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Preto Zezé: a favela como solução e potência

Onde veem tragédia, vemos inovação; onde veem tristeza, vemos emoção e garra; onde veem medo, trabalhamos para transformar

Distribuição de alimentos pela CUFA no Projeto Mães da Favela (Igor Oliveira/Divulgação)
AM

André Martins

Publicado em 29 de março de 2021 às 17h22.

Última atualização em 29 de março de 2021 às 22h06.

A Central Única das Favelas ( CUFA ) surgiu há mais de duas décadas fundada por Celso Athayde, hoje voluntário da instituição e comandante de um grupo de mais de 24 empresas focadas em favelas, a Favela Holding. E nosso foco sempre foi formar lideranças, homens e mulheres, nesses territórios, para que eles possam protagonizar os processos de mudança e não sejam somente coadjuvantes da própria história, construindo assim, uma agenda pública positiva para dialogar com os poderes públicos e privados como forma de trabalhar para o fim do déficit habitacional.

Nós sempre lutaremos incansavelmente para que as pessoas que habitam as favelas tenham dias melhores, vidas melhores, e para que um dia elas possam migrar para outros espaços que ofereçam melhores condições.

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Além disso, como plataforma política, fugimos da percepção comum da favela, o estereótipo que nos reduz a fragilidades, problemas, fraquezas, violência e carência. Na nossa trajetória sempre nos pautamos pela perspectiva da favela como potente, e onde muitos veem tragédia, nós vemos inovação, onde muitos veem tristeza, nós vemos emoção e garra, onde muitos só veem medo, é onde trabalhamos para transformar estigma em carisma e dificuldades em oportunidades.

Usando um linguajar do mundo corporativo, a pandemia nos obrigou a fazer nossa reconversão da matriz produtiva.

Pela primeira vez, a CUFA foi a público solicitar doações. Não para a instituição, mas para que pudéssemos amenizar o impacto da pandemia nas mães das favelas brasileiras, pois as desigualdades históricas flertavam e flertam com rupturas inimagináveis.

A pandemia, no cabide de desigualdades sociais do país, se projetou como catalisador de variantes diversas da crise social e econômica que o país passa.

As primeiras cestas básicas que montamos foram dos alimentos dos projetos sociais que foram interrompidos devido à pandemia. Nossas sedes, escritórios e galpões de atividades culturais sociais e esportivas se tornaram centros de distribuição e logística. E iniciamos uma ampla campanha de sensibilização que mobilizou empresas, artistas, atores e atrizes, figuras públicas de diversos campos culturais, sociais e esportivos para colocar a favela no foco desta tempestade, porque embora o naufrágio seja geral, o afogamento é coletivo. É preciso ressaltar que diante da crise, a favela é quem vem tendo o maior equilíbrio emocional.

A pandemia criou uma bomba relógio e seus minutos correm rápido, já que, um ano depois, tanto as doações como os programas de transferências de renda diminuíram, e as demandas aumentaram.

Adicionamos a isso o desemprego, o colapso do sistema de saúde e a fome que se alastra pelas famílias e aumenta o desespero e a falta de expectativa. Segundo o IBGE, no último trimestre de 2020 éramos 14,1 milhões de desempregados e de lá para cá a situação piorou ainda mais.

Números projetados pela FGV, entre agosto de 2020 e fevereiro de 2021, mostram que cerca de 17,7 milhões de pessoas voltaram à pobreza, apesar da volta do Bolsa Família, e só em janeiro deste ano, com o fim do auxílio emergencial, 2 milhões de pessoas voltaram à linha da pobreza

Diante desse quadro e, levando em conta que estamos vivendo o pior momento da pandemia, fomos obrigados a reativar o programa Mães da Favela. Criado no ano passado, com a percepção de que a favela seria a mais sacrificada e que, dentro da favela, as mães solteiras que estão com crianças em casa devido ao fechamento das escolas, muitas vezes com idosos também, não tem a quem recorrer.

Segundo o Instituto de Pesquisa Data Favela, o número de mulheres que são mães chega a cinco milhões. Deste total, 72% afirmam que a alimentação da família ficará prejudicada pela ausência de trabalho. Em 2020, através do programa Mães da Favela entregamos quase 20 toneladas de alimentos e já beneficiamos 1,4 milhão de famílias. Atingimos, em uma média de 4 pessoas por família, mais de 5,8 milhões de pessoas.

É importante ressaltar que, em um território onde as mulheres são líderes de mais de 40% das famílias, ao chegar com essa “bóia social” para estas mulheres, nós ativamos uma rede de proteção social para crianças e idosos e ainda fortalecemos a economia local já que essa mulher mantém a grana girando dentro da própria economia da favela.

Estamos com mais de 300.000 mortes por covid-19, e a perspectiva é de que a vacina demore a chegar para todo mundo. A favela tem consciência disso. Noventa e dois por cento dos moradores de favela não sabem quando poderão se vacinar, e oito em cada dez moradores de favela conhecem alguém que foi contaminado pela Covid-19.

Estamos apostando que é chegada a hora de um amplo movimento cívico e apartidário para pautar uma agenda pública de emergência e reduzir os danos sociais que a pandemia está causando nesses territórios.

Nosso espírito sempre foi de colaboração, por isso aceitamos o convite da empresária Luiza Trajano para compor o movimento Unidos Pela Vacina, que congrega empresas e lideranças com foco na vacinação e construção de logísticas junto à sociedade e ao poder público.

Como parceiros do Unidos Pela Vacina, vamos fortalecer a criação de comitês de favelas que, por meio da articulação em cada estado, une inteligências, esforços e expertises capazes de dar respostas à altura para esta crise.

Dialogando com líderes como Celso Athayde e Edu Lyra chegamos ao um consenso: organizações como Gerando Falcões, Voz da Comunidade, Papo Reto, Instituto Katiana Pena, Frente Favela Brasil, Instituto Equânime, bem como lideranças como Raul Santiago, Rene Silva, dentre tantos outros e outras, são fundamentais para apresentar uma agenda desse país chamado favela.

O momento é de foco em soluções, e o cenário não nos permite errar ou ignorar a realidade que nos cerca. Vamos fazer da solidariedade mais contagiosa que o vírus, e dessa colaboração um movimento permanente.

* Preto Zezé é presidente nacional da CUFA, empresário, escritor e fundador da LIS - Laboratório de Inovação Social

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