'Parasocial', ou parassocial, foi eleita palavra do ano pelo Cambridge Dictionary (BitsAndSplits/Getty Images)
Plataforma de conteúdo
Publicado em 10 de dezembro de 2025 às 10h00.
Por Thiago La Torre*
Em 2025, li mais de 1.500 notícias de marketing, 200 relatórios e 100 artigos acadêmicos para produzir meus conteúdos semanais.
Em um desses materiais, me deparei com um termo que ainda não conhecia: parassocial. Ele acabou se tornando um dos pilares de um relatório que produzi e, não por acaso, foi eleito palavra do ano pelo Cambridge Dictionary.
O conceito nasceu na década de 1950, criado por sociólogos para descrever a sensação de amizade ou proximidade com alguém que você não conhece — um fenômeno tão comum que muitos brasileiros já responderam mentalmente a um “boa noite” do William Bonner.
Mas, ao olhar para além da definição, fica claro que esse conceito está reconfigurando não só as relações humanas, mas também a comunicação, a cultura e as estratégias das marcas.
A parte mais evidente da ascensão do termo é que, com as mídias sociais, grande parte de nossas relações se tornou parassocial. Mantemos “amizades” com pessoas com quem não falamos há anos, seguimos celebridades, creators, influenciadores e políticos.
Para muitos, as relações parassociais já são mais intensas, e até mais frequentes, do que as presenciais.
Mas existe um aspecto menos óbvio: o impacto direto nos negócios. Relações parassociais não precisam existir apenas entre pessoas. Marcas também podem ocupar esse espaço emocional.
Isso explica o fenômeno Duolingo, mestre da antropomorfização; o crescimento do modelo founder-led growth, em que CEOs viram influenciadores de suas próprias marcas; ou a cultura de resposta espirituosa da Netflix, que gera a sensação de um amigo sempre pronto a interagir.
Se, no passado, a comunicação das marcas era funcional e institucional, hoje ela se aproxima cada vez mais do tom de uma conversa íntima, porque o consumidor já espera essa familiaridade.
O TikTok foi o divisor de águas de uma mudança estrutural: a era das mídias sociais feed-centric, em que a experiência do usuário é guiada não por quem ele segue, mas pelo que o algoritmo considera relevante.
Antes, redes sociais eram vitrines de amigos e marcas favoritas. O TikTok rompeu esse paradigma: a maior parte do conteúdo vem de desconhecidos, escolhidos pelo algoritmo.
A lógica funcionou tão bem que praticamente todas as plataformas adotaram o modelo. Resultado: ter seguidores tornou-se quase irrelevante. Importa apenas produzir algo que entre no feed.
Esse movimento abriu espaço para marcas pequenas competirem, mas também alterou o fluxo de investimentos. No Brasil, 52% das empresas já consideram sua principal estratégia de crescimento, segundo a pesquisa ROI e Influência. E dobrou o número de empresas que destinam mais de 50% da verba de mídia para influenciadores.
Na Europa, o relatório State of Marketing Europe 2026, da McKinsey, reforça a tendência: CMOs elegem “ser trend” e conquistar relevância cultural como a forma de diferenciação que mais cresce. O marketing deixou de ser apenas presença, e passou a ser permeabilidade cultural.
Quando tudo vira trend, surge uma pergunta inevitável: o que vem depois? É aqui que aparece o conceito de marketing pós-social, momento em que marcas deixam de correr atrás do hype e passam a criar conexões reais.
A mudança fica evidente ao observarmos como nós, pessoas, usamos a internet hoje. No passado, entrávamos nas redes para ver fotos de jantar, vinho, viagens e manter contato com amigos. Agora, usamos para nos manter informados, um novo hábito que redefine o que importa na comunicação das marcas.
O Brasil é, inclusive, campeão mundial nesse comportamento: 44% dos jovens de 18 a 24 anos dependem exclusivamente das redes sociais para se informar, segundo o Reuters Institute. Além disso, as interações sociais migraram para os bastidores.
A principal ação hoje é enviar posts e vídeos para amigos, não comentar publicamente. É o chamado dark social. As conversas acontecem em grupos privados e fóruns anônimos. Não por acaso, o Reddit, baseado nesse modelo, foi a plataforma que mais cresceu em faturamento publicitário neste ano.
O efeito colateral? O marketing também vai para os bastidores. Depois de décadas de campanhas massivas e visibilidade pública, o futuro aponta para um marketing um-a-um, discreto e quase invisível. Um indicador dessa transformação: só na Blip, já foram enviadas 1,4 bilhão de mensagens individuais de campanha até setembro deste ano.
Não é coincidência que o parassocial tenha sido escolhido como a palavra do ano. Em 2013, quando o filme Her foi lançado, parecia absurdo imaginar alguém vivendo um relacionamento com a IA do celular.
Hoje, não é difícil imaginar uma criança dizendo que sua melhor amiga é a Galinha Pintadinha, e isso nem soaria estranho. O futuro do marketing está justamente nessa fronteira híbrida: um algoritmo tentando replicar uma relação individual.
Uma comunicação que se parece com amizade, proximidade, cumplicidade, mesmo que mediada por tela, código e dados.
Se estamos entrando em uma era em que relações humanas e mediadas se misturam, o marketing precisará entender esse novo pacto emocional. A palavra parassocial não descreve apenas um fenômeno: descreve a próxima era da comunicação.
*Thiago La Torre é consultor LATAM na RIES e curador do telejornal #M15.