Magalu compra o site Jovem Nerd, de Alexandre Ottoni e Deive Pazos (Jovem Nerd/Divulgação)
Da Redação
Publicado em 16 de abril de 2021 às 13h52.
Quanto mais ações e atividades você realizar dentro de um mesmo aplicativo ou plataforma digital, melhor. Essa é a premissa dos superapps, plataformas que se dispõem a integrar os mais variados serviços em um ecossistema único: meios de pagamento e transações financeiras, supermercado, táxi, troca de mensagens, entregas e – por que não? – conteúdo e entretenimento.
A tendência dos superapps é, no fim, fazer tudo o que você precisa no mesmo ambiente digital, praticamente perdendo uma visão de apoio funcional individual para um hub em que você resolve sua vida. É o aplicativo de mensagens que também permite que você transfira dinheiro; é a plataforma de viagens que te permite fazer todos os pagamentos pelo app; é o app de delivery que te permite contratar os mais variados serviços.
As marcas e negócios estão estudando o movimento, acompanhando tendências, buscando compreender as atividades feitas por concorrentes, ou em benchmarks na China, sobretudo.
O desafio, claro, é não se perder na variedade. Às vezes, confesso que tenho uma certa impressão que superapp é só o nome de uma tentativa estranha de unir coisas que não tem muito a ver. Eu sei, não é exatamente por aí. Mas a generalização do modelo é um ponto de atenção, sim. E talvez essa tentativa de importar o modelo chinês seja um pouco confusa por aqui, mesmo.
A verdade é que o superapp é um modelo que limita. Por um lado, é o ápice da cultura mobile-first. Mas nasce dessa intenção das marcas em se tornarem imprescindíveis e presentes. Digamos que o modelo seja uma espécie de metrópole. Ali, você encontra tudo: lojas, serviços, filmes, farmácia, lugares pra paquerar, lazer, entretenimento. Sua vida inteira está ali. Mas não adianta nada ter a metrópole sem caminhos que levam até elas. E o que se vê muito nas estratégias de superapp atuais é uma tentativa de crescer por dentro: se você já utiliza um tipo de serviço, provavelmente vai se interessar por esse outro também.
Pode ser verdade em muitos casos, mas esse crescimento orgânico pode ser demorado, dolorido e cheio de erros de percurso que podem inviabilizar o projeto inteiro. E aí entram as grandes empresas.
Muito antes de se falar em superapp já havia memes sobre a próxima aquisição da Amazon. O modelo de diversificação de negócios daquela livraria online nascida em Seattle é frequentemente criticado como agressivo. Já comprou mercado natureba, comunidade de streaming, jornal em declínio e se tornou uma das principais produtoras e distribuidoras de filmes e séries. E embora seja o maior marketplace do ocidente, quase ninguém chama a Amazon de superapp.
O grande benchmark do modelo é o WeChat, da gigante tech chinesa Tencent. Criado em 2011 como um aplicativo de troca de mensagens, hoje é uma plataforma que oferece mais de um milhão de serviços em um sistema tipo marketplace. E tem mais de um bilhão de usuários.
Há uma série de vantagens competitivas que transformaram a China em sucesso do modelo dos superapps. O primeiro deles é que a digitalização do país se deu de forma muito rápida, de modo que muitas regras e regulações que se vê em outras culturas simplesmente não existem por lá. A começar pela responsabilidade de uso dos dados pessoais. O segundo é, claro, a população. E o terceiro, que tem a ver com os dois primeiros, é que as companhias tech chinesas já nasceram com um reforço de aceleração cultural e financeira, diferente do modelo "garagem" do vale do Silício.
Ali, as soluções já são pensadas como ecossistemas, em vez de produtos. E é por isso que a gente precisa olhar para o modelo com curiosidade, com interesse, mas também com distanciamento e olhar crítico.
Os últimos dois anos dos "superapps" do Brasil (e eu coloco entre aspas porque realmente acho que não temos superapps de fato) focaram em dois movimentos importantes: o boom das carteiras digitais e meios de pagamento integrado. Era relativamente comum, antes da pandemia, encontrar uma boa quantidade de plaquinhas oferecendo os mais variados formatos de pagamento no balcão do seu restaurante por quilo favorito. A aposta desses meios de pagamento integrados era outra: fidelidade e cashback. Certa vez, juro, eu paguei uma conta de luz pelo app de alugar bicicletas.
Enfim, falei tudo isso para chegar até a aquisição do Jovem Nerd pelo Magalu esta semana.
Quem acompanha o universo da cultura pop sem dúvida conhece a comunidade, fundada por Alexandre Ottoni e Deive Pazos como um blog sobre nerdices em 2002. E essa comunidade, além do próprio site que é um portal de conteúdo, inclui também o Nerdcast, hoje um dos principais podcasts do Brasil, e também as propriedades intelectuais NerdOffice, NerdPlayer, NerdBunker e o Nerdologia, focado em ciências e histórias.
São mais de 5,5 milhões de inscritos nos canais do YouTube da comunidade, além de programas que já passaram de um bilhão de visualizações. São 19 anos produzindo conteúdo sobre jogos, cinema, história, ciência, quadrinhos, tecnologia.
Desde o ano passado o Magalu realizou 17 aquisições. Entre elas, o portal Canaltech e a plataforma de moda e beleza Steal The Look.
Há, sem dúvidas, uma preocupação de se posicionar como um player de relevância cultural, algo que a própria marca Magalu vem fazendo institucionalmente.
Mas atuar com a ampliação de seus braços em comunidades nichadas – e rentáveis – como as de moda, tecnologia e cultura nerd, a companhia expande sua relevância, fortalece sua estratégia de exposição de produtos por meio do MagaluAds e, principalmente, cria novas estradas que levem à metrópole que é seu superapp.
Assim, cresce o crescimento colaborativo do varejo digital aliado ao conteúdo. E esse, arrisco dizer, é o caminho do "superapp brasileiro". Crescimento de fora pra dentro, aposta em comunidades e relevância de territórios.
Assim, talvez, a gente não precise ter a "Amazon brasileira" ou a "Tencent tupiniquim". Temos espaço para criar nosso próprio caminho.
Cauê Madeira é sócio-diretor de Growth na Loures Consultoria
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