Janus Pablo Macedo: quem são os auditores agropecuários?
Os profissionais formam uma potente barreira no controle das ameaças ao agronegócio, mas são esquecidos pelo poder público
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Publicado em 30 de junho de 2024 às 07h00.
Por Janus Pablo Macedo*
A defesa agropecuária é um pilar essencial para a segurança nacional e a estabilidade econômica do Brasil. Em momentos de crise, como os desastres climáticos ocorridos no Rio Grande do Sul, isso se torna ainda mais evidente. Os auditores fiscais federais agropecuários desempenham um papel fundamental na proteção de insumos para o agronegócio e garantem a segurança e a qualidade dos alimentos que produzimos para o consumo interno e exportação.
Seja na fiscalização de produtos de origem animal e vegetal, estabelecimentos fabricantes, ou na auditoria e liberação de certificações para exportação, os auditores agropecuários representam uma das barreiras mais importantes da segurança nacional. São responsáveis por identificar doenças e pragas que podem devastar a agropecuária, prevenindo assim o território brasileiro do bioterrorismo.
Aniversário da carreira de auditor agropecuário
Ainda recente, com 24 anos completados em 30 de junho, a carreira dos auditores agropecuários possui pouca ou nenhuma visibilidade no contexto agropecuário. Quando se fala de agro, é comum atrelarmos à imagem de grandes rebanhos, lavouras e em uma parcela menor à agricultura familiar , ou seja, sempre vêm à mente o potencial de produção e comércio, mas quase nunca o papel de inspeção e de prevenção a ameaças.
A carreira dos auditores agropecuários é esquecida porque os governos esquecem que sem a defesa agropecuária não teríamos garantias de qualidade de produtos e insumos aos compradores externos e, consequentemente, toda a pujança do setor, que é um dos maiores player mundiais.
Em 2024, até maio, foram abertos 46 mercados em 27 países, totalizando 124 novas oportunidades em 51 nações desde janeiro do ano passado. Para se ter uma noção, somente para o Peru, país vizinho ao nosso, as exportações agropecuárias ultrapassaram US$ 724 milhões em 2023. Já nos quatro primeiros meses deste ano, foram comercializados cerca de US$ 208 milhões. A maioria dos envios consiste em produtos florestais, carne e soja.
Sucateamento da área
São os “affas” – auditores agropecuários – que estão na linha de frente, mas sem valorização e reconhecimento por parte das autoridades públicas e da sociedade, que muitas vezes desconhecem seu papel. Ao longo dos últimos anos, o que se vê é uma precarização dos serviços, sucateamento das funções e déficit de investimentos.
Em março deste ano, uma portaria publicada pelo Ministério do Planejamento e Orçamento cortou R$ 12,1 milhões de recursos destinados à vigilância e inspeção das operações de comércio exterior de mercadorias, a bens e materiais de interesse agropecuário, ao fortalecimento do Sistema Unificado de Atenção à Sanidade Agropecuária e ao Apoio ao Desenvolvimento e Controle da Agricultura Orgânica, áreas ligadas à defesa agropecuária do Ministério da Agricultura.
Para médio e longo prazos, temos soluções viáveis à manutenção da defesa agropecuária, como a reativação do Fundo Federal Agropecuário, criado na década de 1960, mas sem movimentação desde os anos 2000. O mecanismo ajudaria no financiamento de ações ao setor, por meio da arrecadação de taxas para registro de produtos e empresas com fins de produção e comércio. É preciso coragem para enfrentar este desafio. Vale mencionar que o Brasil é um dos poucos países do mundo que não cobram taxas para estes serviços.
Falta de investimento nos profissionais
Como se não bastasse o sucateamento de investimentos à área, o déficit de profissionais é outro abismo cada vez mais profundo. Atualmente, o Brasil conta com 2,3 mil auditores agropecuários para auditar e fiscalizar portos, aeroportos, zonas de fronteira, plantas de frigoríficos, agroindústrias, campos de produção, além de realizar análises fiscais em laboratórios e abrir mercados por meio das adidâncias agrícolas.
Cerca de 20% desse total já está apto a se aposentar. Fora isso, há um déficit apontado pelo próprio Mapa de 1,6 mil servidores. Para repor o quadro de profissionais, o governo federal anunciou 200 novas vagas a serem preenchidas a partir do Concurso Nacional Unificado, o que cobre 12,5% da demanda.
Uma questão de defesa agropecuária
Para agravar ainda mais o cenário, no apagar das luzes, em 29 de dezembro de 2022, a Lei 14.515, do Autocontrole, foi publicada pelo Executivo. A norma trata da permissão do autocontrole dos agentes privados regulados pela defesa agropecuária, isto é, a mesma indústria que produz um alimento pode dizer que todos os procedimentos estão em boas qualidades e com segurança ao consumidor. Isso é dever do Estado, não do setor privado.
Desde então, o governo não publicou a regulamentação da Lei e, para piorar, criou um grupo de trabalho no Ministério da Agriculta sem convidar os auditores agropecuários (ou o Sindicato/sociedade civil organizada) para o debate. O colegiado conta, em suma, com representantes da própria indústria em maioria.
Estes cenários prejudicam o bom funcionamento do Estado e colocam a segurança nacional e dos alimentos em vulnerabilidade, implicando em perigo ao consumo alimentar e até mesmo à manutenção de mercados externos, que determinam a supervisão e auditoria de agentes de Estado no processo de produção de produtos de origem animal.
Por todas as razões expostas, os auditores fiscais federais agropecuários são fundamentais para a defesa agropecuária e a segurança nacional. Em tempos de crise, como os desastres climáticos no Rio Grande do Sul, sua atuação se torna ainda mais crucial para garantir a segurança e o abastecimento de alimentos no Brasil e no mundo.
*Janus Pablo Macedo é presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais Federais Agropecuários (Anffa Sindical), auditor agropecuário, farmacêutico e mestre em Ciências da Saúde, pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
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