Mas afinal, o que é aprendizagem
A aprendizagem de um ser vivo (sistema) adaptativo complexo como seus filhos é sua própria evolução
Bússola
Publicado em 6 de fevereiro de 2022 às 16h56.
Última atualização em 7 de fevereiro de 2022 às 07h04.
Responda aí, de bate-pronto, o que é aprendizagem? A partir de qual momento, ou evento, se pode afirmar que você, ou seus filhos, aprenderam alguma coisa? Pode parecer estranho a quem não é educador, mas essa resposta é bem menos óbvia do que parece.
Ao longo da história, educadores de grande reconhecimento internacional como, Skinner, Gagné, Piaget, Rogers, Vygotsky, Kelly e Paulo Freire, desenvolveram diversas teorias de aprendizagem. Por exemplo, há uma linha behaviorista, que leva em conta os aspectos exteriores ao indivíduo, tais como os comportamentos dos alunos que podem ser observáveis pelos professores, a partir de estímulos e recompensas (tais como as notas nas provas).
Há uma outra linha, construtivista, que foca nos aspectos internos, a partir de como cada indivíduo constrói sua própria percepção de mundo, reorganizando-se na assimilação de informações do meio externo.
Uma terceira, sociocultural, sugere que as funções mentais decorrem das relações sociais, sendo convertidas por meio de símbolos e signos históricos, sociais e culturais que mediam a relação entre o indivíduo e o meio externo.
Uma quarta, cognitivista, parte do cérebro e da mente, buscando compreender a organização mental que se estabelece quando pensamos, memorizamos e tomamos decisões complexas, além de muitas outras.
Para cada uma delas, aprendizagem é uma coisa diferente e, portanto, a metodologia de instrução também varia, porque é a partir da instrução que se criam as condições para a respectiva aprendizagem. Uma instrução behaviorista é mais individualizada e foca em aulas expositivas e provas. Uma instrução construtivista é mais coletiva e foca em atividades de construção de soluções pelos alunos. Na abordagem cognitivista, os professores estimulam os alunos a adotar estratégias que facilitam a criação de esquemas mentais que possam ser acessados no futuro, como, por exemplo, espaçar o estudo em diferentes momentos e refletir sobre o processo de aprendizagem.
Um dos grandes desafios da ciência da aprendizagem e da gestão pública e privada da educação é fugir dos falsos dilemas e integrar visões que tragam um resultado útil para os jovens e para a sociedade, a partir de elementos de todas essas linhas.
A linha behaviorista pode ser mais adequada para se aprender conteúdos e conceitos de baixa complexidade; o construtivismo pode ser mais adequado para se aprender a aplicação prática (mais complexa) desse conteúdo. Esse esforço de integração tem sido feito de diversas maneiras, incluindo-se por meio da teoria sistêmica e da complexidade.
Alunos são complexos, no sentido de que não têm um comportamento necessariamente previsível (diferentemente de uma máquina). Cada aluno aprende de um jeito e a aprendizagem é um processo que envolve muitas dimensões. A começar pelos próprios alunos: eles têm uma série de atributos cognitivos e emocionais, inclusive genéticos, que influenciam a maneira como aprendem, assim como o seu grau de desenvolvimento e número de conexões neurais, que aumentam conforme crescem.
Além disso, alunos não vivem no vácuo, isolados do mundo. Na verdade, são parte de suas famílias, sala de aula, escola, cidade, Brasil e do mundo, e aprendem na medida em que suas partes internas interagem com o mundo exterior. Por exemplo, se a família valoriza e acolhe os alunos, a aprendizagem é diferente daquela que ocorreria se seus pais fossem, por exemplo, neutros ou hostis à sua educação.
Na sala de aula, as interações também influenciam muito a aprendizagem. Se a professora é carinhosa e o método de ensino estimula a curiosidade, o resultado é um; se a professora intimida e a aula é maçante, os alunos contam os minutos para sair de lá, e o resultado é outro.
No nível mais amplo, se a política educacional brasileira garante alta qualidade na formação dos professores, o resultado de sua aprendizagem também é influenciado.
E, por fim, no nível global, a revolução digital, que impacta tudo o que o/a aluno/a e todos nós fazemos, também tem um fator decisivo na maneira como eles irão aprender. O todo é influenciado pela parte, que influencia o todo.
Portanto, a aprendizagem de um ser vivo (sistema) adaptativo complexo como seus filhos é sua própria evolução, que pode ser facilitada de acordo com as condições estabelecidas em cada uma dessas dimensões internas e externas, interagindo de maneira interdependente.
Decorrem dessa complexidade diversas outras questões espinhosas, tais como “como sabemos que alguém aprendeu?”, “como calculamos a aprendizagem?”, “como comprovamos que determinados fatores maximizam a aprendizagem?”.
São temas de que tratarei em outros artigos, mas deixo aqui uma mensagem final: por uma limitação tecnológica, não é possível aferir (avaliar) aprendizagem em larga escala em tantos níveis internos e externos, com tantas variáveis interdependentes. Tanto a neurociência, quanto a estatística de grandes quantidades de dados (analytics) e a matemática do caos (non-linear dynamics) contribuem, mas não são suficientes ainda, para predizer, por exemplo, os fatores que efetivamente conduzem à aprendizagem.
Na ausência disso, trabalhamos com os instrumentos que temos, que incluem provas e exames, mas não podemos nos limitar a elas, porque capturam apenas uma parte do complexo fenômeno da aprendizagem. Se seus filhos trouxerem um boletim com uma nota baixa, não sejam categóricos na reação: indaguem sobre os fatores que podem estar levando a isso. Perguntas boas, nesse caso, podem valer muito mais do que respostas rápidas.
*Fernando Shayer é cofundador e CEO da Cloe , plataforma de aprendizagem ativa
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