Liberdade de expressão, imunidade parlamentar e seus limites
Coluna semanal do analista Márcio de Freitas comenta os temas mais debatidos entre os poderes em Brasília
Mariana Martucci
Publicado em 18 de fevereiro de 2021 às 21h10.
“Deveria receber uma medalha por fumar”, disse poucos anos atrás o radialista Rush Limbaugh, um dos maiores propagadores da falsa teoria de que o ex-presidente Barack Obama não teria nascido em solo dos Estados Unidos. Limbaugh era um fenômeno de audiência, com público cativo e influente no Partido Republicano. Preconceituoso, machista e conservador, disseminava fake news muito antes da internet. Foi um dos primeiros defensores da candidatura de Donald Trump à presidência em 2016.
O fumante Limbaugh morreu de câncer do pulmão aos 70 anos ontem, dia em que o Supremo Tribunal Federal manteve por unanimidade a prisão do deputado federal Daniel Silveira, do PSL do Rio de Janeiro. Há muitas afinidades entre os dois personagens, e diferenças fundamentais: a lei dos países onde nasceram e seus tribunais supremos.
O Estados Unidos prezam a liberdade de expressão e abrem as portas aos reclamantes para eventuais ações que só nos casos mais rumorosos chegam à corte suprema. No caso de uma mentira, como a espalhada sobre Obama, era só mais uma tentativa política de retirar legitimidade do candidato e depois do presidente norte-americano. Limbaugh recebeu uma medalha de Trump no ano passado.
No Brasil, alguns privilegiados têm imunidade constitucional para expressar e falar o que pensam, opinar e criticar os Poderes, e exercer com plenitude a delegação de poder do povo. Nem todos sabem o que falar, e foi por isso que no passado o país teve personagens como Stanislaw Ponte Preta e, hoje, lemos o pouco siso do Sensacionalista.
Apesar da imunidade, nem tudo é permitido aos parlamentares. A liberdade de expressão é limitada pela linha que caracteriza o crime. Usar os músculos para formular frases não é boa estratégia. Claro, a língua é um músculo, mas só executa a tarefa.
Ad terrorem, um exemplo do que o político não pode falar: se usar sua voz para pedir a um empresário uma soma em dinheiro para aprovar um projeto, isso é corrupção. É crime, puro e simples. Se ele ameaça ou agride verbalmente, é o mesmo. E foi assim que o Supremo entendeu a fala do deputado fluminense. Como o vídeo estava no ar há pouco tempo, flagrante.
Ao ser preso, o deputado falou tranquilamente às câmeras que a prisão seria revogada. Mostrou desconhecer as leis e seus limites. Ou talvez quisesse isso mesmo: ser preso para continuar a atacar o STF junto a um eleitorado cada vez mais ansioso para encontrar qualquer bode expiatório pela eterna crise nacional. Qualquer cálculo é possível no terreno do absurdo.
No plano do razoável, os presidentes de Poderes diminuíram a temperatura da crise. O presidente da Câmara, Arthur Lira, tratou de ouvir seus pares, tentou pontes com o Judiciário e manteve diálogo com o presidente da República, Jair Bolsonaro, que não entrou na bola dividida desta vez, depois de já ter, no passado, sido puxado para conflitos com os ministros do Supremo, que tomaram a decisão de manter a prisão com pouquíssimos adjetivos.
Daniel Silveira quase não teve solidariedade no Parlamento, até porque demonstrou pouco conhecimento histórico ao pedir a decretação de um novo Ato Institucional número 5. Quando esse instrumento foi usado pela ditadura militar, foi para fechar o Congresso. E mais objetivamente para cassar mandatos de deputados e senadores. Uma leitura rápida na Wikipédia teria evitado o erro, mas há quem prefira ouvir só a voz da conspiração.
Assim como Limbaugh negava os problemas climáticos e o efeito do cigarro, Silveira não mediu as consequências de suas falas. Atirou contra os pés de seus colegas de Câmara. Tornou-se um problema gratuito no início da gestão dos novos presidentes do Congresso. Evocou fantasmas e alimentou, com ignorância e desconhecimento, o ódio popular.
Livros serão inúteis para certas pessoas, mas o Google pode indicar alguns caminhos curtos sobre achar políticos que jogaram com esse sentimento negativo e o lugar que hoje ocupam na história da humanidade. A prisão pode ser apenas temporária, mas mostra a força de reação das instituições.
*Analista Político da FSB Comunicação
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