Voo MH17 tensiona relação de empresas holandesas e russsas
A derrubada de um avião que levava 193 cidadãos holandeses está pondo à prova relações entre a Shell e a Heineken por exemplo
Da Redação
Publicado em 23 de julho de 2014 às 14h22.
Amsterdã - Durante séculos a fortuna da Holanda , o país varrido pelo vento em zonas úmidas do Mar do Norte, dependeu de preservar a paz com seus sócios comerciais no mundo.
A derrubada de um avião que levava 193 cidadãos holandeses na semana passada está pondo à prova uma das suas relações mais importantes, que envolve empresas como a Royal Dutch Shell Plc e a Heineken NV.
A Holanda foi o terceiro maior sócio comercial da Rússia no ano passado, mostram dados compilados pela Bloomberg. Os holandeses, donos do porto de contêineres mais ativo da Europa e da maior empresa de energia da região, enviam laticínios, carne e máquinas à Rússia que, segundo os EUA, é cúmplice do ataque.
“Passamos um ponto de inflexão”, disse Jan Melissen, pesquisador sênior do Clingendael, o Instituto Holandês de Relações Internacionais.
“Até mesmo para um país comerciante este é o ponto em que é preciso avaliar se os interesses econômicos se sobrepõem aos princípios e valores”.
Mesmo sendo provável que o voo 17 da Malaysian Air tenha sido atingido por um míssil em um fogo cruzado militar e não tenha sido um alvo escolhido, a derrubada representa o ato de violência mais grave contra civis holandeses desde a Segunda Guerra Mundial.
Interesses financeiros
Diferentemente dos EUA, a maior economia do mundo, a Holanda sempre teve que ser pragmática na hora de escolher sócios comerciais.
Desde a fundação da Companhia Holandesa das Índias Orientais, que transportava especiarias da Indonésia para os canais de Amsterdã, os holandeses se distinguiram dos vizinhos europeus pelo foco nos interesses financeiros.
Para um país menor do que o estado americano de Virgínia Ocidental, a Holanda tem importantes relações comerciais com a Rússia. Entre 2011 e 2013, as importações holandesas provenientes da Rússia cresceram 20 por cento.
Empresas holandesas como o Porto de Roterdã, a Shell e a Heineken têm uma exposição significativa ao leste. O porto conta com a Rússia para 15 por cento do seu fluxo e a Heineken é uma cervejeira importante no país.
Primeira vítima
Laços entre a Rússia e a Holanda que datam da época do czar Pedro O Grande foram objeto de um ano de celebrações em 2013. Mesmo meses depois da erupção das tensões entre a Rússia e a Ucrânia, o ministro holandês de Assuntos Exteriores, Frans Timmermans, destacou que as relações entre os países eram de grande importância, sugerindo que o comércio de energia entre a Europa e a Rússia poderia ajudar a resolver a crise.
Timmermans mudou sua mensagem após a tragédia da semana passada.
Para a Holanda, “todas as opções estão sobre a mesa, pois fica claro que as coisas mudaram desde a quinta-feira”, disse o ministro em uma reunião em Bruxelas. “Já não se trata somente de economia e comércio, mas também de segurança”.
As primeiras vítimas da crise provavelmente sejam novos investimentos de empresas holandesas na Rússia, segundo Marcel Stoeten, secretário do centro holandês-russo em Groningen, instituição criada para promover e apoiar o contato entre empresas e governos da Rússia e da Holanda.
Outra área que poderia ser cada vez mais afetada é a prática holandesa de promover o país como paraíso fiscal para a Rússia.
As maiores empresas de petróleo, gás, mineração e varejo da Rússia – incluindo algumas administradas por bilionários próximos do presidente Vladimir Putin – transferiram dezenas de bilhões de dólares em ativos corporativos à Holanda e a outros países europeus.
Entre essas empresas estão a OAO Rosneft, a OAO Gazprom, a OAO Lukoil e o Gunvor Group Ltd., empresa com sede em Genebra fundada por um associado de Putin atualmente sancionado pelos EUA.
“Sempre fomos contra essas construções de paraísos fiscais”, disse Bram van Ojik, líder do partido opositor da Esquerda Verde. “Esta é uma prova de fogo sobre se somos sérios para aplicar sanções que também podem nos afetar. Precisamos estar preparados para dar um tiro no próprio pé”.