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Sob a figueira, Lula e as contradições do país

Recente jantar no Figueira Rubaiyat teve uma simbologia imensa para mostrar os anos luz que estamos de encontrar caminhos pra enfrentar nossos dilemas

Muita gente irá às ceias deste fim de ano já com receio do que terá que engolir em 2023, como resultado da eleição de 2022 (Ricardo STUCKERT / PRESS OFFICE OF LUIZ INACIO LULA DA SILVA/AFP)

Muita gente irá às ceias deste fim de ano já com receio do que terá que engolir em 2023, como resultado da eleição de 2022 (Ricardo STUCKERT / PRESS OFFICE OF LUIZ INACIO LULA DA SILVA/AFP)

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Publicado em 23 de dezembro de 2021 às 17h35.

Por Márcio de Freitas*

O aspecto mais importante de um projeto político de nação é a solução do conflito distributivo das riquezas produzidas internamente. Há uma tendência mundial feroz de concentração em poucas mãos. É retrato da acumulação dos  acionistas controladores das empresas tecnológicas do Vale do Silício e seus similares, de fortunas amazônicas vistas à distância pelas janelas virtuais da maioria dos cidadãos uberizados da economia global.

O Brasil de legado escravagista jamais conseguiu aproximar a senzala da casa grande na relação econômica. Essa distância ainda fica maior nas crises recessivas, como a que a pandemia de covid-19 provocou no mundo, e baixou no país de forma viral — enterrando também, no curto prazo, a esperança de anos melhores para corrigir as desigualdades seculares.

Um recente jantar no Figueira Rubaiyat teve uma simbologia imensa para mostrar os anos luz que estamos de encontrar os caminhos para enfrentar nossos dilemas. As figuras centrais do encontro eram Luiz Inácio Lula da Silva e Geraldo Alckmin, antigos rivais a caminho de uma possível aliança de conveniência em 2022.

A comilança aconteceu em São Paulo sob uma centenária figueira, árvore da espécie ficus benglalensis, de origem indiana. A própria Índia é um país de imensas desigualdades, exposta nas castas inflexíveis que resistem a serem permeadas pela evolução social de certos grupos ou mesmo indivíduos. Sob os longos galhos emaranhados da figueira, jantaram e beberam advogados que, ao pagarem R$ 500 individualmente, incentivaram o ato político. O valor é R$ 100 maior que o Auxílio Brasil mensal proposto pelo governo para ajudar 17 milhões de famílias brasileiras a sobreviverem a partir do próximo ano.

Sob a figueira há telhado e largas partes de vidro, para evitar que folhas caiam sobre as roupas de grife dos clientes ou na sua farta e cara comida. O restaurante é especializado em carnes, um artigo que a inflação atual elevou a padrão de caviar para as classes menos favorecidas da pirâmide social achatada do povo tupiniquim.

Lula compareceu com seu histórico de representante da senzala na encarnação nordestino retirante. Mas a imagem captada não traduziu o metalúrgico, pelo contrário, era o líder político em si. Nem seu discurso resvalou pelas contradições econômicas do encontro. O ato foi comemoração de bem remunerados escritórios de advocacia que trabalharam contra a Lava Jato, a operação contra a corrupção que cometeu delitos e ilegalidades (como decidiu o STF ao anular julgamentos e condenações) em nome da Justiça.

Lula foi convidado no papel de simbólico cordeiro desse sistema — que hoje também milita na política com as caras de Sérgio Moro e Deltan Dallagnol, candidatos já anunciados às próximas eleições. Haverá embate sobre a justeza de comportamento tanto de Lula quanto de Moro na história recente. A discussão desse passado ainda fresco, faz a eleição se voltar para o passado, quando o essencial era olhar adiante.

O repasto teve presenças ilustres. Gente que conhece bem os problemas da miséria e da recessão, como Aloísio Mercadante e Guido Mantega. Eles foram ministros centrais da nova matriz econômica, o modelo de gestão que levou a maior crise do país, com perdas de riqueza, fechamento de postos de trabalho e encolhimento do PIB de provocar a queda da ex-gerente-geral do projeto, Dilma Rousseff.

Aliás, a ex-presidente não foi ao jantar. Esqueceram Dilma. Ou tentam esquecer. O problema é que, mesmo seis anos após sua saída, o país ainda não se recuperou da sua administração, que concentrou pobreza como poucos governos na história do país.

Dilma ainda assombra Lula, que atribui os problemas da economia aos governos posteriores, que de fato não conseguiram solucionar a herança da “presidenta”. A questão é que Mercadante e Mantega estavam no jantar. Significa o que? Nada. Mas poderá significar: se eles forem formuladores dos projetos de Lula para um eventual governo futuro. Ambos já demonstraram serem capazes de produzir… misérias. E isso assusta muita gente que irá às ceias deste fim de ano já com receio do que terá que engolir em 2023, como resultado da eleição de 2022. Afinal, o país tem sido pródigo em adiar seu próprio futuro.

Boas festas!

*Márcio de Freitas é analista político da FSB Comunicação

Este é um conteúdo da Bússola, parceria entre a FSB Comunicação e a Exame. O texto não reflete necessariamente a opinião da Exame.

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