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Bússola Poder: Ainda não pagaram os R$ 0,20 de 2013

Até hoje é um fenômeno que merece reflexão, até pela comparação com o momento da política atual

São Paulo novamente foi palco de manifestação pela democracia (Bússola/Getty Images)
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Publicado em 15 de agosto de 2022 às 11h10.

Por Márcio de Freitas*

São Paulo foi novamente palco de manifestação social. Desta vez em defesa da democracia, mas nenhuma das grandes lideranças políticas do país pode comparecer. A simples presença dos líderes da disputa presidencial contaminaria o evento, denunciando coloração partidária ou criaria embaraço, afastando alguns dos que estiveram presentes. Era um tanto evidente que o ato tinha sentido de veto ao presidente Jair Bolsonaro, mas também não era um ambiente receptivo a Lula.

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Não há democracia sem políticos. É, portanto, notável que o ato político tenha tido limites aos partidos e seus representantes. A seleção dos oradores deixou isso evidente. Sim, houve presença de parlamentares, em sua maioria. Mas é curioso que não se possa mais reunir as grandes lideranças do país, mesmo de oposição, como foi o caso do movimento das Diretas.

Há nove anos o Brasil assistiu ao desnudar de uma democracia diferente nas ruas - de forma ruidosa e agressiva. Protestos populares de 2013 foram reprimidos com violência e escalaram as alturas numa espiral que gerou sensação de vertigem na política nacional. Não se voltou ao padrão anterior do que antes era chamado de normalidade.

A manifestação que começou contra o aumento de 20 centavos nas passagens urbanas em São Paulo se espraiou para todo o país, numa rede social coletiva que pegou os administradores públicos desprevenidos. Sem saber o que responder aos queixosos, mandaram a polícia com cassetetes. O quebra-quebra dos dias seguintes destruiu patrimônio público e privado, isolou parte da mídia e emparedou gestores.

Até hoje é um fenômeno que merece reflexão, até pela comparação com o momento atual, e pelas consequências ainda vivenciadas pelos brasileiros, como parece demonstrar o 11 de agosto de 2022. Abriu-se naquele momento a frente a novos atores políticos e à ascensão de grupos de direita mais organizados que só se projetavam discretamente em certos momentos, mas ganharam voz, corpo e espaço.

A rua foi tomada e o poder público encurralado pelas organizações que surgiam com o uso de celulares e novas ferramentas tecnológicas nas mãos do cidadão. Ainda hoje os políticos continuam reféns dessas mudanças; ou de suas próprias criações como o “nós contra eles” ou o “eles contra nós”. Uma parte dos mandatários busca timidamente contatos artificiais intermediados com o eleitor, usando equipes para aproximar essas novas relações. Alguns poucos são autênticos políticos digitais, mas a tendência é de crescimento desses novos personagens com mais bites de vida do que experiência real de atividade pública.

A estridência do grito em 2013 teve como resposta um ensurdecedor silêncio dos poderes. Nada mudou de fato. Os vinte centavos não foram pagos até hoje. O Estado continua ineficiente, os ônibus estão lotados e caros... De fato, houve até mesmo retrocessos em vários pontos nas relações institucionais. E o país demonstra fragilidades no debate público a ponto de a própria democracia voltar a ser tema de amplo noticiário nacional.

Mudou-se o sinal político da esquerda para a direita, e nove anos depois o governo é muito diferente. A manifestação atual foi pacífica, ordeira e sem a quebradeira dos black-blocs. Mas os políticos também tiveram afasia diante das cartas pela democracia. Ironias soaram a falta de jeito de lidar com uma demanda que deveria ser ofertada normalmente por um governo eleito por 57 milhões de votos.

Desde 2013, o país não teve mudança estrutural. Não aconteceu na geração de empregos qualificados, e a educação não avança na melhoria de indicadores consistentes ou muda o rumo para se adequar ao nosso tempo seguindo as melhores práticas mundiais. A atual saúva come páginas de livros didáticos, e o Brasil não parece disposto a acabar com ela... E nem sequer o debate político mergulha em outros temas urgentes do país: industrialização, ciência e tecnologia, meio ambiente, infraestrutura... O descolamento dos políticos da realidade das ruas parece uma equação sem solução, independente da matriz política. As ruas parecem sempre levar a um beco sem saída.

*Márcio de Freitas é analista político da FSB Comunicação

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