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Quiet Quitting: uma oportunidade para a transformação corporativa?

Brasil registrou cerca de 6 milhões de demissões voluntárias nos últimos 12 meses

Operação padrão ou desistência silenciosa têm se tornado cada vez mais comuns (Bill Varie/Getty Images)
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Bússola

Publicado em 7 de outubro de 2022 às 17h30.

Críticos podem vir e falar, mas é inegável que os últimos dois anos transformaram a maneira como trabalhamos. Não bastassem a chegada do home-office e a inclusão de jornadas flexíveis de trabalho, nas quais colaboradores ganharam mais autonomia para montar e organizar suas rotinas, o período foi palco de, pelo menos, dois eventos importantes para o mundo do trabalho: The Great  Resignation (comumente chamado de A Grande Renúncia em português) e mais recentemente, o Quiet Quitting (que por aqui ficou conhecido como “desistência silenciosa” ou tão simplesmente “operação padrão” das tarefas dentro de uma corporação).

Tampouco é surpresa que esses dois fenômenos estão intimamente ligados e refletem profunda mudança na mentalidade ocupacional. Com efeito, segundo os prognósticos do psicólogo e professor da UCL School of Management de Londres, Anthony Klotz, no longínquo ano de 2019, desde aquela época os Estados Unidos viviam uma forte tendência de esgotamento e desânimo no que diz respeito aos modelos trabalhistas. A confirmação veio dois anos depois, em números. Em 2021, nada menos do que 48 milhões de empregados tinham se desligado de suas funções devido à exaustão psicológica, a diagnósticos de burnout ou, simplesmente, pela falta de uma alternativa viável a médio e curto prazos.

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Nas últimas semanas e, quiçá, nos últimos meses o fenômeno do quiet quitting vem a complementar o quadro tão bem descrito pelo filósofo Byung-Chul Han, no best-seller A Sociedade da Canseira. Segundo levantamento realizado pela Gallup, em setembro, ao menos metade de toda força produtiva estadunidense se diz a favor de separar responsabilidades afetivas de suas atividades trabalhistas; ou seja, colaboradores estão dispostos a entregar, tão e somente, aquilo que fora previamente acordado. Ainda segundo a pesquisa, um dos principais motivos para o crescimento do desânimo norte-americano foi o baixo engajamento proporcionado por gestores e corporações.

Uma Grande Renúncia à brasileira?

Inserido na cadeia global, o Brasil também vive um cenário ocupacional parecido, embora apresente suas particularidades. De acordo com um levantamento realizado pela LCA consultoria, utilizando dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), nos últimos 12 meses, o Brasil registrou cerca de 6 milhões de demissões voluntárias em pequenas, médias e grandes empresas. A princípio, a cifra pode apontar para um panorama equivalente ao vivido nos Estados Unidos e na Europa, no entanto, quando observamos os dados do Caged atentamente, descobrimos que esse efetivo chega a representar um terço do total de desligamentos do período (por volta de 18,7 milhões de pessoas).

Simultaneamente, é preciso ponderar sobre qual tipo de emprego foi afetado por essa renúncia e quais perfis socioeconômicos entraram no processo de reconversão de carreira. Embora ainda não existam dados concretos sobre grandes mudanças no mercado, a popularização do movimento Quiet Quitting pode clarificar um pouco as coisas. Segundo estudo da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro, utilizando como base os dados do Caged já dentro do pretexto das “dissidência silenciosa”, entre janeiro e maio deste ano, o país apresentou 2,9 milhões de demissões voluntárias, das quais, cerca de metade (48,9%) foram feitas por colaboradores com diploma universitário e, mais,  que ocupavam áreas de tecnologia.

Em outras palavras, por mais que o fenômeno do quiet quitting reúna hoje mais de 76 milhões de interações nas principais plataformas digitais, ele se concentra em público até a faixa dos 40 anos, oriundo das classes médias e altas da sociedade no país. Não que essa avaliação seja, por si só, preocupante. Dado que uma grande parcela desses jovens ocupa cargos técnicos, gerenciais e, por vezes, até executivos, é capital que companhias e organizações comecem a empreender mudanças em suas culturas organizacionais tanto para manter e satisfazer colaboradores com experiência quanto para preparar talentos e mobilizar novas gerações.

Motores da transformação

Dos confins do velho continente ao sol do novo mundo, uma coisa é certa: a satisfação de provedores, funcionários e trabalhadores é o melhor índice de crescimento empresarial. De acordo com outro levantamento da Gallup, o pouco engajamento de colaboradores em seus ambientes ocupacionais será  responsável por um corte de US$ 7,8 trilhões na economia global até o fim do ano.  Ainda segundo a pesquisa, isso se deve às baixas taxas de produtividade e, por vezes, os equívocos realizados por lapso, fatiga, ou simplesmente por não existir qualquer ligação social, até mesmo íntima entre o ecossistema de trabalho e o assalariado.

Assim, desde este lado balcão, gestores e tomadores de decisões precisam estabelecer um diálogo claro e contínuo com suas equipes e fornecedores, estendendo para além das atividades laborativas e contratos de trabalho, relacionamentos e vivências interpessoais. Às boas-práticas em conjunto, também devem-se somar esforços e iniciativas para recompensa e gratificação de trabalhadores em momentos cruciais, seja quando uma grande venda é realizada, seja quando a empresa passa por um período de crise e o atravessa sem grandes problemas.

Agora, mais do que promover campanhas que incentivem a diversidade e encorajem o respeito mútuo entre empregadores e colaboradores, corporações precisam pôr as características “festeiras” e “cosméticas” de seus negócios e investir diretamente no futuro de seus times. A exemplo de tantos programas de parceria corporativa de sucesso, gestores precisam fomentar a transformação de suas equipes por meio de qualificações, aptidões e incentivos na vida do colaborador: pouco ou de nada adianta rechear a página do LinkedIn da empresa com fotos e depoimentos congratulatórios se, ao fim do dia, a velha mentalidade empresarial, de hierarquias rígidas e engessadas, ainda prepondera como máxima gerencial.

Em conclusão, os movimentos quase gêmeos da Grande Renúncia e do quiet quitting, podem representar desafio para organizações de todo tipo, se não preparadas. Logo, cabe à cultura organizacional de cada empresa entender os anseios de seus colaboradores e criar um ambiente que possa melhor acolher as vontades coletivas para a edificação de uma coesão social; para atingirmos o topo e evitar abalos no caminho, nossos fornecedores e parceiros, alicerces fundamentais de toda grande corporação, precisam estar instalados sobre estruturas robustas e fundações sólidas.

*Sulivan França é presidente da Slac (Sociedade Latino Americana de Coaching)

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