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ESG: “A economia circular que circule longe das minhas coisas”

Tão grande quanto o desafio de nos livrar do hábito de “comprar, usar e descartar” é superar aquele outro de “comprar, usar e se apegar”. Só que isso vem de berço

Possuir bens sempre foi um desejo do ser humano (Gerasimov174/Getty Images)
Renato Krausz

Sócio-diretor da Loures Consultoria - Colunista Bússola

Publicado em 24 de fevereiro de 2023 às 08h00.

Última atualização em 6 de novembro de 2023 às 17h47.

“É meu!” está na lista das dez ou vinte primeiras coisas que toda criança sai dizendo tão logo aprende a falar. Aí vão se passando os anos e a vontade de possuir coisas ou colecioná-las só cresce. Então imagina o estrago que isso pode causar na hora em que se torna urgente, como agora, para nossa própria sobrevivência, a concretização de uma economia cada vez mais circular.

Ter e colecionar coisas faz parte da natureza do ser humano. Desde as cavernas somos assim. Seja lá por qual motivo, nunca dei muita trela para isso. Meu ponteiro do desapego até que está perto do talo. Não sou de colecionar coisas, com poucas e nada ferrenhas exceções na infância. Crescido, já tive apego por discos e livros, e ele foi-se indo embora, assim, de repente com os discos e aos poucos com os livros.

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Nos lugares em que trabalhei, ao contrário dos colegas que empilhavam montanhas altíssimas de coisas úteis e inúteis em suas mesas, sobre a minha nunca tinha nada. Quer dizer, tinha o computador. E o porta-retrato com foto da Camila, da Julia e da Mariana. Em 2008, no meu último dia depois de 15 anos de jornal, a Mila ficou chocada ao me ver chegar em casa carregando na mão uma pasta fininha, minúscula, a qual balancei no ar diante dela e proferi: “Amor, já trouxe as minhas coisas”.

Espera. Ainda não evoluí tanto quanto um conhecido que, não satisfeito em trocar o carro por uma bicicleta, acabou vendendo a magrela. Agora ele aluga uma. Esse camarada é de outro planeta, eu acho. Em artigo publicado ontem nesta Bússola, Claire Murphy, editora na Fundação Ellen MacArthur, fala de um interessante estudo da Globescan, feito ao longo de três anos com gente de 31 países, que mostrou que apenas 20% das pessoas estão dispostas a alugar ou arrendar produtos em vez de possuí-los.

Isso precisa mudar, para o planeta não virar uma uva passa queimada. Já há, pelo menos, um sinal dessa mudança. Segundo a mesma pesquisa, apesar de ainda quererem comprar as coisas, mais de um terço das pessoas está disposto a comprar de segunda mão, e 58% delas topariam comprar produtos feitos de materiais reciclados. Não é tão tchans quanto despossuir, mas não deixa de ser um alento para a economia circular.

Tomara que elas estejam falando a verdade ao responder essas pesquisas. Eu mesmo andei mentindo acima. Fiz uma coleção quando já era adulto. Uma ridícula: canhotos de talões de cheques que emiti. Durou quase 20 anos. Não sei por que os guardei por tanto tempo. Inconscientemente, talvez pretendesse algum dia usá-los para escrever o livro de desmemórias. Seria importante saber onde e como gastei o dinheiro.

Para não perder a fama de desapegado, já faz tempo que joguei todos fora. Eram quase 150 canhotos. Mas antes anotei algumas pérolas num arquivo de Word, com o propósito de escrever uma crônica para a revista em que trabalhava. Nunca levei adiante. Que surpresa descobrir que o arquivo ainda existe numa antiga pasta que hoje está na nuvem. Agora releio as anotações. No primeiro cheque, emitido em 4 de setembro de 1993, de CR$ 1.600, estava escrito “borracha”, e não faço a menor ideia do que isso queria dizer. Talvez borracheiro? Que coisa mais decepcionante, o primeiro cheque da vida de um homem ser usado para consertar um pneu furado.

Na maioria dos canhotos estava escrito “bar”. Compras mesmo havia poucas, incluindo a entrada num apartamento e, anos depois, na casa em que moramos até hoje. Uma compra era bem especial. Foi em novembro de 2003. Estava escrito “Berço da Juju”. Um berço de madeira sólida, que custou R$ 600 e, a partir de março do ano seguinte, acolheu os sonhos doces – e também os berreiros – da primeira filha. Depois o berço foi para a Mari. Aí ela também cresceu, e ele viajou até Niterói para receber a sobrinha Lara, que o passou três anos depois para a irmã Alice. E então seguiu para outra Alice, neta de uma conhecida dos meus cunhados.

Tudo isso por 600 reais, que belo investimento. Quero crer que, passados 20 anos, o berço ainda esteja sendo usado por uma criança linda que tem todo direito às noites mais tranquilas. Naquele novembro de 2003, nem passou pela nossa cabeça alugar um berço. Nem sei se existia esse tipo de serviço na época. Hoje existe. Seja lá como for, que o nosso berço merece uma medalha de economia circular, isso ele merece.

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