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Márcio de Freitas: É preciso desestatizar os partidos políticos

Partidos políticos brasileiros são juridicamente classificados como entidades de direito privado, mas sobrevivem com o repasse de verbas públicas

Democracia brasileira é cara e mantém o povo, assepticamente, distante do processo real da política (Agência Câmara/Agência Câmara)
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Bússola

Publicado em 14 de abril de 2022 às 21h30.

Por Márcio de Freitas*

Os partidos políticos brasileiros não têm raízes sociais profundas, sem exceção. São juridicamente classificados como entidades de direito privado, mas copiam em sua organização interna a hierarquia governamental e sobrevivem com o repasse de verbas públicas recolhidas forçosamente do bolso do contribuinte.

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Mesmo no processo eleitoral, onde deveria haver maior permeabilidade para a relação com o povo há cada vez mais o distanciamento. Usa-se meios de comunicação de massa em campanhas obrigatórias (compensadas com impostos aos veículos e, por isso, não gratuitas), redes sociais como canais diretos e, tendência cada vez maior nos últimos tempos, menos debates entre os postulantes a cargos públicos.

A democracia brasileira é cara e mantém o povo, assepticamente, distante do processo real da política. Só há o contato passivo, nunca interação de fato. O cancelamento não é só virtual, é uma rotina imposta nos rituais partidários e na concentração de poder nas mãos de uns poucos, muito poucos, privilegiados a decidirem os rumos do país.

Os partidos acabaram perdendo seu sentido positivo, conquistado nos inícios das formulações da política contemporânea. O cientista político Giovanni Sartori explicou em obra clássica que o termo surgiu no século 19 num debate que suplantou a ideia negativa, com formulação conceitual de Voltaire. “A palavra partido não é, em si, repulsiva; a palavra facção sempre é”. Facção e seita era palavras associadas a atividades políticas com objetivo de identificação pejorativa radical.

Foi Thomas Jefferson o primeiro a conseguir unir o Partido Republicano sob princípios estruturais para sua campanha à presidência contra os federalistas de Alexander Hamilton. Essa parte da sociedade organizada passou a expressar um modus operandi nos processos eleitorais nas democracias ocidentais.

Na eleição de 2018 no Brasil, 30 partidos conseguiram o direito de ter representação formal na Câmara dos Deputados. Esse número caiu hoje para 23, diante do aumento de exigências de lei aprovada em 2017 impondo cláusulas de desempenho para legendas. Fusões e extinção de partidos melhoraram um pouco o ambiente congestionado do Congresso. Mas longe do ideal. Pode até haver 30 facções de políticos no país, mas dificilmente haveria 30 partidos representando 30 linhas de pensamento distintas de forma orgânica entre os brasileiros.

Há programas partidários e estatutos que expressam as mesmas ideias e propostas — por vezes com palavras iguais. Em Brasília, há especialistas neste tipo de assessoramento para criar partidos. Criados, eles são geridos por grupos políticos diferentes porque determinados políticos não suportam conviver uns com os outros por ambição, diferenças pessoais ou pura antipatia.

A permissividade dos próprios políticos e do Judiciário para criar novas legendas, introduziu uma indústria que mostra suas garras agora no processo eleitoral, ao controlar o orçamento público de forma ostensiva e definir como, quando e quanto irão gastar para a manutenção deles mesmo no poder, inibindo a concorrência externa na política.

Essa indústria se retroalimenta. Como só poderão ter acesso a verbas do fundo partidário, do fundo eleitoral e tempo de TV se obtiverem números mínimos de votação nas eleições proporcionais, os partidos abandonaram os projetos majoritários. Cada vez haverá menos defesa de ideais ou candidaturas majoritárias que se proponham a falar besteiras como do Aerotrem ou Mareduto (coisa das lendas de Minas Gerais).

É positivo não ter projetos estapafúrdios sendo apresentados com dinheiro público, mas mesmo legendas antigamente grandes como MDB, PSDB, o extinto DEM (agora União Brasil) caminham celeremente para a abdicação de um projeto nacional. Há muito mais debate interno nessas legendas sobre como financiar um deputado federal do que sobre um projeto para educação ou a saúde brasileira.

A demofobia partidária tem como efeito colateral aumentar a negação que o próprio eleitor passa a exercitar em relação aos políticos. Descrença e abstenção avançam nesse cenário em que facções são muito mais expressão correta para as legendas nacionais do que a de serem parte de algo maior, o que deixam de ser a cada eleição. Ou os políticos começam a desestatizar os partidos, ou cada vez mais serão privados da real relação com o povo.

O sintoma maior disso é que, hoje, os dois candidatos principais da disputa nacional independem de suas legendas. São muito maiores que seus partidos. E chega-se ao ponto de ambos escolherem seus vices, independente de qual legenda ele está filiado. Interessa o nome e o perfil. O partido arranja-se depois.

*Márcio de Freitasé analista político da FSB Comunicação

Este é um conteúdo da Bússola, parceria entre a FSB Comunicação e a Exame. O texto não reflete necessariamente a opinião da Exame.

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