Exame Logo

Biden fala em união num país dividido

Coluna semanal do analista Márcio de Freitas comenta os temas nacionais e internacionais mais debatidos entre os poderes em Brasília

Joe Biden assumiu nesta quarta-feira, 20, a presidência dos Estados Unidos (Patrick Semansky/Reuters)

Isabela Rovaroto

Publicado em 22 de janeiro de 2021 às 07h44.

O discurso de posse do novo presidente dos Estados Unidos da América, Joe Biden , sinalizou prioridade de trabalho pela união em um país que saiu da disputa eleitoral extremamente dividido. Esse será o maior desafio a ser vencido pelo governante da maior potência mundial. Foi eloquente na cerimônia, até como sinal para demonstrar o tamanho da encrenca dos próximos quatro anos, a ausência de Donald Trump.  Ele agora é um ex-presidente com tempo de sobra para disparar golpes de golfe em seus resorts e bater com tacapes verbais contra Biden, em redes sociais alternativas e na mídia de direita do país.

A direita norte-americana não se recolherá tão facilmente. Seu histórico de avanço remonta aos anos 60, enquanto os lisérgicos ácidos levavam à Califórnia e São Francisco era meca das flores nos cabelos, havia um renascimento conservador embalado pelo sentimento religioso que preparava a revanche. E ela veio com Richard Nixon, mas que se perdeu nas salas do edifício Watergate. Contudo, ele representou a possibilidade de uma agenda radicalizada, afastando o centro político e jogando o país aos extremos, antes de renunciar.

Veja também

Depois do fiasco de Jimmy Carter, o ator Ronald Reagan consolidou o movimento da direita conversadora. Mesmo com resultados duvidosos em dados econômicos, o ex-ator de segunda linha teve vitórias expressivas no cenário internacional. Foi em sua presidência que o Muro de Berlin desabou e a Perestroika da União Soviética trouxe das memórias do subsolo várias nações que estavam soterradas sob o falido comunismo de Moscou.

Trump ecoou durante seu mandato várias frases de Nixon e Reagan. Político menor e menos preparado que ambos, funcionou como um catalisador de personagens que magnetizaram nos últimos anos o americano médio, branco e do interior, com sonhos de um retorno a um mundo idílico que nunca houve. E embalaram promessas jamais concretizadas. Mas que soldaram o discurso trumpista de fazer a "América grande de novo" - frase que Reagan entoou à exaustão em seus discursos nos anos 80.

Reagan pode ter sido um canastrão nas telas, mas era um político de talento efetivo e, depois de reeleito, deixou o governo nas mãos de seu vice-presidente, George Bush. Este perdeu a reeleição para Bill Clinton, com boa gestão econômica mas derrotado moralmente pelas estagiárias que seduziu na Casa Branca, para escândalo das carolas cristãs e ateus mais sisudos.

George W. Bush o sucedeu, mantendo a linha conservadora moderada do pai. Primeiro negro a comandar o país do Salão Oval, Barack Obama trouxe uma diversidade e uma expectativa imensa de transformação, contida pelo Tea Party e pelo limite real de poder de um presidente dentro de uma democracia com muitos freios e contrapesos realmente pesados.

A presidência de Trump foi a radicalização de uma sociedade onde os movimentos de rede social e as mídias alternativas, sejam de direita ou de esquerda, pululam e influenciam sem o controle imposto aos meios tradicionais de comunicação. Num gesto simbólico, Trump concedeu como ato final de administração o perdão presidencial a Steve Bannon, o ultradireitista que comandou sua campanha de difamação e ataques, por quaisquer meios de comunicação, à Hillary Clinton. E ainda embolsou dinheiro doado para a construção de um muro para separar os Estados Unidos do México.

Se Nixon foi a tragédia, Trump soa a farsa como repetição histórica. Se Reagan brilhou além das telas, Trump se apagou num melancólico final de mandato que mais lembra Andrew Johnson, que era vice-presidente quando mataram Abraham Lincoln. Toda a união e a vitória contra a escravidão conquistadas por Lincoln passaram a ser ameaçadas por Johnson, que correu o risco de impeachment e não compareceu à posse de seu sucessor - as semelhanças com Trump mostram que a divisão do país não é recente…

Depois de 150 anos, Trump também não compareceu à posse de seu sucessor. A descortesia sinaliza ataques próximos. Biden ergueu como escudo protetor um discurso de paz e conciliação. O ex-vice-presidente Mike Pence estava presente ouvindo. Ele foi fiel a Trump por anos, mas parece que o canto de união do presidente democrata falou mais alto neste momento. Mas Biden terá ainda de falar muito para ser ouvido por outros norte-americanos dos rincões do oeste selvagem e do interior congelado neste inverno do Norte. E também por cidadão de outras partes do mundo. A união e o consenso podem colaborar, e muito, para o mundo enfrentar a pandemia, a pobreza e as crises que espreitam em anos vindouros.

* Analista Político da FSB

Assine os Boletins da Bússola

Siga Bússola nas redes: Instagram | Linkedin | Twitter | Facebook | Youtube

 

Mais da Bússola:

Acompanhe tudo sobre:Donald TrumpEstados Unidos (EUA)Joe Biden

Mais lidas

exame no whatsapp

Receba as noticias da Exame no seu WhatsApp

Inscreva-se

Mais de Bússola

Mais na Exame