institucionais?
GG: As transformações abruptas provocadas pela pandemia, geraram forte sentimento de incerteza e trouxeram à tona a importância da interconexão entre sociedade, economia e natureza.
Segundo o The Global Risk Report 2021, os principais riscos deste ano estão relacionados à emergência climática (perda da biodiversidade, eventos climáticos extremos e danos ambientais causados pelo homem).
Neste contexto, investidores buscam opções mais seguras, resilientes e sustentáveis, razão pela qual as práticas ESG se tornaram um importante diferencial competitivo na tomada de decisão. Afinal, nenhum investidor quer associar sua marca a atividades que impactem de forma negativa, colocando em risco sua reputação.
Em suma, a pandemia não apenas acelerou o processo de incorporação da agenda ESG, como também será um divisor de águas no que diz respeito à postura das instituições. Passada a crise, investidores, consumidores e demais stakeholders lembrarão quem buscou soluções para beneficiar a sociedade como um todo.
Bússola: O capitalismo de stakeholders defende que as empresas tomem decisões pensando nos impactos sobre consumidores, investidores, fornecedores e a sociedade. Mas esses stakeholders são capazes de cobrar, de fato, ações reais das empresas em relação a essas questões? A falta de métricas mais claras ainda facilita o greenwashing?
GG: O valor total aplicado em ativos financeiros que seguem critérios do ESG dobrou nos dois últimos anos. Esse aumento reflete a crescente preocupação do mercado com as questões relacionadas à sustentabilidade e aos objetivos de longo prazo das empresas – chamado de “capitalismo de stakeholders”. Com o passar do tempo, os investidores estão cada vez mais rigorosos nos critérios de avaliação das suas decisões.
Algumas empresas de investimentos desenvolveram metodologias próprias, permitindo a ponderação dos fatores com base em seus valores e nas questões que entendem ter maior impacto financeiro, levando-se em conta o setor, indústria ou empresa.
No entanto, para que haja uma comparação mais assertiva e padronizada dos dados ESG, em 2020, o Fórum Econômico Mundial divulgou um relatório (Measuring Stakeholder Capitalism: WEF IBC common metrics) sugerindo a observância de 55 métricas (21 principais e 34 complementares) baseadas em 4 pilares: 1) princípios de governança, relacionados dentre outros aspectos, à atuação baseada na transparência e ética, além de ter os aspectos do ESG incorporados no planejamento estratégico da empresa ; 2) planeta, referente ao impacto da empresa no meio ambiente; 3) pessoas, haja vista a necessidade de analisar critérios como a diversidade, processo de sucessão e política de remuneração; e 4) prosperidade, com vistas a avaliar como a empresa afeta a sociedade e exerce sua função social.
Essa padronização garantirá a qualidade dos dados divulgados e certamente ajudará na melhor avaliação dos aspectos relacionados ao ESG, diferenciando as empresas que, de fato, adotam ações reais de sustentabilidade, daquelas que apenas praticam greenwashing.
*Renato Cirneé sócio da GB3S Compliance
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