New electronic urn used to vote in elections in Brazil. (Paralaxis/Getty Images)
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Publicado em 23 de maio de 2024 às 07h00.
Por Rafael Kenji e Thaís Scharfenberg*
Os eventos climáticos extremos, como tempestades, secas e enchentes, estão cada vez mais frequentes e intensos, fazendo o número de deslocados internos mais do que dobrar na última década, passando para 71 milhões de acordo com a OIM, Agência da ONU para as Migrações. Dados da Organização das Nações Unidas apontam que, apesar do impacto das mudanças climáticas ser global, algumas parcelas da população são mais afetadas, como aquelas que vivem em situação de pobreza e comunidades discriminadas.
No ano de 2015, como uma extensão dos Objetivos do Milênio, a ONU criou os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), com participação ativa dos setores público, privado, terceiro setor, governos e sociedade civil. A participação de todas as parcelas da sociedade para a criação de um plano global de crescimento sustentável trouxe para a mesa de discussões a importância da ação de cada indivíduo, sem deixar de lado a maior responsabilidade dos governos e empresas para o efetivo cumprimento das metas estabelecidas.
"Use sua voz, seu voto e suas escolhas", disse Al Gore, Nobel da Paz e ex-Vice Presidente dos Estados Unidos. Fazer cada voz ser ouvida é o primeiro ato para o combate às mudanças climáticas. No super ano das eleições pelo mundo, são mais de 40 eleições nacionais e transnacionais em países que concentram mais de 40% da população mundial. É o momento perfeito para a valorização da consciência política e o estímulo ao voto consciente, em candidatos que possuem pautas ambientais e climáticas, que priorizam as evidências científicas e entendem o impacto de suas ações de forma global. Para além das eleições, é de extrema importância a fiscalização do uso da verba para o destino correto e de parcerias efetivas com organizações privadas e da sociedade civil.
Países da União Europeia adotaram recentemente diversas medidas voltadas ao meio ambiente e combate às mudanças climáticas, por pressão da própria população, como a existência de objetivos ambientais para acordos comerciais externos, o que inclusive dificulta o acordo histórico com o Mercosul, a eliminação gradual do subsídio aos combustíveis fósseis e estímulo à economia circular. A Agência Euronews-IPSOS realizou uma pesquisa com os europeus, que indicou que a ação climática é prioridade para mais de metade dos eleitores da União Europeia.
Dados do Ministério do Desenvolvimento Regional apontam prejuízos de quase R$ 500 bilhões de reais envolvendo os eventos climáticos extremos nos últimos 12 anos no Brasil, sendo que dos 513 deputados, apenas uma destinou verba de emendas parlamentares para o combate às mudanças climáticas no último ano. Mesmo com o baixo apoio dos deputados, em ano de G20 e véspera de COP 30 no Brasil, o país anunciou R$10,4 bilhões para o Fundo Clima, e voltou a cobrar atitudes dos demais países do grupo.
Com as eleições municipais se aproximando no Brasil e os eventos climáticos adversos dos últimos meses, a pauta envolvendo o clima e as eleições voltaram ao destaque, e são muitas as iniciativas que podem ser adotadas, como a transição energética dos transportes públicos, incentivo às cooperativas de reciclagem e a adoção do IPTU Verde. A partir de descontos no IPTU, práticas que contribuem para a sustentabilidade são incentivadas, como uso de sistemas de captação da água da chuva para reuso, aquecimento solar e telhado verde, uso de painéis solares e construção com materiais sustentáveis, além de metas de reciclagem. Outras iniciativas do poder público devem ser exigidas pela população, como a eficiência energética com o uso de detectores de presença para acionamento da iluminação em prédios públicos e janelas para aumento da luminosidade nestes locais.
Como atitude individual que gera impacto coletivo, a escolha consciente vai além das eleições, mas também no dia a dia, desde escolhas simples como as empresas de consumo, transporte, alimentação e vestuário que devem ser idealmente alinhadas com os padrões de sustentabilidade, e a exigência de transparência em relação à cadeia de produção e recursos utilizados. Apenas a indústria da moda é responsável por 8 a 10% das emissões globais de carbono, mais do que todos os voos internacionais e o transporte marítimo juntos. Uma única calça jeans gasta 5,2 mil litros de água, quando considerada toda sua jornada desde o plantio da fibra, até sua produção, lavagem, venda e pós-consumo. Pensar na reutilização das roupas, origem dos materiais e modo de fabricação auxilia na tomada de melhores decisões e gera um grande impacto no meio ambiente.
Isso porque tudo o que é consumido deixa uma pegada ambiental, portanto é necessário incluir na rotina de cada indivíduo ações que envolvam reciclar, reutilizar e customizar, ao invés de descartar itens de imediato, com a abolição dos materiais de uso único e plásticos que não são biodegradáveis, trocando-os por materiais de papel, tecido ou reutilizáveis.
Além da fiscalização das marcas e autoridades, é necessário também fiscalizar o que está sendo difundido sobre o futuro climático. Há muita desinformação sendo compartilhada, principalmente em países com polarização política. O papel de cada cidadão é contribuir com o discurso correto e combater as informações falsas.
De acordo com a ONU, o planeta precisa chegar a emissões líquidas nulas de gases com efeito de estufa até 2050, e todos têm um papel a desempenhar. Cada pequena atitude conta, como sempre que possível priorizar videoconferências ao invés de realizar viagens, preferir alternativas mais sustentáveis no deslocamento do dia a dia e quando não for possível ir a pé, usar a bicicleta ou transporte público, priorizar carros de aplicativos elétricos e aplicativos com opções eco-friendly, reduzir o consumo de carne e ter uma alimentação com produtos frescos e de locais que ajudam a reduzir a emissão de carbono vindas do transporte, preservação e refrigeração de alimentos.
Algumas atitudes isoladas podem parecer não surtir tanto efeito, mas quando somadas ao esforço de cada um produz uma onda de resultados. É o que significa o termo adotado pela ONU para a Agenda 2030, "think globally, act locally", ou seja, "pense globalmente, e atue localmente". O futuro de todo o planeta está na soma das pequenas atitudes, mudanças de hábitos e cobrança de políticas que vão de acordo com as melhores práticas em cada comunidade, para que então, as ações tomem proporções maiores e gerem resultados mais expressivos.
Cada ação, por menor que pareça, contribui para a mitigação de eventos climáticos extremos. São 8 bilhões de pessoas no mundo, cada uma na sua realidade, consumindo, votando e escolhendo. A sustentabilidade deve ser um compromisso diário, e não apenas uma cobrança de terceiros ou dos governos, que devem gerar exemplo e mudar culturas, mas apoiados pela ação local de cada indivíduo.
*Rafael Kenji é médico e Thaís Scharfenberg é internacionalista, consultores em ODS, ONU e sustentabilidade para empresas.
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