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ESG: histórico, materialidade e relevância

É importante que as análises de proposições, projetos e iniciativas voltadas à agenda ESG sempre considerem esse três pontos

Greenwashing continua sendo um problema (Shutterstock/Divulgação)
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Bússola

Publicado em 23 de junho de 2022 às 13h36.

Por Marco Orosz, Arthur Pereira Carvalhaes, Camila de Godoy Ferreira e Geovana Martinazzo*

Recente relatório de engajamento divulgado pela BlackRock Investment Stewardship (BIS), maior gestora de fundos de investimento do mundo, trouxe a notícia de que ela deverá apoiar um número menor de propostas apresentadas por acionistas de seus clientes em temas da pauta ESG -Environmental, Social, and Corporate Governance (Ambiental, Social e Governança Corporativa), em especial no pilar Environmental, quando não trouxerem transparência de informações e uma visão de longo prazo.

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Ainda que cada vez mais companhias estejam adotando medidas conforme as práticas de ESG, a BIS, numa mudança de posicionamento, decidiu desacelerar a aprovação de propostas de acionistas relacionadas ao tema por entender que elas se tornaram demasiadamente ativistas e prescritivas, desalinhadas com a criação de valores a longo prazo para os acionistas e bom desempenho econômico das companhias (bases da pauta ESG).

Em seu relatório, a BIS indica que em 2021 apoiou 47% de propostas de acionistas sobre questões ambientais e sociais ligadas ao tema ESG (81 de 172), pois entenderam que essas propostas estavam consistentes, no longo prazo, com a criação de valor e não indevidamente impondo restrições à gestão.

Todavia, sinais da utilização equivocada — ou não sincera — de pleitos perante a administração das companhias teria acendido uma luz amarela na maior gestora de fundos do mundo.

Conscientes de seu dever de fidúcia e responsabilidade na gestão de empresas e valores que pertencem a seus clientes — que incluem planos de previdência pública e privada, governos, companhias de seguros, doações, universidades, instituições de caridade e, em última instância, investidores individuais — a BIS concluiu que “a natureza de certas propostas de acionistas chegando a votação em 2022 significa ser provável que apoiem proporcionalmente menos ações na próxima temporada do que em 2021, pois não consideram que elas sejam consistentes com os interesses financeiros de longo prazo de seus clientes”.

Aliás, do ponto de vista societário, a não implementação de propostas apresentadas pelos acionistas se deve à dinâmica vigente nos EUA, onde, ainda que aprovadas conforme as regras da companhia, as propostas não precisam necessariamente ser implementadas pela sua administração.

Já nas companhias brasileiras, reguladas pela Lei nº 6.404/1976, um tema levado à assembleia-geral para discussão, desde que aprovado pelos acionistas, respeitado o quórum previsto em lei ou no estatuto social, deverá ser implementado pela administração. Em geral, o quórum necessário para a aprovação dessas deliberações será o de maioria absoluta, ou seja, 50% + 1 do total das ações da companhia com direito a voto.

Assim, enquanto nos EUA essa decisão não seria, em sua maioria, vinculante à administração, no Brasil ela só poderá ser alterada em caso de uma nova deliberação dos acionistas em sentido contrário.

Para as companhias de capital aberto, além de igual impossibilidade de não implementação das propostas aprovadas pelos acionistas, há maior controle e regulamentação a respeito da transparência das práticas de ESG adotadas, conforme trazido pela Resolução n.º 59 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), responsável pela alteração da Instrução n.º 480 do mesmo órgão.

Se por um lado é inegável que as políticas de ESG adotadas pelas companhias precisam, para serem eficazes e sustentáveis a longo prazo, guardar relação com o negócio desenvolvido e com as maiores preocupações em seu ramo de atuação, de outro não podem inviabilizar a atividade empresarial e sua rentabilidade, ou ainda resvalar no que o mercado tem chamado de greenwashing.

E sobre isso, é de suma importância que nas análises de proposições, projetos e iniciativas voltadas à agenda ESG, como as que chegam para avaliação da BIS, três pontos sejam sempre considerados: histórico, materialidade e relevância.

Em suma: há quanto tempo a companhia está engajada no assunto? É algo vindo de anos ou momentâneo? E a ação proposta, vai gerar um resultado com materialidade (volume/extensão) financeira/operacional real para a companhia, ou será residual/mínima? E por fim, será relevante (importância) a ponto de geral uma mudança significativa em algum aspecto desafiador da operação, ou algo pouco significativo?

Exemplo? Uma companhia de calçados, sem histórico de engajamento em temas ambientais e sociais, alardeia a notícia que utiliza borracha reciclada no solado de um de seus modelos e alinha essa providência com uma gestão próxima da agenda ESG. Boa iniciativa. Mas se o volume de borracha reciclada for de 0,8% do total da produção, sem qualquer alteração sobre outros processos de produção eventualmente poluentes, certamente não se vislumbra materialidade ou relevância.

Nesse sentido, acrescentou a BIS no mencionado relatório: “em nossas determinações de votação é crucial que tomemos em consideração o contexto em que as empresas estão operando seus negócios. À medida que engajamos empresas em um diálogo ativo sobre os riscos e oportunidades relacionados ao clima em seus modelos de negócios, defendemos medidas alinhadas com os interesses de nossos clientes como acionistas de longo prazo”.

Seria então a posição da maior gestora de fundos do mundo um sinal de desaquecimento da pauta ESG? Não, pelo contrário. Seria uma correção de rumo, uma indicação de que o é realmente relevante é a qualidade, e não a quantidade, a corrida longa, e não o sprint curto, a relevância genuína e não o marketing pontual.

Que as propostas feitas por acionistas e stakeholders continuarão a ser feitas, vez que naturalmente decorrentes do papel por eles desempenhado nas companhias, é uma certeza, e serão bem-vindas, mas desde que realmente pertinentes. Caberá aos acionistas a análise dessas propostas em assembleias, com  a análise do todo, desafiando os proponentes, afastando as aventuras, mas aprovando as boas ideias para implementação da gestão.

*Marco Aurelio Bagnara Orosz é advogado especialista da área de Compliance do escritório Finocchio & Ustra Advogados, Arthur Pereira Carvalhaes é advogado especialista da área Societária do escritório Finocchio & Ustra Advogados, Camila de Godoy Ferreira é advogada especialista da área Societária do escritório Finocchio & Ustra Advogados e Geovana Martinazzo é  estagiária da área Societária do escritório Finocchio & Ustra Advogados

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