Luta antirracista é inválida se só aparece quando alguma injustiça eclode e ganha grandes proporções (Luis Alvarenga/Getty Images)
Bússola
Publicado em 22 de outubro de 2021 às 17h20.
Por Eduardo Tardelli*
Além de uma crise pandêmica, 2020 ficou marcado pelo assassinato de George Floyd, homem negro que morreu asfixiado quando já estava imobilizado por um policial. Em junho, estouraram protestos antirracistas inflamados nos Estados Unidos que repercutiram no resto do mundo e foram replicados, inclusive no Brasil.
Inspirada pelo movimento que aconteceu nos Estados Unidos, viralizou no Brasil uma corrente em que vários usuários do Instagram postaram uma imagem preta em seus perfis com a hashtag #blackouttuesday, para estimular influenciadores digitais e usuários comuns a fazerem um dia de silêncio pelas mortes de pessoas negras.
Além da violência escancarada que deixa rastros de mortes diárias (no Brasil, aproximadamente 14 pessoas negras são mortas pela polícia diariamente, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2021), o racismo atinge de forma nada sutil o mercado de trabalho. De acordo com o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), apenas 20% dos cargos de liderança em empresas privadas são ocupados por pessoas não brancas. E se engana quem pensa que essas estatísticas não têm relação uma com a outra.
A violência com pessoas negras no mercado de trabalho pode parecer latente, mas não é. O racismo estrutural colabora para que nossos olhos se acostumem com um escritório com 100% de funcionários brancos em cargos de responsabilidade, mas isso é consequência grave de três séculos de um regime escravocrata, que ainda pulsa nas ruas, na arte, nas oportunidades, no mercado de trabalho, e por aí vai.
Diante deste cenário, o mundo corporativo, mesmo que timidamente, vem se manifestando para resolver não somente uma dívida histórica, mas entendeu que perde bons profissionais por um problema sistêmico.
Recentemente, a SEC — órgão norte-americano equivalente à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) — aprovou uma proposta que obriga as empresas listadas na Nasdaq a adotar e divulgar ações de ampliação de diversidade em seus conselhos de administração. É um passo importante, independente da motivação.
O papel do compliance é imprescindível para reformular as lentes que o mundo corporativo enxerga a diversidade racial. O compliance antidiscriminatório já é uma realidade e vem para reforçar as políticas antidiscriminatórias dentro das empresas. O principal foco é motivar todos os membros da hierarquia corporativa a perceberem que toda a cadeia produtiva tem a obrigação de contribuir para reparar a história.
O engajamento não deve se limitar apenas em ações internas de governança, com políticas afirmativas e trabalhos de conscientização. O compromisso com a luta também está na contratação de terceiros. Mesmo com ações eficientes dentro da empresa, a luta enfraquece se há a contratação de um terceiro que não se preocupa com o problema. Para que a mudança realmente comece a fazer efeito, é preciso tornar os processos de due diligence mais exigentes, questionar terceiros se há medidas antidiscriminatórias e começar a se incomodar ao ver uma sala de reunião totalmente branca.
A luta antirracista é inválida quando só aparece quando alguma injustiça eclode e ganha grandes proporções. A mudança do status quo pode ser mais rápida se o privilégio branco também entrar na briga.
*Eduardo Tardelli é CEO da upLexis, empresa de software que desenvolve soluções de busca e estruturação de informações extraídas de grandes volumes de dados (Big Data) da internet e outras bases de conhecimento
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