Luís Inácio da Silva, agora presidente da república, planeja governo com cautela (Marcelo Casal/Agência Brasil)
Bússola
Publicado em 16 de dezembro de 2022 às 18h45.
No princípio era a verba, e ela se moveu sobre as águas e se transmutou em emendas. As trevas cobriram a face das transferências e os atos se faziam mistérios no orçamento. Haja recursos, falou o relator. E houve até pix. E criou-se tudo que os parlamentares sempre sonharam em segredo: rios de mel, árvores de votos. Então foi aprovada a PEC, recursos iriam chover para todos, antes da transição do início de tudo.
Mas o inferno fica do outro lado da Praça, no Supremo Tribunal Federal - com sua pauta de transparência e publicidade das transferências de recursos seguindo a Constituição. E a relatora determinou: Haja luz, instaure-se a transparência! E houve um apagão no funcionamento do Congresso, porque assim se abriu a porta do paraíso ao novo governo, e do purgatório ao parlamento.
Isso porque a gênese de poder de um governo pode ser verificada na construção de uma base parlamentar própria, mesmo que adquirida de um governo anterior no mercado de segunda mão da política. O que ainda não é, de fato já existe quando a vitória é proclamada. Mas é inédito que se traduza em ação ainda antes da posse, com negociação direta com o parlamento antes do início oficial do mandato para mudar até a Carta Magna.
A votação da Proposta de Emenda à Constituição da Transição no Senado mostrou a musculatura do futuro governo Lula. Conseguiu, com pragmatismo, avançar em mais recursos que o previsto inicialmente para irrigar o Orçamento Geral da União de 2023. A Câmara de Arthur Lira (Progressistas-AL) tende a seguir o ritmo do tilintar das moedas a mais para gastar em 2023. Quer o recurso, mas o STF quer que a trilha do dinheiro seja visível a todos.
Risco fiscal e impacto junto ao mercado não são preocupação fundamental neste momento. O essencial é pagar o Bolsa Família de R$ 600 no próximo ano e cumprir a promessa de campanha, minimizando os danos sociais que a pandemia deixou sobre os brasileiros mais vulneráveis. Esse é o público que elegeu o futuro presidente. Lembrando que, popularidade, é força política junto ao Congresso.
Mais recursos liberam margens mais amplas no orçamento, alargando as bordas de ação do convencimento do governo no legislativo a outros temas. Se ultrapassar a casa de R$ 200 bilhões, a margem extra para emendas parlamentares é ainda maior. Ora, interessa ao futuro governo, interessa ao Congresso. A aprovação foi contada com folga, 64 senadores contra 13.
Sinal de que a Câmara também deve aprovar, mesmo com muxoxo e negociação de sua cota parte em cargos no futuro governo - mesmo à custa da lei das estatais, onde se abre mais um acesso ao maná do Estado. Não existe margem para negar ajuda aos pobres neste momento. Nem para recusar dinheiro para investimento que melhora as condições mínimas de começo do governo, além de ajustar contas deixadas pelo atual.
E o governo jovem, com popularidade em alta, é muito sedutor. Uma fatia de parlamentares olha seduzida o Palácio do Palácio somente com porta de entrada, nunca de saída. É o famoso Centrão. Troca-se governo, lá estão eles. O italiano Vilfredo Pareto classificou isso de teoria da circulação das elites, pela tendência histórica de uma classe dominante se agarrar ao poder.
Seja com Bolsonaro, seja com Lula, alguns partidos integrantes do Centrão (ou todos eles) estarão no governo, do qual preferem nunca usar as porta de saída. Esses partidos são fins de si próprios, cujo único objetivo é ser meio de se perpetuar no poder.”A classe política dispõe, sem dúvida, de um sentido muito apurado das possibilidades e meios da sua autoconservação. Desenvolve uma poderosa força de atração e capacidade de absorção que só raramente é ineficaz, mesmo face aos seus adversários mais irredutíveis e consequentes”, declarou Robert Michels, falando sobre a lei de ferro das oligarquias. Na forma de ditado italiano: “cambia il maestro di capella, ma la musica è sempre quella”.
É por isso que Lula olha o Congresso e os parlamentares observam Lula. Um minueto conhecido. Dança de aproximação. Com interesses comuns e convergentes, mesmo com diferenças fundamentais em alguns conceitos. É pelos interesses comuns que partidos que estiveram com Bolsonaro querem entrar no governo petista. Ideologia é coisa para acadêmico. A música é a mesma, por que se importar com o maestro? Mas o cuidado agora é não errar na composição da orquestra, para não desafinar. Lula espera a aprovação da PEC para montar o ministério político, a Câmara esperar o juramento do Orçamento Secreto para votar com o governo. Quem piscará primeiro?
*Marcio de Freitas é analista político da FSB Comunicação
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