(Bussola/Reprodução)
Bússola
Publicado em 15 de setembro de 2022 às 14h10.
Por Renato Krausz*
Virou comum ouvir por aí nas rodas de ESG que os negócios de impacto, criados para resolver problemas socioambientais graves, têm enorme potencial de crescimento. Você já viu um exemplo concreto e palpável disso? Se não, deveria conhecer a blz Recicla, aberta em 2019 pelo paulista de Jaboticabal Rodrigo Clemente.
Nesses três anos, a empresa de matéria-prima sustentável quadruplicou de tamanho e se prepara para a internacionalização, com exportações para a Europa e abertura de três unidades nos Estados Unidos. E o que ela faz? Recolhe e separa garrafas de vidro.
As garrafas em bom estado são vendidas para cervejarias, cachaçarias e, a partir de agora, também para vinícolas. As que não têm condição de uso são quebradas e direcionadas à indústria do vidro.
Os números atuais dão uma boa dimensão da coisa: mensalmente, a empresa recupera 9 milhões de garrafas e envia 45 mil toneladas de vidro quebrado para a reciclagem. Diariamente, 25 carretas trazem cerca de 700 mil garrafas para a base da blz Recicla, em Araçariguama (SP). É a única empresa do mercado que recolhe garrafas para reuso em grande escala. Seu faturamento mensal já supera R$ 10 milhões.
Pausa para uma história antiga, curta. Bem no comecinho dos anos 1980, vivemos em São Paulo um drama danado que foi a grande crise do casco de cerveja. Naquela época, para comprar uma cerveja, passara a ser regra, você devia necessariamente entregar um casco vazio. Só que, do nada, eles desapareceram do mercado, aparentemente todos juntos. Ninguém mais tinha cascos. Eu era um garoto franzino, não bebia cerveja, mas meu pai me pedia para percorrer vários ferros-velhos do bairro onde morávamos e tentar encontrar um maldito casco. Nunca consegui achar nem unzinho sequer.
A blz Recicla nasceu num cenário levemente parecido. Rodrigo tem uma distribuidora de bebidas e, certo dia, recebeu uma ligação de um diretor de uma grande cervejaria dizendo: “Estamos sem garrafas, preciso de ajuda”. Então, assim como eu, ele saiu à procura de cascos e, diferentemente de mim, encontrou 2 milhões deles. E comprou todos. “Chegamos a desenterrar 280 mil garrafas de um aterro no litoral paulista”, lembra Rodrigo. “Oitenta por cento delas estavam em condição de uso. Isso foi um case para a gente.”
Empolgado com a nova empreitada, o empreendedor viu uma oportunidade de estruturar uma operação de economia circular que até então ocorria na mais profunda informalidade. E estruturou. Hoje a blz Recicla está homologada pela indústria cervejeira, tem 1.300 cooperativas e 28 mil bares cadastrados em todo o Brasil de onde obtém garrafas, sem falar em milhares de catadores autônomos.
A empresa paga até 70 centavos por uma garrafa em ótimo estado, mais que o dobro do valor que os catadores conseguiam antes, e isso contribui para desestimular o que era corriqueiro até há pouco tempo por parte deles: quebrar tudo para levar às fábricas de vidro, reduzindo a quase traço o reuso. Bem, se até aqui você já estava impressionado com o impacto positivo ambiental desse negócio, agora calcule o impacto social.
Os catadores recebem no ato da entrega, com o devido valor creditado, um cartão do blz Bank, fintech de soluções bancárias digitais que pertence à holding controlada por Rodrigo, a jvmc Participações. “Isso devolve dignidade para eles”, conta.
E quais são os próximos passos? A blz Recicla está abrindo duas novas unidades no Brasil, uma na Bahia e outra no Rio Grande do Sul, e investirá R$ 110 milhões de reais nas três plantas para modernizar o maquinário usado para separar e tratar tanto o que vai para o reuso quanto o que vai para reciclagem.
O objetivo é entregar as garrafas limpinhas, já prontas para o envase. E o que vai para reciclagem também terá outro tratamento: o vidro será desinfetado, separado por cor – branco, verde e âmbar – e moído antes de tomar o rumo da indústria. “Esse processo faz com que o aproveitamento para produção de novas garrafas aumente de cerca de 30% para mais de 80%”, explica Rodrigo.
Aí vem a expansão internacional mencionada lá em cima. No mês que vem, a blz Recicla exportará 120 mil garrafas de vinho para Portugal. A coisa lá na Europa está feia, com o preço do gás, que é amplamente usado na fabricação de vidro, nas alturas, por conta da guerra. Resultado, o telefone de Rodrigo toca a todo momento. São vinícolas portuguesas, francesas, alemãs, ligando desesperadamente atrás de garrafas. “Outro dia me procurou um produtor de vinhos da Califórnia”, diz ele.
O mercado americano tem um potencial incomensurável. Praticamente todo vidro consumido lá é novo. Ciente disso, a blz Recicla abrirá até o ano que vem três unidades no país, na Flórida, em Ohio e Nevada. “Lá a nossa operação será mais barata, porque há incentivos do governo. Pagam para a gente retirar garrafas”, explica Rodrigo.
E mais: ao contrário do Brasil, lá as long necks também podem ser reutilizadas. As daqui não podem, porque são dessas que abrimos na mão, e isso gera microfissuras que inviabilizam o reuso. Acabam sendo garrafas que só servem para moagem. Sabendo disso, quero crer que nós brasileiros deixaremos de fazer cara feia para long necks que demandem o uso de um abridor.
Enquanto isso, Rodrigo segue em busca dos cascos, retirando milhões deles do meio ambiente e evitando que outros tantos precisem ser produzidos. A vida útil de um casco de cerveja é de 24 envases. Eu, desde moleque, sigo incapaz de encontrá-los, a não ser os que atualmente esvazio por conta própria ao enviar o líquido gelado goela abaixo, o que farei com mais gosto depois de conhecer e ter sido escolhido como consultor da blz Recicla. Saúde!
*Renato Krausz é sócio-diretor da Loures Comunicação
Este é um conteúdo da Bússola, parceria entre a FSB Comunicação e a Exame. O texto não reflete necessariamente a opinião da Exame.
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