Discussão sobre cannabis deve ser norteada apenas por elementos técnicos
A discussão sobre a legalização da cannabis não devia se limitar à crenças e dogmas
Bússola
Publicado em 29 de novembro de 2022 às 12h30.
A quem interessa a proibição das atividades de cultivo, processamento, importação e exportação de produtos, notadamente medicamentos, à base de Cannabis spp no Brasil? Essa é a pergunta central que deve ser lançada para inaugurar qualquer debate sobre o tema.
Isso porque à parte os argumentos objetivos que envolvem a venda de qualquer substância controlada, persistem manifestações contrárias à exploração da cannabis com base em juízos de valor formados a partir de ideologias e paradigmas, via de regra vinculados a convicções estritamente pessoais.
“Que Deus nos livre da maconha no Brasil”, diz o Deputado Pastor Eurico (Patriota-PE) na sua “justificativa” de voto contrário ao PL 399/2015, que trata do marco regulatório da Cannabis spp. Tal declaração retrata o desconhecimento (para dizer o mínimo) sobre o leque de oportunidades que o cultivo da planta pode proporcionar e, ao mesmo tempo, simboliza o obsoleto estigma de que a cannabis é igual à maconha in natura.
A esse respeito, não se deve confundir a maconha com os medicamentos formulados a partir do óleo de canabidiol (CBD), que são manipulados, formulados e prescritos para o tratamento de determinadas patologias e que, bem por isso, são a tábua de salvação de famílias e pacientes clínicos que necessitam desses fármacos.
Do ponto de vista médico-sanitário, se por um lado a Anvisa avançou na regulamentação da cannabis medicinal por meio das RDCs 327 e 335, por outro, o Conselho Federal de Medicina recentemente flertou com o retrocesso ao editar a Resolução nº 2.324 de 11 de outubro de 2022, disposta a limitar sensivelmente as hipóteses de prescrição e tratamento clínico pelo CBD. Tamanha foi a impropriedade de tal medida que, em seguida e após severas críticas, o CFM suspendeu a sua vigência (em 24/10/2022).
De outra banda e tão importante quanto, o assunto também deve ser examinado sob o viés econômico, por uma série de fatores.
O principal deles se deve ao fato de que 80% das terras cultiváveis no Brasil são aptas para a produção da cannabis industrial, o que permitiria que a matéria-prima brasileira tivesse o menor custo internacional, a um quinto do preço da canadense e competindo com a colombiana.
Nesse sentido, projeta-se que o CBD poderia movimentar anualmente cerca de R$ 5 bilhões, quantia equivalente a cerca de 7% do faturamento da nossa indústria farmacêutica, considerando que o país tem aproximadamente 4 milhões de pacientes que se beneficiam da substância.
E além da produção para fins medicinais, o cânhamo, espécie da planta não dotada de efeitos psicoativos, tem larga utilidade na indústria de cosméticos, têxtil e na construção civil. Não à toa, a atual Farm Bill – a Lei da Agricultura dos EUA – retirou da classificação de drogas as variedades de cannabis com menos de 0,3% de THC, o que a caracteriza como uma commodity agrícola, tal como o milho, a soja ou o trigo.
Por aqui, mais de 20 empresas já manifestaram à ANVISA interesse no cultivo da cannabis no Brasil e, à míngua de uma legislação nacional permissiva, esse investimento tem sido direcionado para países vizinhos onde a regulamentação já existe.
Nesse contexto, está claro que não há mais espaço para a sobrevivência de ideias retrógradas dispostas a impedir que milhões de brasileiros tenham o acesso direto a medicamentos essenciais para a saúde e que, ao mesmo tempo, sugerem verdadeiro desperdício de dinheiro e de potencial industrial de um bem de mercado.
Ao menos dentro dos ideais republicanos, qualquer discussão que envolva questões de saúde pública e de ordem socioeconômica deveria ser norteada estritamente por elementos técnicos, e jamais por crenças e dogmas.
*Lucas Menicelli Lagonegro e Samuel Bueno são advogados especialistas pelo /asbz
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