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Feitiço do tempo eleitoral

Especialista em inovação e comunicação digital avalia como potencial do debate eleitoral nas redes é desperdiçado com desinformação e fake news

Há um tempo, a gente já sabe que a internet acumula um fracasso importante: ela não “conseguiu” trazer a política para o século 21 (Hero Images/Getty Images)

Mariana Martucci

Publicado em 29 de setembro de 2020 às 21h24.

As campanhas eleitorais municipais começaram há uma semana. Será o “warm up” para que possamos entender como os candidatos atuarão em relação às fake news, depois dos processos eleitorais recentes. Temos um contexto de tempestade perfeita para isso: o pleito, a pandemia com distanciamento necessário, o já declarado medo de ir votar e a aceleração das próprias fakes news nos últimos meses.

Há um tempo, a gente já sabe que a internet acumula um fracasso importante: ela não “conseguiu” trazer a política para o século 21. Mas a política conseguiu levar a internet para o século 19. Temos nela todas as possibilidades de debates em tempo real, variedade de formatos e informação extremamente segmentada.

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Ainda assim parece que estamos ali, presos no feitiço do tempo, olhando comícios de coreto para 3 dúzias de pessoas, no início do século passado. O potencial tecnológico (que continua a ser incrível e promissor sim) tomou o rumo da desinformação e tem nos dado poucas oportunidades de efetivamente sermos os cidadãos que a sociedade inclusiva digital sempre prometeu, não é?

Não aconteceu assim até agora e nada indica que vai mudar. O modelo que temos hoje é um alto “score” a favor de uma distopia trágica: cada candidato fala para sua militância e vice-versa. No meio, fica ali o eleitor, preso em algoritmos geradores de bolhas e de versões enviesadas, ungindo nas urnas discursos políticos com as bençãos de verdade quando, quase sempre, não passam de versões. Distorcidas. Inventadas.

Lembrei de uma frase de George Orwell (autor de “1984”) escrita em uma coluna, em jornal alemão, em 1944. Ela traz um vislumbre profético sobre nossas mazelas de agora. E não apenas nas campanhas e na política.

Orwell: “saber e não saber, ter consciência da verdade honesta e completa contando mentiras meticulosamente engendradas, defender ao mesmo tempo duas opiniões que se cancelam uma à outra, sabendo que são contraditórias e acreditando em ambas”. Nesse vácuo confuso nasce qualquer coisa. Fake news, por exemplo. E nem existia WhatsApp.

Espero muito ver – e elas existem – campanhas baseadas em “true news” e respeitando nossa inteligência e cidadania. A conferir.

Sim, o texto é de 1944, mas pode atualizar a valores de 2020.

*Sócia-diretora Digital&Inovação da FSB Comunicação

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