Análise do Alon: na caixa de brita
Esta semana, Alon Feuerwerker analisa o atual cenário político no Oriente Médio
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Publicado em 26 de fevereiro de 2024 às 15h00.
Última atualização em 29 de fevereiro de 2024 às 13h59.
O Oriente Médio e as redondezas são uma cumbuca daquelas de macaco velho evitar pôr a mão.
Seguem abaixo cinco exemplos de agora mesmo:
1 — O Irã talvez seja o principal aliado operacional da Rússia no conflito ucraniano.Só Belarus emparelha, em alguma medida. E a Rússia deve sediar esta semana em Moscou uma cúpula política das principais correntes palestinas.
Ao mesmo tempo, Israel e Rússia mantêm um acordo que permite aos israelenses atacar alvos iranianos no aliado-chave de Vladimir Putin ali, a Síria, sem ser ameaçados pelo potente armamento antiaéreo russo.
2 — O Azerbaijão, de maioria xiita e fronteira com o Irã, é aliado firme de Israel. As relações no terreno militar e de energia são fortíssimas. Um pouco disso ficou comprovado nos conflitos recentes com a Armênia pelo controle de Nagorno-Karabakh. E armênios acusam a Rússia de ajudar, mesmo que indiretamente, os azeris, apesar de Moscou ter um acordo militar com Yerevan, que por sua vez ameaça arrastar uma asa para a Otan.
3 — Transcorridos quase cinco meses da guerra entre Israel e o Hamas , não se nota até o momento (atenção para o Ramadã na Esplanada das Mesquitas) quase nenhuma reação da “rua árabe”. Protestos anti-Israel concentram-se no Ocidente.
Na Cisjordânia, frustraram-se por enquanto as expectativas de um levante popular a partir de 7/10.
A explicação: a Fatah, rival do Hamas, espera que Israel complete a missão, total ou parcialmente, para, com apoio norte-americano, a Autoridade Palestina tentar retomar Gaza a custo quase zero.
4 — Países árabes que estabeleceram relações com Israel nos Acordos de Abraão, na presidência de Donald Trump, não tomaram nenhuma decisão drástica contra Jerusalém até o momento.
5 — Precisou haver uma guerra de verdade ali para se perceber que o bloqueio e as restrições à entrada e saída de material militar em Gaza são uma ação conjunta de Israel e do Egito.
A esta altura, a leitura atenta já detectou meu uso abusivo do “por enquanto”, do “até o momento” etc. A prudência obriga. Afinal, estamos tratando do Oriente Médio e arredores, onde as alianças e afastamentos são mais dinâmicos até do que no nosso Congresso Nacional.
Aquilo é material com que mesmo os profissionais se atrapalham, vide a catastrófica falha da inteligência israelense no 7/10, que muito provavelmente levará à aposentadoria de Benjamin Netanyahu (outro erro dos analistas é achar que a mudança de guarda ali trará mudança importante de políticas).
Se os profissionais enrolam-se, tanto mais os amadores. Ficará na história o também catastrófico erro de cálculo de Yahia Sinwar, que fez a leitura completamente errada do grau de desagregação política interna em Israel e do estado das alianças globais do país.
Erros e falhas que carregam na sua contabilidade a tragédia dos mortos, dos feridos, das vidas destroçadas.
O Oriente Médio é um lugar (vou recorrer aos lugares-comuns) onde o apressado come cru e para todo problema complexo alguém aparece com uma solução simples, e errada. Uma hora a pessoa se entusiasma, calcula mal a tomada da curva, derrapa, sai da pista e atola na caixa de brita. E daí acelera e acelera em busca do retorno salvador ao providencial asfalto, sem entretanto sair do lugar. E fazendo atolar junto um monte de gente que em nada contribuiu para a derrapada.
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